Post do Cor Aniceto Afonso, recebido por msg:

  1. O SERVIÇO TELEGRÁFICO E O INÍCIO DA SUA ATIVIDADE EM FRANÇA

O capitão de Engenharia Carlos Soares Branco foi indicado, em novembro de 1915, para o cargo de chefe do Serviço Telegráfico da Divisão de Instrução que iria preparar-se em Tancos com vista à sua ida para França. Essa escolha foi feita pelo coronel Roberto da Cunha Baptista, chefe do Estado-Maior da Divisão.

O seu desempenho nas manobras revelou um oficial de grande qualidade, com o desejo de afirmar um serviço que procurava um papel de relevo na manobra militar, proporcional ao enorme desenvolvimento técnico que as comunicações vinham conhecendo.

De facto, o apoio das comunicações à manobra militar, nas circunstâncias das frentes de combate da guerra europeia, vinha-se tornando cada vez mais importante.

Foi portanto natural a nomeação do capitão Soares Branco para responsável máximo do Serviço Telegráfico do Corpo Expedicionário Português (CEP), ainda a convite do coronel Roberto da Cunha Baptista, também nomeado chefe do Estado-Maior da 1ª Divisão.

Logo que se programaram os transportes marítimos da força expedicionária portuguesa para França, iniciados em finais de Janeiro de 1917, Soares Branco e uma pequena equipa do seu serviço avançou por terra, atravessando Espanha de comboio, como se tornou habitual, e já estava em França quando os embarques se iniciaram em Lisboa.

Responsável pelo Serviço Telegráfico desde a sua organização com a entrada em linha das primeiras unidades portuguesas até ao completo desempenho do cargo entre 5 de novembro de 1917 e 6 de abril de 1918, tempo em que o Corpo de Exército Português ocupou a linha da frente como grande unidade, Soares Branco redigiu entre junho e julho de 1918 um excelente relatório sobre o Serviço Telegráfico, notável documento que muito esclarece sobre as comunicações no CEP, mas também sobre outras diversas circunstâncias da participação do CEP na frente.

As suas primeiras palavras situam-nos no dia em que Soares Branco iniciou os contactos com os responsáveis e as unidades britânicas presentes na zona de provável ação da força portuguesa, no vale do Lys, na Flandres francesa.

Começa assim o autor do relatório: “Presente na zona de guerra a 27 de janeiro de 1917, foi-me apresentado o oficial de engenharia do Exército Britânico Lte. Brander, o qual havia sido nomeado pelo 1º Exército como oficial de ligação e intérprete junto do Serviço Telegráfico do CEP e como tal havia sido agregado à Missão Britânica”. Completam-se portanto cem anos desde que Soares Branco iniciou os seus contactos com as unidades britânicas e os respetivos serviços telegráficos!

Àrea de responsabilidade do 1º Exército Britânico (AHM)
Area de responsabilidade do 1º Exército Britânico (AHM)

A partir daqui o chefe do Serviço Telegráfico do CEP vai contactar várias unidades britânicas de diferentes níveis, desde o QG do 1º Exército até um Batalhão de Infantaria e as baterias de artilharia, procurando inteirar-se da forma como o serviço telegráfico estava organizado, quais as suas funções, os materiais usados, a distribuição do pessoal, as formas de transmissão, os circuitos da correspondência, as ligações estabelecidas, o funcionamento das centrais, a utilização dos vários especialistas, desde os telegrafistas aos sinaleiros, etc.

Nesses dias de contacto com a realidade das unidades inglesas, Soares Branco tomou boa nota de tudo quanto lhe foi dado observar, desde as grandes linhas organizativas até aos muitos pormenores que poderiam fazer com que o serviço desse resposta pronta às solicitações das unidades que servia.

Foi o seguinte o seu percurso, devidamente referido no seu relatório e que merece mais aprofundada análise:

– QG do 1º Exército Britânico. Apresentou-se aqui ao chefe do Serviço Telegráfico, coronel de engenharia H. Moore, tendo-se comprometido a apresentar um relatório sobre “o que de mais urgente se me afigurasse propor e solicitar” e visitando a sua estação central instalada em Lillers.

Estação "telegráfica" de um QG de Exército (The signal service in european war of 1914 to 1918)
Estação “telegráfica” de um QG de Exército (The signal service in european war of 1914 to 1918)

– QG do XI Corpo, “estabelecido nas proximidades de Hingues”. Aqui reconheceu a estação telegráfica, o pessoal presente, os aparelhos telegráficos e telefónicos instalados, assim como as suas características. Anotou também como se processava o serviço de mensagens e como estava montada a assistência à estação. Resume assim as suas impressões: “Entravam na estação cerca de 200 linhas telegráficas e telefónicas, quase todas aéreas, pelo menos até aos Quartéis-Generais das Divisões e das Brigadas”.

Mensageiro motociclista
Mensageiro motociclista (dia de Natal 1917)

– QG da V Divisão Britânica, constando de um Serviço Telegráfico e de uma Estação Central da Divisão. No seu relatório, Soares Branco anota com todo o pormenor, a rede de comunicações, os aparelhos em uso, as ligações estabelecidas, o pessoal de serviço, o material de transporte em apoio do serviço de mensagens, a orgânica do Serviço Telegráfico ao nível da Divisão.

Distribuição de pombos-correio
Distribuição de pombos-correio

– Brigada de Infantaria, com o seu serviço telegráfico e o seu “Posto de Combate”. Também a este nível Soares Branco fez as mesmas anotações, constatando que “umas vezes o Posto de Comando coincide com a central telefónica do Comando dum Grupo de Artilharia adstrito à Brigada, outras vezes, porém, tal não é possível”, o que implicava alterações significativas na organização das comunicações.

– Posto telefónico dum Batalhão de Infantaria, assim como o seu posto de combate, situado geralmente junto do comando de uma companhia, onde merecem especial atenção as ligações à unidade de artilharia.

Aliás, as ligações da artilharia merecem um capítulo especial nesta primeira ronda pelas unidades inglesas feita por Soares Branco, que desde logo se apercebeu da importância que lhes devia ser atribuída.

Neste domínio, o relatório refere as ligações da artilharia no Corpo de Exército, na Divisão e na Artilharia Pesada, no Comando do Grupo de Artilharia e ao nível da bateria.

A situação, ao nível das baterias, resume-a Soares Branco de seguinte forma: “As comunicações com os batalhões ou unidades a que estão adstritas faziam-se por intermédio da estação do Grupo, o que não era para recomendar.

“Normalmente à frente das Baterias e à retaguarda dos postos de observação havia um Posto Central de Postos de Observação, aonde iam ter todas as linhas destes, e por onde passavam as linhas das baterias e dos Grupos.

Sinais visuais
Sinais visuais com a lanterna Lucas

“Ainda como nova precaução contra o frequente corte das comunicações, e em regiões onde o bombardeamento era usual, um novo posto como o acima indicado, mas mais avançado, era estabelecido junto dalgum dos postos de observação das baterias”.

Sinaleiros em ação
Sinaleiros em ação com quadro de persianas

Finalmente, sob o título de “notas várias”, Soares Branco elenca um conjunto de observações importantes para a organização do serviço telegráfico de que seria responsável no terreno, em breve.

Estas “notas várias” traduzem o sentido prático deste autêntico estágio que Soares Branco efetuou nas unidades inglesas a partir de finais de janeiro de 1917, na sua zona de ação futura. Merecem ser transcritas na totalidade:

“Entre os Quartéis-Generais das Brigadas e os dos Batalhões, e em geral perto do local onde as linhas passavam de aéreas a ser subterrâneas, havia, por vezes, estações de verificação das linhas com pessoal guarda-fios, que desta forma, em abrigos, aguarda ser empregado.

Verificação da linhas
Verificação e teste das linhas

“De centenas em centenas de metros, 500 a 800, existiam caixas de ligação em abrigos com sacos de terra que permitiam a verificação dos troços onde o bombardeamento fazia interrupções.

“As linhas aéreas com cabo isolado estavam suspensas de postes duplos de cerca de seis metros de altura com travessas.

Transporte de postes
Transporte de postes

“Por vezes havia também, e em locais muito expostos ao bombardeamento, linhas enterradas em geral em trincheiras próprias a 1,8 m da superfície com cabo de isolamento apropriado.

“As linhas dos batalhões e das companhias para os postos de combate seguiam os ramais de comunicação, sobre o revestimento lateral, ao qual eram fixados por grampos próprios, ou de corda alcatroada.

“As linhas que não seguiam pelos ramais eram seguras às árvores, a casas arruinadas, etc., para o que se fez largo emprego de grampos”.

Lançamento de linhas
Lançamento de linhas

Com estas notas termina o capítulo I do relatório. O capítulo II será dedicado não apenas ao memorando que Soares Branco ficara de apresentar ao 1º Exército Inglês, mas também à Escola de Sinaleiros, aos materiais novos de transmissão, desconhecidos em Portugal e usados nas trincheiras, e às alterações orgânicas necessárias no Serviço para bem responder às crescentes necessidades das unidades combatentes e de apoio logístico, cujas comunicações estariam a cargo do Serviço Telegráfico do Corpo e suas unidades.

São assuntos para abordar noutros textos.

1 comentário em “As TRANSMISSÕES na GRANDE GUERRA – Relatório de Soares Branco (1)

  1. Com este post o coronel Aniceto Afonso iniciou a publicação, no nosso Blogue, de um conjunto notável de textos sobre o Relatório de Soares Branco da atuação do Serviço Telegráfico na Grande Guerra, na Flandres.
    Este Relatório é considerado um elemento fundamental para a compreensão da atuação do Serviço Telegráfico no CEP e está a ser sistematicamente analisado no nosso Blogue, o que se traduz publicação de posts da autoria do coronel Aniceto Afonso, que já vai no 8º e irá prosseguir.
    Pela minha parte, tenho estado arredado da investigação sobre esta matéria que, entretanto, tem continuado a verificar-se com a persistente investigação no AHM de alguns elementos da CHT.
    No sentido de procurar reiniciar uma colaboração efetiva nos trabalhos da CHT experimentei comentar os posts (7) e (8) que foram publicados.
    No último almoço da CHT (com a presença do conceituado historiador Joseph Sanchez Cervelló, que lhe deu particular brilho) perguntei ao coronel Aniceto Afonso se valia apena prosseguir, comentando os posts anteriores, a começar pelo (1).
    A resposta foi afirmativa, referindo que o ideal era que mais gente fizesse algo semelhante, pois o que estamos a fazer é um trabalho coletivo. Permito-me referir que muitos dos meus camaradas da CHT estão em melhores condições para o fazer, dado seu mais profundo envolvimento na matéria, resultante da investigação que têm feito.
    Nestas condições apresento o seguinte breve comentário ao post (1).
    Logo no início do post Aniceto Afonso indica que o capitão Soares Branco foi nomeado por escolha do coronel Batista, chefe do EM, quer para as funções de Chefe do Serviço Telegráfico da Divisão de Instrução em 1916 e depois para as mesmas funções no CEP.
    A nomeação de Soares Branco para chefe do Serviço Telegráfico do CEP parece-me indicar que se verificou porque, sob a sua chefia, o Serviço Telegráfico, no ponto de vista do Comando da Divisão de Instrução, atuou bem em Tancos, merecendo a sua nomeação para o CEP.
    De facto, a atuação do Serviço Telegráfico nas manobras de Tancos mereceu um louvor do Comando da DI, tendo sido Soares Branco o único (salvo erro) chefe de Serviço que foi louvado pelo Comando da DI. (Embora o afirmasse há anos, neste momento não tenho possibilidade de confirmar ter sido o único).
    Quanto a mim esta boa impressão do Camando da DI pelo Serviço Telegráfico em Tancos, não significa que o Serviço Telegráfico, nessa altura, estivesse capaz de atuar na Flandres, em moldes semelhantes aos do Exército Inglês.
    A pergunta a que pretendo apresentar uma resposta, naturalmente discutível, é a seguinte:
    Teria Soares Branco, no final das Manobras de Tancos, a noção de que na Flandres o Serviço Telegráfico, para atuar em moldes semelhantes ao Exército Inglês, teria que dar um enorme salto qualitativo?
    Eu julgo que Soares Branco tinha essa noção.
    Do que me lembro no relatório da DI (que não posso consultar) as principais dificuldades resultavam de:
    . Em Tancos as comunicações dentro da Infantaria e Artilharia e a ligação Infantaria- Infantaria resumiam-se a comunicações por estafetas. Os sinaleiros, muitos analfabetos sobretudo na Infantaria, não estavam preparados. Os telefones não funcionaram praticamente na ligação Infantaria -Artilharia. As Transmissões na Infantaria não eram respeitadas porque o pessoal dedicava-se a cortar as linhas telefónicas.
    . O fullerphone, power buzzers e rádios na Infantaria e Artilharia eram desconhecidos em Tancos.
    . De uma forma geral o material na Flandres, fornecido pelos ingleses era diferente do usado em Tancos.
    . Na Engenharia era notória a diferença de qualidade entre os telegrafistas da Companhia de Telegrafistas de Praça e os da Batalhão de Telegrafistas de Campanha.

    Numa guerra em que era indispensável que a ligação Infantaria- Artilharia funcionasse, bem como as comunicações próprias da Infantaria e Artilharia, a experiência de Tancos é avassaladora. Dar o salto qualitativo era uma tarefa gigantesca que Soares Branco tinha para resolver.
    Penso também que a experiência de Tancos, para além de dar a Soares Branco a consciência da magnitude do problema teve a virtude de criar no Serviço Telegráfico, dentro da Engenharia, onde tinha excelentes oficiais, sargentos e praças, um notável espírito de corpo, que era preciso estender às outras Armas. Soares Branco sabia bem que sem essa colaboração do seu pessoal, da Metrópole e dos ingleses, o problema era irresolúvel.

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