Post do Cor Aniceto Afonso, recebido por msg:

  1. NOVEMBRO DE 1917 A MARÇO DE 1918 – O CORPO DE EXÉRCITO NA FRENTE

Introdução

O capítulo IV do relatório do capitão Soares Branco é dedicado ao período de novembro de 1917 a março de 1918, coincidente com o período de inverno, em que a atividade operacional foi bastante reduzida. O responsável do Serviço Telegráfico do Corpo de Exército Português aproveitou para melhorar as redes de comunicações e preparar o pessoal o melhor que lhe foi possível.

Como veremos, enfrentou alguns problemas com o estabelecimento das linhas de comunicação, uma vez que o XI Corpo, que foi substituído na frente, não transferiu devidamente nem as linhas, nem os esquemas que deviam representá-las. As relações com o XI Corpo foram sempre muito difíceis e quando este abandonou a frente, a situação que deixou foi merecedora de justas queixas de Soares Branco.

A propósito destes problemas, Soares Branco faz o historial das relações que o CEP foi tendo com os vários comandos ingleses que estiveram envolvidos com unidades portuguesas, incluindo as relações de comando das unidades de artilharia, assim como das vicissitudes dos dispositivos guarnecidos por várias grandes unidades inglesas em torno do Corpo Português.

A saída da frente do XI Corpo Inglês

Quando o XI Corpo abandonou a zona que ocupava na frente, Soares Branco insurge-se com a destruição das redes de comunicação que foi encontrar, lamentando a falta de informação que a unidade rendida deixava ao Corpo Português:

O Corpo Português entrava em exercício com responsabilidade da defesa dos sectores de Ferme du Bois, Neuve Chapelle, Chapigny, Farm e Fauquissart, às 12 horas do dia 5 de novembro de 1917.

Ao contrário do que sucedeu com a 49ª Divisão que quando rendida pela 1ª Divisão entregou, precisamente no dia e hora da rendição, todos os esquemas, diagramas e projetos de linhas e comunicações e prestou todos os esclare­cimentos necessários para a rendição, o XI Corpo junto do qual o Corpo Português até então estivera como que em instrução, nada me enviou, nada me facultou.

Uma só preocupação teve: foi cortar as linhas telegráficas que o ligavam à 1ª Divisão, de forma a amontoar na estação de QGC, centenas de telegra­mas dirigidos a unidades inglesas do XI Corpo que entre nós ainda estavam.

Só em 15 de novembro recebi por intermédio da Missão Britânica um mapa com a planta das linhas existentes, mas nenhum diagrama era enviado (…)

Depois de uma troca de correspondência com o XI Corpo, que pouco resolveu, Soares Branco acabou por recorrer ao comando do 1º Exército para iniciar, em conjunto, um trabalho de recuperação das informações necessárias. É desses trabalhos que nos dá conta de seguida:

Ao Corpo Português não eram fornecidos os elementos indispensáveis que a qualquer Brigada ou Divisão nunca podem ser recusados.

Os únicos que primeiro foram enviados tinham que ser emendados alguns dias depois, e os restantes não existiam no XI Corpo que durante dois anos pouco mais ou menos aqui permaneceu, em Hinges.

Só a ação do 1º Exército Britânico, que imparcialmente tinha sempre re­conhecido as muitas dificuldades com que este Serviço lutara e que procurara vencer, é que poderia fornecer-me os meios que pelo Corpo Inglês ha­via estrita obrigação de facultar.

De facto assim sucedeu.

Um oficial português, o tenente de engenharia J. Pedro Saldanha e o te­nente do 1º Exército Inglês Williams corrigiram e elaboraram uma planta exata das linhas existentes.

Seguidamente pelo mesmo oficial português foi elaborado o diagrama exato de todas as ligações na área do CEP, que por cópia enviei ao 1º Exército, distinguindo as linhas que eu propunha que ficassem na posse do Corpo Português e eram indispensáveis para as suas ligações.

A primitiva distribuição de tropas Britânicas e Portuguesas que implicavam um encravamento do CEP no IX Corpo e depois no XV que substituiu aquele trouxe como era natural sérios contratempos para o Serviço Telegráfico.

Na realidade, este facto tinha como consequência uma mistura inextrincável de linhas transversais portuguesas e inglesas através da nossa área para as Divisões Inglesas do nosso flanco esquerdo.

Quando a artilharia pesada do XV Corpo sucedeu à do XI Corpo nenhuma indicação sobre as suas ligações fora dada ao Corpo Português pois que era ao XV Corpo que competia a responsabilidade da sua artilharia pesada desde La Bassée a Armantiers.

Reorganização do Serviço Telegráfico

Entretanto, como nos informa, através do respetivo relatório, o chefe da Repartição de Instrução e Organização, na parte respeitante à organização do Corpo de Exército, houve que alterar substancialmente não só a estrutura das unidades de infantaria e artilharia, mas também outras unidades combatentes e quase todos os serviços de apoio. Foi por isso que o Serviço Telegráfico viu também alterada a sua organização a fim de responder com maior eficácia às missões do Corpo de Exército.

É assim que pela Ordem de Serviço do CEP nº 240 de 7 de novembro de 1917 são reorganizadas as tropas do Serviço Telegráfico, ficando da seguinte forma:

1º – Uma Companhia de Telegrafistas do Corpo

2º – Duas Companhias Divisionárias de Telegrafistas

3º – Uma Secção de Telegrafia Sem Fios

4º – Serviço de Pombais Militares

Conforme esta constituição foram dissolvidas as Secções de Telegrafia Por Fios e foram incorporadas nas Companhias Divisionárias de Telegrafistas as Secções de Sinaleiros dos QG das Brigadas de Infantaria (ver em AHM/01/35/149).

Os primeiros trabalhos de 1918

Depois da tomada do poder, Sidónio Pais tinha a ideia de limitar a presença de tropas portuguesas em França. As negociações com a Grã-Bretanha tinham por fim a diminuição do nível de representação, voltando à constituição de apenas uma Divisão, como constaria da nova convenção assinada em janeiro. Entretanto, o responsável do Serviço Telegráfico, capitão Soares Branco, vai-nos transmitindo informações das movimentações de tropas na frente da Flandres:

Em meados de janeiro uma ordem do 1º Exército dava um novo dispositivo às tropas e o Corpo Português ficava tendo nos seus flancos à direita e à esquerda respetivamente o I o XV Corpo Inglês e a artilharia pe­sada do X Corpo e o esquadrão de aviação 4A ficavam igualmente adstritos à frente Portuguesa.

Coube então a vez ao oficial inglês comandante dos sinaleiros da ar­tilharia pesada do X Corpo de lutar com dificuldades iguais àquelas já indicadas ao render do serviço do XI Corpo pelo Corpo Português.

Não havia nem esquemas nem diagramas das comunicações para compreensão do sistema.

Procedeu com uma rara energia e inexcedível competência e algumas semanas depois enviava a este Serviço Telegráfico do Corpo todos os desenhos e elementos para o indispensável conhecimento das comunicações.

Ligações da Artª pesada do X Corpo (clique na imagem e depois, em baixo e à direita, volte a clicar em “View full size”, para a aumentar, e de novo na imagem, para ver em grande detalhe)

Era ele o capitão H. E. Westwood e auxiliava-o o tenente R. E. Ward.

Nessas difíceis condições mais uma vez me certifiquei quanto é fácil trabalhar juntamente com oficiais Britânicos como os já mencionados.

Nunca quaisquer mal-entendidos surgiram não obstante as situações criadas pelos cargos que desempenhávamos tal pudessem dar origem.

Supunha-se nesse tempo que o Corpo de Artilharia Pesada que viera de Inglaterra iria to­mar conta da artilharia pesada do CEP e nessa conformidade o capitão de engenharia Almeida Bello seguira de perto o serviço de ligações da ar­tilharia pesada do X Corpo.

Se desta vez o Corpo de Artilharia Pesada houvesse recebido o material nunca em melhores condições para o Serviço Telegráfico se teria executado uma rendição.

Soares Branco parecia ter finalmente a capacidade organizativa e de recursos capaz de ultrapassar os desafios e as dificuldades do longo período de quase um ano durante o qual lutou para que isso acontecesse. São dele as palavras finais deste IV Capítulo do seu relatório, que antecedem uma fase bem mais complicada para as tropas portuguesas, que incluem março e abril de 1918, e que largamente será tratada por Soares Branco no capítulo seguinte:

Passando em revista desde o mês de Janeiro de 1917 os diferentes pe­ríodos de desenvolvimento dos recursos e organização do CEP certamente se concluirá que era precisamente nesse mês de janeiro e fevereiro que a curva atinge o seu máximo.

No Serviço Telegráfico de facto com o destacamento da área e a Secção de Cabo que o 1º Exército colocara sob as nossas ordens e com o serviço de ligações da artilharia pesada do X Corpo além das nossas duas divisões nenhum elemento lhe faltava para em tudo similar aos mais Corpos Britânicos.

Ligações telefónicas do CEP (clique na imagem e depois, em baixo e à direita, volte a clicar em “View full size”, para a aumentar, e de novo na imagem, para ver em grande detalhe)

Conclusão

Através do seu relatório, Soares Branco transmite-nos inúmeras informações que respeitam não apenas ao serviço telegráfico, mas também às tropas portuguesas em geral, às relações com as unidades inglesas, à organização das unidades em campanha, às circunstâncias e condições do empenhamento das forças, sustentando no quadro geral as medidas e as orientações para o funcionamento do seu Serviço. Até a densidade dessas informações reflete, de algum modo, os períodos de maior e menor dificuldade das unidades portuguesas, sendo um bom exemplo este capítulo IV, que em breves páginas, aborda o período desde as vésperas da entrada em linha do Corpo de Exército Português até ao início do mês de março de 1918, altura em que verdadeiramente a guerra se intensifica na frente portuguesa.

Como veremos, ao crescer a intensidade da guerra também se alarga em pormenores o relatório de Soares Branco.

2 comentários em “As TRANSMISSÕES na GRANDE GUERRA – Relatório de Soares Branco (10)

  1. Depois de ler com atenção o capítulo IV do Relatório de Soares Branco, permito-me destacar a conclusão com que termina o capítulo:

    “…No Serviço Telegráfico de facto com o destacamento de área e a Secção de Cabo que o I Exército colocou sob as nossas ordens e com o apoio de ligações de artilharia pesada do X Corpo além das nossas duas divisões, nenhum elemento lhe faltava para em tudo ser similar aos mais Corpos britânicos.”

    Ou seja, em Março de 1918, apesar das dificuldades, o Serviço Telegráfico tinha atingido um nível de organização e desempenho semelhante ao dos britânicos, o que é notável e meses atrás, parecia impensável. Daí para a frente seria de prever que, com a prática do pessoal, o serviço ainda tendesse a melhorar. Talvez seja por isso que o general Tamagnini afirmaria, mais tarde, que o Serviço Telegráfico foi o que melhor funcionou no CEP.

  2. Caro Amigo, Não parece haver muitas dúvidas sobre o bom desempenho do Serviço Telegráfico. Os vários testemunhos, mesmo para além do próprio Soares Branco, dão conta da competência e do esforço de todo o pessoal ligado às comunicações. Um pouco mais à frente falaremos de como tudo entrou em falência nos últimos dias antes da ofensiva alemão de 9 de abril. Abraço.

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