Post do MGen Edorindo Ferreira, recebido por msg:

Introdução

Esta história é inteiramente verídica, tendo os factos ocorrido há 35 anos. Foi agora escrita, de forma simples e directa, e por ordem cronológica, num exercício de memória dos dois militares do Regimento de Transmissões directamente envolvidos. Por opção, não são feitos comentários e os protagonistas não são identificados.

Cenário

Verão de 1977, cerimónia militar numa cidade do Alentejo.

Instalação sonora a cargo do Regimento de Transmissões, como era (e ainda é) habitual.

Montagem do sistema na praça central da terra.

Sábado (véspera da cerimónia)

Música para início dos treinos do sistema de som e da parada militar.

Intempestivamente, o 2.º Comandante da Unidade acusa o Sargento responsável pelo sistema de estar a tocar o hino da Internacional Socialista! O Sargento sente-se insultado e informa que o tema em apreço é uma marcha, gravada em cassete a partir de um disco LP, como facilmente poderia ser comprovado.

O Tenente-coronel invoca que um Alferes tinha acabado de o alertar para o título da música que estava a ser tocada. E tendo já sido confirmado por outros militares, considerava a situação muito grave, pelo que tinha que apreender a cassete. E de nada valeram os protestos (disciplinados) do Sargento.

Findos os treinos, o Sargento é marginalizado, mesmo por camaradas que há muito o conheciam e com os quais já havia trabalhado e confraternizado. Só um capitão da Unidade lhe dá algum apoio.

Ao fim do dia o Tenente-coronel transmite por telefone o tema em questão ao filho, estudante do Conservatório de Lisboa e pretenso expert em música, que lhe diz: é a Internacional Socialista!

Estava “confirmada” a “ousadia” do Sargento.

Domingo

A cerimónia militar decorre normalmente, sem qualquer reparo no que ao som se refere.

Desmontados os equipamentos, o Sargento não tem autorização para regressar a Lisboa, ficando retido na Unidade, bem como a sua equipa.

2.ª feira

O chefe do Serviço de Som do RTm apresenta-se de licença de férias.

Informado do sucedido pelo Comandante, de imediato recebe ordem para esclarecer o assunto localmente.

Na viatura do Comando, por estradas alentejanas (ainda não havia auto-estradas), chega à Unidade em questão à hora do almoço.

Recebido na Sala de Oficiais pelo 2º Comandante, com expressões agressivas e injuriosas para o próprio e para o RTm por parte de alguns dos presentes.

Ambiente hostil, de nada valendo ter veementemente afirmado que estavam equivocados, como facilmente iria demonstrar.

E as sardinhas assadas (também) custaram muito a engolir…

Finda a refeição, reunião na Biblioteca, onde já estavam, como solicitado, a cassete apreendida, um leitor de cassetes e um gira-discos.

Tocadas a música da cassete e a do disco levado de Lisboa, todos confirmaram que o tema era o mesmo.

E lida a capa do disco, o título da música “maldita” era: marcha de abertura dos Jogos Olímpicos de Montreal (1976)!

Estupefação geral e muitos pedidos de desculpa.

Após a “libertação” do Sargento (sem pedido de desculpas ao próprio), regresso a Lisboa.

8 comentários em “É a Internacional Socialista… !!!

  1. Vou aproveitar para deixar aqui, nesta extraordinária e significativa história, uma homenagem ao então Cap Cav José António Balula Cid, meu amigo desde o Colégio Militar, um grande Senhor, um grande cavaleiro (concursista de obstáculos com 20 vitórias no seu palmarés, incluindo provas de potência e de ensino, campeão nacional absoluto em 1976 e medalha de bronze em 77, mestre de equitação e, até recentemente, depois de reformado como coronel, professor na Coudelaria Nacional em Alter e na Escola Superior Agrária de Elvas), coleccionador (uma extraordinária e invulgar colecção de armas), pianista amador, contador de histórias e homem de família. De uma família ligada às artes e à cultura, o pai, também militar, meu professor no CM, foi co-fundador do Jornal do Exército, seu primeiro chefe de redação e um extraordinário caricaturista e desenhador, e um irmão é um conhecido pianista. Não admira portanto que na altura, verão de 77, apesar de tudo, não se tenha deixado “ir na música” em voga.

  2. Para quem anda a aprender a fazer posts, como todos os autores deste Blogue, este texto do maj gen Edorindo pode-se considerar exemplar . Com efeito apresenta um episódio interessante que conta de um maneira cuidada e sucinta que não poide deixar de agradar a quem o lê. Conseguindo interessar um público muito vasto, não nescessariamente especialista

    Em relação à música em questão tive ocasião de a ouvir no youtube .Tem algumas parecenças com a internacional, mas quanto a mim, não muitas. Julgo que na cerimónia de abertura dos Jogos Olímpicos de 1976 a raínha Isabel II de Inglaterra também não teve dúvidas a esse respeito..

    Talvez contribuisse para o erro de interpretação o fato de o episódio se ter passado no Verão de 1977, ainda relativamente próximo do 25 de Novembro no qual ,como se sabe, a EPT foi considerada, por muito boagt gente como estando “do lado do inimigo” (embora sem grandes razões para isso)

    A tentativa que fiz de tentar saber quem foi o compositor da música em questão não resultou. Alguèm me pode ajudar?

    1. Victor Vogel, com base em composições de Andre Mathieu, falecido uns 10 anos antes dos jogos. A faixa em questão não parece estar disponível na net, mas outras estão. O disco era composto por:
      Official Olympic Anthem
      The March Of The Athletes Nº.1
      Ballet Of The Closing Ceremony
      Ballet “Homage To The Athletes”
      March Of The Athletes Nº.2
      Olympic Chimes
      Olympic Cantata
      March Of The Athletes Nº.3
      Farewell Song

  3. Muito bem contado e muito bem trazido à luz da história o nome do cap. Balula Cid. Penso que a decisão de manter no anonimato os protagonistas deveria ser revista.
    O episódio até parece passado no far west, onde os protagonistas dos equívocos tem julgamento sumário e seguem para a corda. Também o 2.º Comandante que fez de ganso da Capitólio deveria ser conhecido.

  4. Em primeiro lugar agradeço ao coronel Canavilhas a prontidão da sua resposta sobre a autoria da música em causa. Tentei ver se podia tirar alguma conclusão do passado dos dois músicos que apontou que pudesse indicar a sua intencionalidade em introduzir a “Internacional” de forma subtil, nos jogos Olímpicos de Montreal. Não consegui apurar nada, mas depois, ao contar a história a um amigo e ao mostrar-lhe a música na cerimónia inaugural dos Jogos (a tal que ouvi no youtube) e que considerei que tinha uma certa parecença (ma non tropo) com a “Internacional”.
    Ele disse-me: mas o que estás a ouvir é o hino nacional do Canadá!, o que confirmou através da net. Logo esta foi das tais investigações que no final ainda fiquei mais confuso do que estava,. pois fica no ar a questão: será que estamos a falar todos do hino do canadá se confundir com a Internacional?

    Outra questão é a manutenção do sigilo dos camaradas que protagonizaram o delicioso episódio que o MGern nos contou. Eu defendo que sim porque a identificação nada acrescenta ao interesse da história e porque é uma prova de respeito pelos nossos camaradas, que é merecida pois eles não tinham outra coisa a fazer, estando convencidos que lhe estavam a “enfiar o barrete” transmitindo a “Internacional”numa cerimónia militar.

  5. Em primeiro lugar quero que seja devidamente assinalada a minha entrada neste blog. Não com honras e fanfarras mas apenas pela amizade que tenho a quem nele escreve; e pela varias vezes que me tem perguntado se o conhecia. Pois bem, aqui estou!
    A história original que o Edorindo relata, já a conheço há muitos anos, por ele, ao longo de uma amizade de tantos anos ma ter contado (provavelmente em “primeiras nupcias”). Lembro-me de lhe ter dito que a Internacional Socialista não é uma música demasiadamente elaborada e, como tal, sendo apenas uma marcha existem várias musicalidades muito parecidas. Por exemplo o nosso hino “Maria da Fonte” que tem vários compassos semelhantes. Aproveito para pedir ao Zé Canavilhas que é amigo (como eu) de camaradas musicologos que lhes pergunte se corroboram da minha opinião.
    O que para mim era novo era a questão dos jogos de montreal. Procurei com cuidado e persistência e posso dizer (não era preciso) que confirmo completamente a versão do Zé Canavilhas. Encontrei-a em http://discogs.com/Various-Games-of-The-XXI-Olimpiad etc isto é suficiente para procurarem.
    Ouvi (porque está disponível na NET a cerimónia de abertura, a marcha dos ateletas 1, o ballet da closing cerimony e a “cantata” e posso-vos assegurar que não tem qq especie de semelhança com a Internacional Socialista.
    Indo mais longe nas minhas pesquisas encontrei este texto de httpwww.olympicsource.org/new_page_11.htm que vou reproduzir em tradução livre:
    “o ecran gigante anunciou os Jogos Olimpicos de 1980 em Moscovo e cantores e dançarinos de moscovo executaram um belo programa de danças e músicas russas e milhares de pessoas desfilaram com velas”
    É portanto possível que o “farewell” que não está disponível na NET e que ainda não consegui encontrar tenha algumas parecenças com a Internacional Socialista que de resto tenho para mim ser musicalmente pobre mas muito bonita e, para quem gosta, empolgante.
    Este é o meu primeiro contributo para este blog e para os meus amigos de sempre que nele escrevem. Um abraço do Zé Pastor

  6. Acho a história da Internacional Socialista extremamente interessante e penso que todos os nela intervenientes deveriam ser identificados pelos seus respectivos nomes. Justifico esta minha opinião apenas com o facto de ser da maior justiça que sejam conhecidos quer os que tiveram um comportamento digno quer os que o não tiveram.
    Garcia dos Santos

  7. Este meu comentário tem duas partes.

    A primeira é para cumprir uma incumbência do General Garcia dos Santos que me encaregou de comunicar que, depois de tomar por mim conhecimento de que na última reunião da CHT (na qual não esteve presente) tinha sido largamente consensual a posição de que não se deveriam mencionar nomes no relato do “incidente da imternacional socialista” ele declarou, na qualidade de Presidente, que sanciona a posição da Comissão.

    O segundo é para me congratular com o comentário do Ten Gen Quesada Pastor porque se trata do primeiro comentário vindo do estrangeiro neste Blogue, tem , no meu entender, indiscutível quaidade e julgo que constiuirá um exemplo para muitos dos camaradas da Arma.

    Uma das surpresas deste Blogue consiste em a Bélgica aparecer como o terceiro país com maior número de “visitantes ùnicos” , tendo apenas à frente o Brasil e os EUA , o que talvez o Ten Gen Pastor nos consiga explicar.

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