Já anteriormente escrevi neste blogue sobre a existência de uma rede de telégrafos nos Açores, na ilha Terceira, durante o período das guerras liberais. Foi-me então possível, a partir do conhecimento que tinha de uma representação de um telégrafo/semáforo de balões existente no Monte Brasil (Posto de sinais), única em Portugal, referir também, e mostrar descrições e imagens da época, uma outra rede, esta constituída por telégrafos de postigos do Ciera situados na zona da Praia da Vitória, que ligavam a Angra do Heroísmo (ver aqui).

Durante as visitas semanais da CHT ao AHM, deparei-me recentemente com alguns documentos interessantes sobre este assunto, nomeadamente um, assinado pelo TCor Engª Euzébio Furtado, de que abaixo mostro a primeira página, seguida de uma transcrição de todo o documento, que teve a ajuda do “nosso mestre” Cor Aniceto Afonso para tirar algumas dúvidas de legibilidade.

Carta do TCor Furtado para o Quartel-Mestre José Baptista da Silva Lopes
Carta do TCor Eusébio Furtado para o Quartel-Mestre José Baptista da Silva Lopes

Neste documento, o TCor Furtado refere-se a um conjunto de 6 telégrafos de bolas existentes a toda a volta da ilha para comunicar movimentos de navios no respetivo setor, propondo a transferência de 2 deles e a instalação de mais 2 telégrafos repetidores (8 no total), para que um daqueles pudesse comunicar com o do Monte Brasil. Infelizmente não assinala todas as suas posições, apenas a do Monte Brasil, as daqueles que propõe mudar de local e as dos repetidores que pretende instalar.

Transcrição completa do documento:

Ill.mo Sr

Havendo S. Exª o Sr General comandante das Forças, reconhecido que o Serviço dos Telégrafos não preenchia os seus fins, tanto pelo mau Regimento dos Sinais como pela incapacidade de quase todos os Empregados, que nem guardam o segredo que convém, nem têm a vigilância indispensável, e por estas razões se devia dar melhor forma ao mesmo Regimento e Serviço; se dignou portanto S. Ex.ª ordenar-me verbalmente que procedesse a um Projeto com as seguintes condições: 1ª, se convém que os pontos telegráficos fiquem sendo os mesmos, ou mudados e em maior numero de forma que contornem a Ilha; 2ª, que se me parecer altere a forma dos Telégrafos; 3ª, forme um Regimento claro e simples de sinais; 4ª, que proponha novos Empregados para este tão útil serviço, que conhecendo bem a sua importância lhe deem toda a atenção e mereçam a gratificação que se lhe arbitrar, podendo para isto escolher e propor entre o grande numero de Oficiais Inferiores que há de mais nos Corpos, empregando no desempenho desta Ordem o mesmo zelo que sempre me anima pelo serviço cumpre-me dizer a V. S.ª para conhecimento de S. Ex.ª:
Que não obstante ter feito em outra ocasião um completo jogo de Sinais com os mais melhoramentos convenientes, como este Projeto não foi avante, agora se tornou quase inútil e tive de empreender trabalho novo apropriado ao grande aumento de Forças e subsequentes alterações que se tem feito nos mais Ramos de Serviço.

Quanto à 1ª condição, ainda que os atuais pontos telegráficos são bem escolhidos, seria mais conveniente passar o Telégrafo do Pico de D. Joana para o das Contendas onde as névoas não são tão frequentes nem tão densas; e para haver conhecimento do que se passa nos mares do Norte e parte dos do Oeste que não são vistos do Monte Brasil, deve-se é colocar um Telégrafo Indicador no Pico de Martin-Simão, ponto vantajoso sobranceiro aos Altares próximo aos Biscoitos e comunique com o dito Monte Brasil; mas como deste se não divisa imediatamente aquele, será indispensável dois Telégrafos Repetidores, um no Pico Gordo de baixo e outro no Pico da Bagacina; assim ficará perfeitamente fechado o circuleo Telegráfico da Ilha.

Responder à 2ª condição, que sendo muito vantajoso a simplicidade do maquinismo, melhor seriam os Telegrafos Franceses ou Ingleses com o nome de Semáforos, mas esta mudança nos obrigaria a desprezar inteiramente os atuais e construir oito novos, quando aqueles por seu limitado serviço bem satisfazem precisando só serem reparados e construídos pequenos alojamentos para os Empregados.

Para a 3ª condição, V. Exª se servirá ver no Quadro junto o Regimento dividido em dois Capitulos, o 1º dos Sinais para tempos ordinários, e o 2º para a ocasião de Operações; em ambos os casos me persuado ter previsto quanto pode ocorrer de mais essencial e que mereça ser transmitido telegraficamente e isto tão somente com a adição do triangulo de madeira ao que hoje existe, quando seja preciso mais sinais; bem se vê que restam ainda muitas combinações em claro e muitas mais que não desenhei. Os Sinais Gerais ou preparatórios são comuns aos dois capítulos.

Reconhecida a necessidade de substituir os atuais Empregados por outros de mais préstimo, é certamente muito vantajoso e parece mais possível serem estes tirados dos sargentos supranumerários dos Corpos; se esta proposta for da aprovação de V. Exª então pedirei particulares informações sobre os mais idóneos e os proporei ao Sr General. De dois modos podem eles fazer este serviço, ou por destacamentos mensais, ou sendo permanentes, o 1º caso tem o mui grave inconveniente da publicidade dos sinais que forçosamente se seguirá sem ser fácil descobrir os infratores; e por isso me parece preferível a permanência procurando quanto seja possível conciliar a exatidão do Serviço com a residência em pontos isolados e desabridos. Entendo e proponho que estes sargentos tenham como gratificação mais metade de seus soldos abonados e pagos como estes, ficando pelo seu serviço inteiramente responsáveis ao Diretor dos Telégrafos: para os ajudar eles devem ter dois soldados que alternem diariamente o seu serviço e que destaquem por um mês sem outros vencimentos que os que percebem atualmente.

Parece-me conciliar assim o bom e exacto serviço com a economia da despesa, a qual no Inverno ainda pode ser mais limitada.
V. Exª se servirá resolver o que mais bem convier ao Serviço, e as suas novas Ordens me servirão de governo sobre a conferição dos Quadros Telegráficos e Regulamento para os Empregados. Deus guarde a V. S.ª

Quartel em Angra 4 de Agosto de 1830

Ill.mo Sr. José Baptista da Silva Lopes

Assina: Eusébio Candido Cordeiro Pinheiro Furtado
Tenente-Coronel no Real Corpo de Engenheiros

(Nota 1 – José Baptista da Silva Lopes):

Quartel-Mestre General nos Açores, futuro Ten General e Barão de Monte Pedral, Dir Geral da Artª, que foi quem, em 1842, enquanto Inspetor Geral do Arsenal do Exército, instituiu o Museu de Artª, hoje Museu Militar.

Barão de Monte Pedral
Barão de Monte Pedral

(Nota 2 – Eusébio Candido Cordeiro Pinheiro Furtado):

Autor de uma Memória histórica sobre a batalha da Praia em 11AGO1829, futuro Marechal de campo comandante do Real Corpo de Engenheiros e Ten General Governador de Armas do quartel de S. Jorge, que então promoveu em Portugal um novo conceito de empedrar o chão, ao estilo de mosaico, com pedras brancas e pretas, que passaram a denominar-se ‘calçada-mosaico’, depois de, em 1842, já assim ter orientado o revestimento da parada do Batalhão de Caçadores n.5, em Lisboa.

Memória Histórica do 11 de Agosto de 1829
Memória Histórica do 11 de Agosto de 1829

Para desenvolver este conceito fez uma construção, em 1848, no Rossio – a praça Dom Pedro IV – em Lisboa, que resultou num empedrado de 8712 metros quadrados, coberto de ondas a preto e branco (Mar largo). Com o crescimento da cidade, novas ruas foram pavimentadas com este conceito, passando a designar-se definitivamente por calçada portuguesa.

Pormenor do desenho do "Mar largo"
Pormenor do desenho do “Mar largo” para o Rossio

(Nota 3 – Localização dos Picos):

Feteira é uma freguesia localizada na costa sul da ilha Terceira, a cerca de 7 km a leste da cidade de Angra do Heroísmo. No extremo nordeste da freguesia ergue-se o Pico de Dona Joana, um cone vulcânico de escórias basálticas quase circular com cerca de 500 m de diâmetro, esventrado em direção ao sudoeste, com a parte exposta da cratera a uma cota de 262 m acima do nível do mar. A parte mais alta do cone, na cumeada norte e nordeste, atinge os 331 m de altitude.

A Ponta das Contendas, Vila de São Sebastião, concelho de Angra do Heroísmo, localiza-se na ponta sudeste da ilha Terceira, a cerca de 13 km da cidade de Angra do Heroísmo e a 8 km da cidade da Praia da Vitória – Formada por vários cones de escórias, como o Pico das Contendas (142 m acima do nível do mar), esta faixa litoral da Baía da Mina apresenta-se muito recortada, com enseadas rochosas, praias de calhau rolado e alguns ilhéus.

Pico Martin Simão (ou Matias Simão)  é uma elevação de origem vulcânica localizada na freguesia dos Altares, concelho de Angra do Heroísmo, a cerca de 19 km,  e encontra-se localizado na parte Noroeste da ilha Terceira, junto à costa, elevando-se a 153 m acima do nível do mar.

Pico Gordo é um cone vulcânico localizada na freguesia dos Altares do concelho de Angra do Heroísmo. Este acidente montanhoso encontra-se localizado na parte Oeste da ilha Terceira, eleva-se a 622 metros de altitude acima do nível do mar

O Pico da Bagacina é uma elevação de origem vulcânica localizada no interior da ilha Terceira. Este acidente montanhoso eleva-se a 638 metros de altitude acima do nível do mar e encontra-se intimamente relacionado com o Maciço Montanhoso da Serra de Santa Bárbara.

Do mesmo documento consta ainda uma curiosa e complexa tabela de códigos e uma representação de um telégrafo de bolas rudimentar, apoiado numa qualquer arvore ou tronco.

Códigos de sinais
Códigos de sinais (O sinal + quer dizer repetição, isto é, arriado e tornado a içar. E o zero posto antes de qualquer sinal quer dizer 100. Continua com alguns exemplos, terminando com – quando for um nº composto por dezenas e unidades, o sinal se fará no extremo da haste do telégrafo; e quando seja só de unidades, se fará no terço dela.)
Telégrafo rudimentar
Telégrafo de bolas de 3 prumadas, com recurso a balões pretos e brancos (ver códigos acima). A primeira argola é apenas para passagem das 3 espias, não tem gancho para pendurar.