Post do Cor Aniceto Afonso, recebido por msg:

A BATALHA DE LA LYS (ARTILHARIA)

Introdução

Depois da descrição dos acontecimentos de 9 de abril nas Brigadas e nos respetivos Batalhões, o capitão Mascarenhas Inglês aborda também o que se passou nas unidades de Artilharia, dando, em primeiro lugar, uma ideia geral das “ligações na artilharia” e passando depois a descrever as ações levadas a efeito pelos GBA (Grupo de Baterias de Artilharia) que estiveram em apoio das Brigadas empenhadas, os 1º e 2º GBA em apoio da 6ª BI, no sector de Neuve Chapelle; o 5º GBA em apoio da 5ª BI, no sector de Ferme du Bois; e o 6º GBA, em apoio da 4ª BI, no sector de Fauquissart.

As ligações entre as unidades de Infantaria e as unidades de Artilharia foram sempre uma das principais preocupações do Serviço Telegráfico, já que delas dependia a execução dos pedidos de apoio de fogos em tempo oportuno e de forma precisa. As unidades de artilharia tinham na frente, junto das companhias em primeiro escalão os seus observadores, que conduziam o tiro de artilharia do seu sector, tornando-se elementos fundamentais para o sucesso das missões. Ora isso requeria boas comunicações, contempladas na existência de linhas especiais dedicadas a esses observadores avançados.

In A “Batalha de La Lys” e as Transmissões, Revista de Artª, TCor Soares Branco (“clique” sucessivamente para aumentar)

Quando estas ligações falharam, em breve tempo depois do início dos bombardeamentos alemães no dia 9 de abril, as unidades de artilharia ficaram cegas, sem saberem o que fazer. Ainda assim, mantiveram-se nos seus postos e quase todas puderam participar na batalha, a pedido das unidades de Infantaria, enquanto foi possível, e tomando depois várias iniciativas, sem a garantia de qualquer eficácia.

Ligações da Artilharia

Nas primeiras linhas do seu relatório sobre as ligações da artilharia, o capitão Mascarenhas Inglês dá-nos uma imagem do que foi o começo da batalha:

Às cinco horas do dia 9 notou-se avariada a linha que servia o 6º G.B.A. pelo que foram mandados sair guarda-fios que a percorreram com o sargento, sem que até às 12 horas tivessem conseguido alguma coisa de útil; pouco depois das 5 horas avariaram-se as linhas para o 1º e 5º GBA e às 5 e três quartos avariou-se a linha para o 2º GBA.

Tendo saído outro grupo de guarda-fios chegou-se à conclusão que as linhas de Fosse para a frente estavam completamente destruídas.

Ou seja, antes das seis horas da manhã já nenhuma linha de artilharia estava a funcionar e as equipas de reparação nada puderam fazer. Seguiu-se uma luta contra o tempo e contra as condições do campo da batalha, tornando cada vez mais difícil qualquer ação de reparação.

Apesar de restarem algumas ligações para os comandos laterais das unidades inglesas e com a Artilharia Pesada, a verdade é que as tropas da frente, assim como os observadores, ficaram sem qualquer tipo de comunicações.

A situação foi-se degradando, como podemos ver pelo relatório:

As linhas que entravam no indicador foram sucessivamente cortadas e às dez horas e quarenta e cinco minutos já não existiam senão linhas dos circuitos locais.

As únicas comunicações que depois foram feitas com os Grupos foram-no por meio de motociclistas.

Cerca do meio-dia encerrou-se o serviço da estação telefónica de artilharia.

Os telefonistas só saíram de Lestrem depois de se ter verificado que os subscritores já não se encontravam nos seus gabinetes para poderem fazer uso dos respetivos telefones.

A segunda companhia de telegrafistas recebera também ordem de retirar com o Quartel-General.

Restava pois reunir o material que fosse possível e abandonar Lestrem.

Grupos de Baterias de Artilharia

No seu relatório preliminar sobre o 9 de Abril, o general Costa Gomes, comandante da 2ª Divisão, refere-se à artilharia alemã e à resposta da artilharia portuguesa do seguinte modo:

Das 20h30 do dia 8 à 01h00 de 9, o inimigo executou sobre as nossas posições de artilharia curtas rajadas de 4-5 minutos, intervaladas duns 15 minutos; da 01h00 às 04h15 de 9 fez uma pausa; a esta hora, porém, abriu um violento fogo não só sobre as baterias, como sobre as nossas 1ª e 2ª linhas de infantaria, comandos de batalhões, Brigadas e estradas que se dirigiam para os sectores.

Este bombardeamento destruiu logo quase todas as ligações telegráficas.

A nossa artilharia respondeu ao fogo inimigo, umas baterias por lhe pedir a infantaria S.O.S.; outras por iniciativa própria, porque tendo as comunicações cortadas e atendendo à violência do fogo inimigo, perceberam que não deviam esperar pelo pedido.

No entanto, algumas baterias, preocupadas com o consumo de munições e dificuldades de remuniciamento não imprimiram ao tiro a velocidade que seria para desejar num tal momento, como sucedeu no flanco direito.

Por sua vez, Mascarenhas Inglês ocupa-se dos quatro Grupos de Baterias de Artilharia que apoiavam as Brigadas da 2ª Divisão, esclarecendo as circunstâncias das ligações para cada um deles. Como dissemos, os 1º e 2º GBA apoiavam a 6ª BI, no sector de Neuve Chapelle.

Em relação ao 1º GBA escreve Mascarenhas Inglês:

Na estação do Comando deste Grupo, interromperam-se as ligações com as baterias (…) logo nos primeiros tiros (…)

Não foi possível tentar sequer a reparação das linhas em face do fogo de barragem em volta do Grupo, facto este que é confirmado pelo ajudante e mais oficiais do Grupo.

A densidade do nevoeiro não permitiu o emprego de comunicações óticas.

Na 1ª bateria as ligações foram completamente inutilizadas no começo do bombardeamento. Saíram os guarda-fios mas a artilharia inimiga tornava-lhes o trabalho inútil e impossível.

Na 2ª bateria sucedeu o mesmo que nas anteriores.

Na 4ª bateria iguais factos se passaram tendo desaparecido dois telefonistas, mandados ao Grupo como agentes de ligação.

A Secção de Sinaleiros perdeu 9 homens e todo o material, à exceção de dois telefones franceses, um telefone D3 e um indicador buzzer de 4×3 direções.

Em relação ao 2º GBA, o capitão Mascarenhas Inglês refere-o desta forma:

Na estação deste Grupo (…) às 04h20 só havia ligações com o Comando de Artilharia, ligação que se manteve até às 05h45. (…)

A barragem de artilharia, que momentos antes se havia deslocado, voltou a bater com violência as proximidades do Grupo, ferindo os guarda-fios e obrigando todos a retirar. (…)

As comunicações, porém, do Grupo para as baterias, Brigada e Comando da Artilharia da Divisão foram estabelecidas por estafetas, estabelecendo-se assim um serviço regular desde as 06h00 às 10h00.

Depois, reuniu o conselho de oficiais e resolveu-se a retirada.

A Secção de Sinaleiros do Grupo perdeu 23 homens. Do material salvou-se o indicador buzzer unit, um indicador magnético, um telefone D3, quatro telefones franceses e um fullerfone.

Cão com desenrolador de fio durante a GG. Não há notícia de terem sido utilizados pelo CEP.

A apreciação dos outros Grupos é bastante semelhante, sempre com realce para a perda prematura das comunicações e, em virtude disso, a falta de coordenação da sua ação com as forças de Infantaria apoiadas.

Em relação ao 6º GBA, que no sector de Fauquissart apoiava a 4ª BI, Mascarenhas Inglês traça o seguinte quadro:

Cerca das 04h45 o Comando do Grupo ficou isolado da sua estação telefónica, apesar de haver entre o Comando e a estação 4 linhas telefónicas estabelecidas por traçados diferentes.

O comandante da Secção de Sinaleiros, alferes de cavalaria João Baptista, fez prevenir os guarda-fios para se conservarem perto da estação e prontos para o serviço de reparação de linhas, ficando à espera de uma oportunidade que permitisse a execução daquele trabalho, oportunidade que nunca apareceu.

O bombardeamento continuava e a impossibilidade de qualquer serviço de linhas foi reconhecida pelo comandante do Grupo e outros oficiais.

(…) Nada se sabe como o serviço decorreu na central do Grupo, porque todos os homens que ali estavam desapareceram.(…)

A Secção de Sinaleiros do Grupo perdeu um oficial e 31 homens e todo o seu material.

O 5º Grupo, que apoiava a 5ª BI no sector central de Ferme du Bois é referido por Mascarenhas Inglês desta forma:

Às 04h20, das linhas do Grupo apenas funcionavam a do comando de artilharia da Divisão e a do Grupo da esquerda, 1ª GBA.

Foram mandados sair guarda-fios para as linhas avariadas mas em virtude da barragem de artilharia nada puderam fazer regressando à estação do comando cerca das 11 horas. (…)

As ligações óticas não funcionaram devido à densidade do nevoeiro podendo o serviço de ligações ser feito apenas pelos estafetas.

Nenhum dos telefonistas que estavam em serviço nas cabines das posições no OPX e na estação avançada do Grupo retirou.

A secção de sinaleiros perdeu 38 homens dos 65 que tinha presentes.

Do material distribuído ao Grupo perdeu-se todo exceto dois telefones franceses e uma bolsa de pequenas reparações incompleta.

Mascarenhas Inglês termina o seu relatório, como responsável do Serviço Telegráfico da 2ª Divisão, com esta referência aos Grupos de Baterias de Artilharia:

Neste como nos outros Grupos o pessoal das secções de sinaleiros portou-se de um modo geral bem, sendo de notar que as melhores dedicações pelo serviço foram manifestadas pelos que há mais tempo permaneciam na frente.

As conclusões sobre o dia 9 de abril chegam-nos já, de novo, pela mão do capitão Soares Branco:

Resumindo da descrição feita pelo CST2 dos acontecimentos passados no dia 9 pode concluir-se:

Até às 03h00 houve todas as comunicações telefónicas exceto as do 2º GBA para a 4ª. Brigada.

Às 04h20 foram cortadas todas as linhas do QG2 para o XI Corpo, 5ª BI e 4ª BI.

Às 04h30 foi também cortada a linha do QG2 para a 6ª BI e entre o 1º GBA e o 2º GBA.

Às 04h45 fora cortada a ligação entre o comando e a central do 6º GBA.

Às 05h00 era também interrompida a ligação entre QG2 Artilharia e o 6º GBA.

Às 05H30 um oficial saído de QG2 fazia a ligação com a 4ª e a 3ª BI.

Às 05h45 desaparecia ainda a ligação telefónica entre o QG2 Artilharia e o 2º GBA.

Às 06h00 deixavam de funcionar as linhas telefónicas entre o 6º GBA e a sua 1ª Bateria, entre QG2 Artilharia e o 5º GBA, entre QG2 Artilharia e a central da artilharia pesada Heather.

A partir desta hora, Soares Branco passa a referir as comunicações que foi possível restabelecer, mas quase todas através de estafetas, algumas em motociclos, até perto do meio-dia.

Conclusão

Pelo quadro de fogo da artilharia publicado no relatório do general Gomes da Costa, comandante da 2ª Divisão, poderemos constatar que quase todas as baterias iniciaram o fogo entre as 04h30 e as 04h45, hora a que a maior parte das comunicações estava já destruída. Uma única bateria não terminou a sua missão até às 12h00. Neste período, como é referido no mesmo relatório em relação à força atacante “sob a ação do violento fogo de artilharia e morteiros, pelas 7 horas da manhã, já as nossas 1ª e 2ª linhas estavam completamente destruídas e empastadas formando uma massa revolta de escombros, donde aqui e além emergia a perna, o braço, ou a cabeça dum cadáver”.

“Quadro do fogo de artilharia”, publicado no relatório do general Gomes da Costa, comandante da 2ª Divisão

Enfim, Gomes da Costa, ainda a quente, ao elaborar o seu relatório, completa-o com as suas “notas pessoais”:

(…)

O estado de espírito não era pois o de verdadeiros e bons soldados.

A inconveniência de se não manterem os quadros completos e estarem capitães a comandar batalhões, e alferes a comandar companhias, foi outra causa do desaire.

Não culpo por isso os Comandos que se não mostraram à altura da sua missão, porque para ela não estavam preparados; não culpo a 3ª Brigada por não ter ocupado a tempo a Village Line, por isso que não tivera tempo sequer de a reconhecer; não culpo os soldados, que não tinham a preparação suficiente para uma guerra desta ordem.

Porque, se há culpas neste desastre, provêm de faltas de organização, e essas faltas pagam-se sempre caras em tempo de guerra.

2 comentários em “As TRANSMISSÕES na GRANDE GUERRA – Relatório de Soares Branco (18)

  1. De onde se conclui que sem transmissões a Artilharia é cega e ineficaz. O mesmo se passa com a dependência para todas as outras forças. A descrição feita por Soares Branco neste relatório fornece-nos a melhor imagem daquela guerra, daquela batalha e deixa entrever a confusão da retirada, talvez o aspecto mais evidente das deficiências do comando e da organização das Forças Portuguesas, não foi a debandada mas podia ter sido.
    Na nossa guerra colonial estivemos também à beira da debandada por evidente falta de comando superior para programar uma retirada em tempo útil. Foi por isso, que,pressentindo a debandada, os capitães decidiram programar a retirada e fazer o golpe militar do 25 de Abril. Felizmente tivemos telecomunicações na retirada.

    1. Caro António, As duas guerras que referes foram muito semelhantes em muitos aspectos, no que respeita aos contingentes portugueses. As épocas são diferentes, os conceitos também, mas no fundo o soldado é olhado de forma bastante igual. Os políticos nunca estiveram à altura de compreenderem a situação, os comandos militares não souberam assumir as suas responsabilidades. De facto, como dizes, a retirada ordenada só existiu pela intervenção dos capitães, mesmo no limite do tempo…
      Obrigado pelo contributo.

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