Post do Cor Aniceto Afonso, recebido por msg:

  1. NAS VÉSPERAS DA ENTRADA EM LINHA DO CORPO DE EXÉRCITO PORTUGUÊS

Introdução

Não era pequena a esperança do chefe da Repartição de Instrução e Organização do CEP, major de infantaria com o curso de estado-maior Henrique Pires Monteiro e do seu adjunto capitão de infantaria Joaquim de Oliveira Simões, que escreviam com data de 31 dezembro de 1917, o seu primeiro relatório:

Feita a paz, vencedora a Democracia, esta geração que sofreu a Guerra e nela aprendeu a Abnegação pela Coletividade, terá a base mais sólida da educação cívica, indispensável para que os princípios superiores dos direitos do homem se afirmem em uma atmosfera de suavidade moral e social, que assegure o progresso político e económico dos estados.

Ansiando por esse futuro, mas de regresso aos problemas do presente, os autores do mesmo relatório resumem a forma como se constituiu o Corpo de Exército Português e quais os passos que foram dados já em França:

Em Ordem de Serviço nº 45 de 20 de abril de 1917 foi publicado que o Governo da República determinara a constituição do CEP em um Corpo de Exército, a duas Divisões. Até então havia apenas uma Divisão (…)

A alteração da primitiva composição do CEP, colocando o nosso Exército em plano superior e valorizando o esforço enorme com que Portugal tem concorrido, combatendo ao lado dos aliados, teve necessariamente enorme significação política e sob o ponto de vista militar deu-nos responsabilidades mas concedeu-nos direitos, que dignificaram o Exército Português. (…)

Consequência dessa transformação e cedendo possivelmente a instâncias do Comando Britânico, os Regimentos a três Batalhões foram transformados em 1 de maio de 1917 em Brigadas a quatro Batalhões (sistema inglês). Não tendo aumentado o número de Batalhões expedicionários, os oito Regimentos transformaram-se em seis Brigadas de Infantaria.

Também para o Serviço Telegráfico, como veremos mais adiante, a constituição do Corpo de Exército trouxe alterações significativas. É para isso que o capitão Soares Branco nos alerta desde logo, com uma referência às mudanças na organização do serviço, que virá a refletir-se numa necessária alteração das próprias unidades de telegrafistas:

Chegara de Portugal sem colocação alguma determinada, o capitão de engenharia Esmeraldo Carvalhais que havia sido chefe do Serviço Telegráfico da 1ª Divisão, mobilizada em Tancos, e eu tinha a intuição de que era absolutamen­te indispensável tornar independentes os cargos de chefe de Serviço Telegrá­fico das Divisões e de comandante das tropas telegrafistas das mesmas.

Avaliara, pelo que seguira de perto os serviços, a enorme canseira e a impossibilidade de convenientemente tudo resolver e tudo remediar, com que lutava o chefe de Serviço Telegráfico da 1ª Divisão, tenente de engenharia Ferreira da Silva, e ao mesmo tempo entendia a sua cooperação indispensável em todos os trabalhos técnicos da Divisão.

E, tendo em vista por esta forma melhorar o estado de coisas existentes, de acordo com o Estado-Maior da 1ª Divisão e com o existente chefe do Serviço Telegráfico e comandan­te da 1ª Secção de TPF, propus ao chefe do Estado-Maior do Corpo a nomeação do capitão Carvalhais para chefe do Serviço Telegráfico da lª Divisão conti­nuando o tenente Ferreira da Silva como comandante da 1ª Secção de Telegra­fia por Fios.

Anteriormente, porém, dirigira ao AD Signals do XI Corpo a nota de 21-07-17, à qual recebi resposta afirmativa pela nota de 24 do mesmo mês.

O novo chefe do ST fez um estágio de cerca de 10 dias na Escola de Sinaleiros e junto do Serviço Telegráfico do Corpo, e, contando em absoluto com as mui­tas qualidades de Chefe que de há muito lhe reconhecia e com a leal e valiosíssima cooperação que todos os oficiais do Serviço lhe prestariam e presta­ram, fiquei absolutamente convencido de haver tomado uma medida acertada e necessária.

Sinaleiros

Ultrapassada a fase de resolução dos inúmeros problemas que se foram colocando respeitantes à 1ª Divisão sob o comando do XI Corpo Britânico, havia que começar a preparar a entrada em linha da 2ª Divisão e consequentemente do comando do Corpo de Exército Português, passando este para o comando do 1º Exército.

Especial atenção mereceu, como sempre, a Soares Branco, a melhoria da instrução dos sinaleiros. Aborda a questão com pormenor no seu relatório:

No entretanto iam chegando à Escola de Sinaleiros e iam sendo instruídas as Secções de Sinaleiros da 2ª Divisão.

Houvera mais tempo para essa instrução e cada Secção de Sinaleiros antes de ir para uma Brigada Inglesa com o respetivo Batalhão, era mandada praticar junto das nos­sas Brigadas, Batalhões ou Grupos.

As opiniões dos oficiais de Brigada ingleses era que os oficiais e quadros eram bons, dos sinaleiros uns eram igualmente bons, outros vagarosos na trans­missão. Os primeiros eram de telegrafistas de praça, os restantes eram praças de infantaria que contudo faziam mais do que era permitido deles exigir, pois que nunca tinham tido instrução dessa natureza.

Tais factos já me não assustavam, pois sabia pela prática obtida na 1ª Divisão que era na linha e com um serviço aturado que uma maior velocidade de trans­missão e receção podia ser adquirida.

Uma circunstância, porém, veio prejudicar e atrasar o sucessivo aperfeiçoamento dessas Secções de Sinaleiros.

Os Batalhões haviam entrado na linha por companhias isoladas e seguidamente como unidades constituídas.

Inúmeras causas, estranhas ao Serviço Telegráfico, não permitiram desde logo a entrada da 2ª Divisão na linha. Não havia oficiais, não chegava a artilharia de campanha, e de qualquer modo a 2ª Divisão nem rendia a 1ª, nem entrava ao lado dela.

As Secções de Sinaleiros que haviam saído da Escola de Sinaleiros há meses continuavam, mas com uma direção muito problemática, a instrução das suas praças, visto estarem acantonadas na zona da 1ª Divisão mas a ela não subordinadas e o Quartel-General da 2ª Divisão continuar, como não podia deixar de ser, em Roquetoire, isto é, a cerca de 30 km de distância.

Felizmente, e após o período que decorreu de fevereiro a setembro, recebeu este Serviço o material completo da Secção Automóvel de Fio.

 A entrada em linha do Corpo de Exército Português

Tudo se aprontava para a entrada em linha da 2ª Divisão e portanto também do QG do Corpo de Exército. O Governo português fizera um grande esforço diplomático para que tal fosse possível, aumentando assim o nível da presença de Portugal no apoio ao seu aliado britânico. Embora as faltas, tanto de pessoal como de material fossem assinaláveis, a verdade é que todos estavam agora interessados em que o Corpo de Exército entrasse em linha. O comando inglês previa mesmo a dispensa do seu XI Corpo, que iria ser transferido para a frente italiana, contando para isso com a constituição do Corpo de Exército Português.

De tudo dá conta, em pormenorizada referência, o capitão Soares Branco no seu relatório:

Previa-se para breve a entrada do Quartel-General do CEP como Corpo de Exército na 1ª linha.

Urgia remediar um estado de coisas cuja culpa só cabia às muitas complicações de ordem burocrática que qualquer requisição portuguesa, de vulto, suscitava no Grande Quartel-General Inglês, ou no seu Ministério da Guerra.

Nomeado o pessoal para essa Secção, em parte retirado da 3ª STP Fios e em parte retirado da Secção de T. de Praça, deu-se começo à respetiva instrução.

Mas o material era absolutamente desconhecido entre nós, e o método de com ele trabalhar era igualmente novo.

O 1º Exército perguntou-me se eu aceitaria a vinda de um sargento para praticamente mostrar como os guarda-fios trabalhavam na linha de fio, aceitando eu o oferecimento e agradecendo-o.

Em 15 dias o oficial Comandante da Secção havia tomado conhecimento abso­luto do método usado para a construção das referidas linhas, e o 2º Sargento inglês de nome Pavitt, que muito bem desempenhara a sua missão, recolhia à sua unidade do Exército Britânico, continuando a instrução até completo treino do seu pessoal.

Por esta época o 1º Exército entregava-me material de Telegrafia Sem Fios capaz de com ele se instruírem todas as praças de Sem Fios, e dos Batalhões de Infantaria para o trabalho do power-buzzer.

Em 10-10-917 dirigia ao DD Signals do 1º Exército a nota Nº 839, na qual prevendo a entrada em linha da 2ª Divisão Portuguesa e portanto das duas Divi­sões e do QG do Corpo, eu instava pela remessa do material que entendia ainda indispensável receber.

Esse material não só foi enviado, como quase todo aquele que competiria receber de harmonia com as dotações do Exército Britânico.

E assim já preparado com uma unidade automóvel para os muitos trabalhos de estabelecimento, conservação e reparação das linhas na futura área portuguesa, eu carecia de refundir a organização que de Lisboa havia sido dada às unidades de telegrafistas.

Muitos quadros já se haviam publicado e alterado. No Serviço Telegráfico nada se havia fixado até então.

(clique na imagem e depois, em baixo e à direita, volte a clicar em “View full size”, para a aumentar, e de novo na imagem, para ver em grande detalhe)

Simples propostas para a apresentação nesta ou naquela Divisão de pessoal, reforçamento de quadros conforme as necessidades o iam indicando, instrução na Escola de Sinaleiros de praças e quadros em número suficiente para uma futura aplicação na 1ª linha.

Mas indo o Corpo de facto existir, a aprovação do Chefe do Estado-Maior dessas referidas propostas permitindo a correção de qualquer deficiência que surgisse evidenciada pela prática, habilitavam-me a finalmente propor quadros e uma organização nova. Assim o fiz com a minha nota Nº 924 de 31 de Outubro.

Nela se dizia:

“Não propus até hoje novos quadros diferentes daqueles que haviam sido fixados em Tancos, pela simples razão de que julguei melhor fazer executar, à medida que as necessidades do serviço o indicavam, as alte­rações que tendo merecido sucessivamente a aprovação superior, têm hoje a consagração que a prática de 6 meses lhes veio dar.

“Desta forma resultam os presentes quadros, como que resumo e coordenação de propostas anteriormente feitas e já postas em execução mas que alterando profundamente os quadros em vigor dão origem à substituição destes.

“As principais modificações introduzidas resultam:

1) – Da reunião em uma só unidade administrativa das Secções de Telegrafistas de Campanha, da Secção de Telegrafistas de Praça e da Secção Automóvel de Fio.

“Constituir-se-ia assim a Companhia de Telegrafistas do Corpo, à qual com­petiria da mesma forma todas as ligações exteriores ao QG do Corpo, às Divisões e à Artilharia Pesada.

“Haveria desta forma economia de oficiais encarregados de funções adminis­trativas, maior unidade no Comando das tropas conservando para as suas funções técnicas a divisão do trabalho indispensável entre as diferentes secções a constituir.

2) – Em cada Divisão são criadas as Companhias de Telegrafistas, e nelas incorporadas as antigas Secções de Sinaleiros das Brigadas, as quais pretendiam ser de soldados de infantaria reforçados com algumas praças de telegrafistas, mas que ao contrário do que estava estatuído e do próprio quadro resulta, têm que ser quási exclusivamente constituídas por telegrafistas de engenharia.

3) – Reforçamento das Secções de Sinaleiros dos batalhões e passagem de algumas praças de telegrafistas dos batalhões para as Secções de Sina­leiros das Brigadas. 

“A prática do serviço aconselha esse aumento de efetivo, o qual será realizado com as praças do Depósito de Sinaleiros que para tal fim tenho de­vidamente instruídas, para começo do referido reforçamento.

“Para que o Serviço Telegráfico possa funcionar no Corpo e nas Divisões carece apenas em pessoal: 3 oficiais de engenharia.

“Em animal carece de todos os solípedes da Companhia do Corpo que da metrópole nunca chegaram.

“Em material são necessárias as motocicletas e camiões do estado-maior da Companhia do Corpo e das Divisões, bem assim como as respetivas motoci­cletas do serviço de comunicações para o Corpo e Divisões.

“Desta forma as faltas existentes não são daquelas que a este Serviço compita fazer face, e com satisfação posso mesmo registar que ao presente com a satisfação integral do solicitado na nota deste Serviço Nº 838 de 10 do corrente ao D. D. Signals do 1º Exército, possui o Corpo Português o material técnico suficiente para poder ter em operações as duas Divisões”.

Estava pois o Serviço Telegráfico apto a poder corresponder às responsa­bilidades efetivas do serviço de comunicações como Corpo de Exército.

As deficiências apresentadas eram das tais derivadas do Exército Inglês – Divisão de Transportes – e que ainda hoje apenas parcialmente estão remo­vidas.

Os solípedes, bicicletas e algumas motocicletas foram fornecidos passa­das algumas semanas e entregues ao Serviço Telegráfico. Os camiões, porém, não puderam ser dados por o Exército Britânico não os fornecer.

Conclusão

Em 5 de novembro, um mês antes dos acontecimentos de Lisboa levarem ao poder Sidónio Pais, ficava cumprido o desígnio do Governo republicano. Portugal passou a ser representado, na frente ocidental, por uma grande unidade, com o nível de Corpo de Exército e com um efetivo próximo dos 40 000 homens. Chegou a ocupar uma frente de 18 quilómetros distribuídos pelos setores de Fleurbaix, Fauquissart, Neuve Chapelle e Ferme du Bois, mas que estabilizaram em torno dos 11 a 12 quilómetros, passando Fleurbaix a ser um setor inglês.

A preparação da 2ª Divisão foi por um lado facilitada pelas estruturas já montadas do anterior, como as escolas de formação incluindo os sinaleiros, mas sofreu de inúmeras dificuldades pela falta de pessoal, em especial oficiais, e de material das mais diversas categorias.

A ausência de transportes marítimos ingleses, empenhados na transferência das tropas americanas para a Europa, colocou às autoridades portuguesas problemas difíceis de resolver. A mobilização era já por si deficiente, assim como a instrução dos efetivos que iam para França ou Inglaterra a necessitar de um tempo de formação bem superior ao normal. Mas a ausência de transportes foi um rude golpe para a rendição de tropas que começava a impor-se, pois havia unidades que estavam a caminho de oito meses de presença em França.

Apesar de tudo, o efetivo total transportado até setembro foi suficiente para constituir o Corpo de Exército. O problema centrava-se no facto de as unidades não terem um verdadeiro descanso, já que ora estavam em primeira linha, ora em reserva ou em apoio. Contudo a situação agravou-se sobremaneira depois da tomada do poder em Lisboa de Sidónio Pais, adepto de uma substancial redução do contingente português, ou mesmo da sua retirada. Nenhum apelo, e foram muitos, dos responsáveis do CEP, teve efeitos práticos na chegada de unidades de substituição, que nunca chegou a acontecer.

A situação já era difícil no final de 1917, mas iria agravar-se substancialmente em 1918, como veremos.

O Serviço Telegráfico adaptou a sua organização às necessidades e às mudanças ocorridas, cumprindo as suas missões com normalidade e de acordo com as exigências dos serviços a seu cargo.

3 comentários em “As TRANSMISSÕES na GRANDE GUERRA – Relatório de Soares Branco (9)

  1. O presente post diz respeito à situação do Serviço Telegráfico nas vésperas da entrada em linha do Corpo de Exército português, em 5 de Novembro de 1917, focando as alterações orgânicas resultantes de ter sido decidido, meses atrás, que o contributo português passasse de uma Divisão Reforçada a um Corpo de Exército a duas Divisões.

    Permito-me fazer duas pequenas observações ao excelente e rigoroso texto do coronel Aniceto Afonso, resultantes de dúvidas suscitadas pelo Relatório de Soares Branco.

    A primeira diz respeito ao período de sobreposição da 2.ª Divisão com a Divisão inglesa que rendeu. Não percebi quando decorreu este período presumindo que tenha sido antes de 5 de Novembro e da mesma forma que decorreu com a 1.ª Divisão portuguesa, isto é primeiro as companhias, depois os batalhões…e a sobreposição das unidades do serviço telegráfico ter-se-iam verificado nesse período. Estarei certo?

    A segunda diz respeito à parte final da nota nº 924 de 21 de Outubro, transcrita no post, onde me parece que o capitão Soares Branco não menciona, em 2) e 3), o reforço das secções de sinaleiros dos Grupos de Artilharia, como de facto sucedeu, reforçando as secções com telegrafistas da Companhia de Telegrafistas da Praça, e a Artilharia com oficiais de Engenharia.
    Soares Branco apenas refere o reforço dos sinaleiros das Brigadas e dos Batalhões. Estarei a interpretar mal o seu texto?

    A última observação é para agradecer, desde já, ao Cor Costa Dias o envio do QO de pessoal do Serviço Telegráfico, que me informou me ia disponibilizar. Isso para me habilitar a estudar em pormenor, a evolução que houve, em pessoal de transmissões, da Divisão de Instrução para o Corpo de Exército e fazer um post , se acharem bem.

  2. Caro Amigo,
    Julgo que será a altura de chamar outros membros da Comissão a pronunciarem-se, pois se trata da análise do texto do relatório. Eu continuarei a lançar aqui as primeiras pedras, ou seja, a análise do próprio relatório nas suas linhas gerais.
    Vamos a esse post prometido…
    Abraço.

    1. CCaro amigo
      Também partilho contigo a esperança de que os nossos camaradas se pronunciem sobre a meritória análise do texto de Soares Branco que estás a fazer. De acrescentar que o Relatório relata as acções do Serviço Telegráfico de uma forma impessoal, não distinguindo as acções notáveis das banais. De facto não seria razoável que SB fizesse a apreciação da atuação do seu serviço no Relatório.
      Quanto ao meu post estou a aguardar a receção do QO do CEP.
      Ainda em relação aos próximos comentários aos teus posts penso comparar o teu texto com a oração de sapiência de SB publicada na Revista de Artilharia.
      Abraço

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