Termino esta série de apontamentos, dedicada aos pioneiros da TSF, com a figura incontornável de Marconi. Ele é considerado, pelo senso comum, como o inventor da rádio. Já vimos que muitos outros contribuíram para isso mas esse senso comum tem uma boa base de sustentação no facto de ter sido Marconi o grande responsável pela aplicação prática e útil das descobertas feitas por ele e por outros.
Nasceu a 25 de Abril de 1874, numa família nobre, em Bolonha, Itália, e faleceu a 20 de Julho de 1937, em Roma.
Recebeu o prémio Nobel da Física, partilhado com Karl Braun, em 1909, em reconhecimento da sua contribuição para o desenvolvimento da telegrafia sem fios.
Ao contrário da maioria dos pioneiros da TSF, referidos nesta rubrica, Marconi não era um cientista académico, não tendo, por isso, tentado obter grandes explicações para os fenómenos com que lidou. No entanto, era um excelente técnico, um engenhoso inventor e um empreendedor de sucesso. Obteve 40 patentes para as suas invenções e, apesar das várias polémicas, de que fui dando conta, sobre a utilização de invenções desenvolvidas por outros, uma grande quantidade de invenções e melhorias, que foram decisivas para a evolução da TSF, são de sua autoria. Destas destaca-se o “detector magnético”, que possibilitou as primeiras comunicações transatlânticas e que é de uma complexidade técnica assinalável, de tal modo que só foi possível perceber completamente o seu funcionamento 24 anos após o início da sua utilização.
A sua faceta de empreendedor está patente nas muitas empresas que criou. A primeira, que nasceu em 1897 com o nome de “Wireless & Signal Company” e que em 1900 passou a designar-se “Marconi Wireless Telegraph Company”, rapidamente se expandiu a quase todo o mundo, sendo a precursora das actuais redes globais de telecomunicações. Essa empresa dedicou-se também ao fabrico de equipamentos de rádio para uso próprio e para outras companhias e serviços. O nome Marconi soará familiar aos antigos militares de Transmissões, dada a vasta gama de equipamentos, com essa marca, que o Exército Português utilizou nas transmissões de campanha, e, sobretudo, nas transmissões permanentes.
Muitos se lembrarão ainda da Companhia Portuguesa Rádio Marconi, fundada em 18 de Julho de 1925 tendo como accionistas a “Marconi Wireless Telegraph Company”, com 49% do capital, e o Governo Português, com 51% , que possibilitou a ligação de Portugal com as suas ilhas e colónias, com o resto de mundo e com a sua frota marítima.
Desde o início, Marconi orientou os seus esforços para a ligação navio-terra. Compreende-se tal esforço porque, até ao aparecimento da TSF, não existia qualquer meio que permitisse essa ligação para além do horizonte visual, o que deixava os navios, em alto mar, isolados do resto do mundo. Já as ligações terrestres, na altura, estavam asseguradas pelo telégrafo eléctrico que estava no seu apogeu.
Foi com base na estrutura instalada pelas empresas de Marconi que, na madrugada de 15 de Abril de 1912, a estação de Newfoundland captou os fracos sinais de SOS enviados do navio Titanic, enquanto se afundava, e retransmitiu a triste notícia ao mundo, permitindo o envio de socorro que salvou alguns dos náufragos.
A formação técnico-científica de Marconi é descrita pelo próprio na sua conferência do prémio Nobel, onde afirma: “…Eu nunca estudei física ou electrotecnia de forma sistemática, embora enquanto jovem tenha estado profundamente interessado nestes assuntos … e estava, penso poder dizê-lo, razoavelmente bem informado das publicações daquele tempo que tratavam assuntos científicos incluindo os trabalhos de Hertz, Branly e Righi.”[1]
Em 1895 começou, em sua casa, a fazer as primeiras experiências de TSF, utilizando equipamentos rudimentares: o oscilador de Hertz, baseado na bobina de Ruhmkorff, como emissor, e o coesor de Branly, como receptor, conseguindo transmitir sinais até 800 metros de distância. Em Agosto desse ano começou a utilizar antenas de comprimento cada vez maior descobrindo que as distâncias alcançadas estavam directamente ligadas ao comprimento das antenas de emissão e recepção, conclusão que passou a designar-se “lei de Marconi”.
Com o objectivo de dar continuidade às suas experiências, mudou-se para Inglaterra, onde, em Setembro de 1896, conseguiu comunicar a cerca de 3 Km, atingindo em Maio de 1897, aproximadamente 15 Km.
Conseguiu a primeira transmissão sobre o canal da mancha em Março de 1899, ligando o farol de South Fareland, perto de Dover, em Inglaterra, à povoação de Winereux, a sul de Calais, em França, numa distância de cerca de 45 Km.
Em 1900 começou a utilizar os circuitos sintonizados, já utilizados por Karl Braun, patenteando um sistema constituído por emissor e receptor que, no Reino Unido, recebeu a patente nº 7777 e, por isso, ficou conhecido como “four sevens”. Tentou patentear o mesmo sistema nos Estados Unidos mas devido à disputa com sistema semelhante de Tesla, só conseguiu ver aprovada tal patente em 1904 com o nº US763772.
Por volta de 1900 foi amadurecendo a ideia de ligar os dois lados do Atlântico, na distância de cerca de 4.000 Km. Para isso tinha de contrariar a ideia, existente na época, que as radiações hertzianas só se propagavam em linha recta, por analogia com a luz, e, por isso, a curvatura da terra impediria a comunicação a tais distâncias. Acreditou na ideia de um seu colaborador próximo, o Prof J. A. Fleming, que defendia que, para lá da propagação directa, as ondas de rádio se propagavam também ao longo da crosta terrestre, o que hoje designamos onda de solo. Acabou por ter uma ajuda preciosa do que nem o Prof Fleming suspeitava: a existência da ionosfera.
É muito interessante ver como Marconi tenta explicar, na sua conferência do prémio Nobel, as grandes diferenças de propagação entre o dia e a noite atribuindo as dificuldades diurnas à luz do sol, que amorteceria as radiações! Contudo, revela um espírito científico aberto quando, sobre o assunto, diz: “Não penso que este efeito esteja satisfatoriamente investigado ou explicado.”[2]
Para a ligação transatlântica mandou construir em Poldhu, na costa da Cornualha, um centro emissor alimentado por 25 KW e em Cape Cod, perto de Nova Iorque, uma estação semelhante. Como, na sequencia de uma tempestade, os mastros desta foram derrubados, decidiu fazer a experiência com uma estação receptora em Newfoundland, nos finais de Novembro de 1901.
“Os testes começaram no início de Dezembro de 1901 e no dia 12 desse mês os sinais transmitidos de Inglaterra eram clara e distintamente recebidos na estação temporária de St John’s em Newfoundland”.[3]
Estava dado início a um império de comunicações rádio, a nível mundial, que durou até à generalização das comunicações por satélite.
Em primeiro lugar saúdo o MGen Carlos Alves por este texto, dedicado a Marconi e pela qualidade de série que agora termina, dedicada aos pioneiros da TSF á escala mundial, fazendo votos que a sua participação no trabalho da CHT dedicado à atuação das Transmissões na Grande Guerra tenha, pelo menos, a mesma qualidade.
Em relação a Marconi e ao pioneirismo da TSF em Portugal permito-me apresentar as seguintes considerações:
• Para quem quiser saber mais sobre Marconi e a sua participação nos primórdios da introdução da TSF em Portugal tem o excelente livro editado pela PT , em 2007, “Marconi em Lisboa Portugal na rede mundial de TSF”, da autoria de Maria Fernanda Rollo e Maria Inês Queiroz.
• O grande interesse da introdução da TSF em Portugal, no princípio do século XX resultava de dois aspetos fundamentais. O primeiro era de carater estratégico e dizia respeito à ligação da Metrópole com as Colónias e ilhas, totalmente dependentes das comunicações por cabo submarino. Outro era a marinha, onde as comunicações dos navios ainda se tinham que fazer à vista.
• No livro referido é apontado o pioneirismo do almirante Gago Coutinho, como 1º tenente, em 1900 (ano anterior às primeiras experiências de TSF em Portugal, pelo capitão de engenharia Severo da Cunha) no seguinte texto que se transcreve:
“Entre os pioneiros da difusão do invento marconiano em Portugal predominou a voz do oficial da Armada Gago Coutinho, ele próprio interessado no desenvolvimento dos meios de comunicação à distância, tendo chegado a registar duas patentes de telegrafia elétrica em 1900, uma delas a introduzir alterações no coesor de limalha concebido por Branly. No mesmo ano, Coutinho deu início ao papel de divulgador científico, apostando no sistema desenvolvido por Marconi.
Em 1900 assinou um artigo na Revista Colonial e Marítima de 15 de Maio, que tanto quanto se conhece, constitui a primeira abordagem técnica aprofundada sobre a emergência da radiotelegrafia abordada em Portugal. O tenente elegia as comunicações sem fios como meio privilegiado das comunicações navais e muito promissor em terra,”….