Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:
Tive a oportunidade, e o gosto, de ler o livro “Le Pigeon-Voyageur” de Louis Palliez, publicado em 1932[1] e que se mostra na figura.
O autor, Louis Palliez era, em 1932, presidente da Federação Nacional das Sociedades Columbófilas e, durante a Grande Guerra fez parte do Serviço Columbófilo do Exército francês, na organização e funcionamento do qual as sociedades columbófilas civis francesas tiveram um papel fundamental.
O livro não esconde a enorme paixão do autor pelos pombos-correios, sendo o livro um hino de louvor aos mensageiros alados, à sua importância e aos valiosíssimos serviços que prestaram durante a guerra.
O livro é mais do que isso pois começa por descrever as caraterísticas e capacidades do pombo correio, a que se segue uma apresentação de dezenas de mensagens transmitidas durante a guerra, através de pombos-correios, como último recurso, ou seja quando todos os outros meios falharam.
Neste post, interessa-nos sobretudo destacar algumas considerações que faz sobre a importância das Transmissões no conflito e no papel dos pombos correios no sistema de transmissões.
A página 57 do livro diz-nos o seguinte sobre a problemática das transmissões na Grande Guerra:
“Um chefe, para comandar, deve saber exatamente o que se passa. Sem o pombo correio isso era materialmente impossível. As linhas telefónicas são, com efeito, geralmente cortadas na zona dos ataques; os meios óticos, obscurecidos pelo fumo e poeira, permanecem frequentemente ineficazes, Enfim as observações aéreas, em numerosas circunstâncias desfavoráveis, devido ao mau tempo e ao afastamento dos objetivos, não esclarecem o comandante, duma forma absolutamente precisa, sobre a evolução do combate.
Só os pombos correios funcionam regularmente e sempre, apesar dos bombardeamentos, das poeiras, do fumo e das brumas, eles trazem, com um pequeno atraso, as notícias da situação precisa das tropas envolvidas.
Graças a eles o comandante é sempre posto ao corrente da situação das unidades de 1ªlinha, os objetivos atingidos e recebe a tempo a apreciação e os pedidos dos executantes de recompletamento de pessoal, do grau de fadiga dos seus homens e resistência dos adversários, a oportunidade de um tiro sobre um setor preciso, ou necessidade de reforço para um ponto assinalado.
Quando tudo é destruído o pombo-correio permanece!
Ele é o último recurso a que qualquer um possa recorrer para que a sua voz seja entendida “.
Esta apreciação do autor sobre o sistema de transmissões usado pelos ingleses na Grande Guerra e o papel que nele desempenhavam os pombos correios merece algumas considerações:
- Acentua a fragilidade geral do sistema, pois em situações de ataque, precedidas de prolongadas preparações de Artilharia, todos os meios usados se tornavam ineficazes restando o recurso ao pombo correio. Mesmo assim era um recurso limitado pois a quantidade de pombos disponíveis era pequena. Esgotados os pombos, segundo o autor, não haveria comunicações.
- Em meu entender tal situação só se verifica em situações de cerco, (que se verificaram na Grande Guerra, nomeadamente na batalha de Verdun) nos quais o recurso ao mensageiro era vedado. Noutras situações havia a possibilidade do uso de mensageiros, embora se tratasse de um meio indiscutivelmente mais lento que o pombo correio.
- Outros recursos que poderiam ser utilizados eram os meios rádio (relativamente pouco utilizados na Grande Guerra), ou a utilização de linhas enterradas, para garantir a continuidade das comunicações telegráficas e telefónicas, perante os bombardeamentos de artilharia. Isso exigia um enorme esforço dado que as linhas teriam que ser enterradas a cerca de 2 metros de profundidade, o que exigia um enorme e demorado esforço. Na prática, embora se procurassem enterrar o mais possível os traçados ficava sempre aquém do necessário.
Em resumo na Grande Guerra as comunicações eram baseadas sobretudo nas comunicações filares que funcionavam bem em situações de baixa e média intensidade do conflito, mas que falhavam inevitavelmente em situações críticas, nas quais o pombo correio era dos meios que funcionava.
O autor termina o seu livro (pág. 102 e 103) com a impressionante narrativa, que viveu e com que brilhantemente glorifica o pombo-correio pelas vidas que a sua ação poupou:
“”Foi em Verdun, em plena batalha: o canhão troava… a metralha provocava raiva… eu estava perto de um pombal em serviço, nós esperávamos, a todo o instante, notícias da ação que se desenvolvia à nossa frente, no campo da morte…de repente um pombo chega: ele cai, enquanto não pousa na prancha de entrada no pombal um traço de sangue segue-o…ele cai… eu amparo-o.
Ele está um farrapo, as suas entranhas completamente esfaceladas por uma granada de obús, pendem lamentavelmente. Morre instantaneamente nas minhas mãos. Retiro o despacho de uma das suas patas completamente esmagadas e que apenas está sustentada por um tendão.
Esse despacho dizia: “Apesar dos nossos apelos e dos nossos sinais repetidos a nossa artilharia atira sobre nós, retifiquem o tiro, de outra maneira seremos todos sacrificados.”
Este pobre pombo, pagando coma vida o seu voo, através da metralha, salvou muitos dos nossos camaradas porque, imediatamente, a nossa artilharia, informada da posição das nossas tropas durante ação, que ignorava, retificou o seu tiro.
São as catástrofes inevitáveis e inerentes á guerra… Sem o pombo-correio elas seriam ainda maiores e assim, repito-o, ele tem o direito ao reconhecimento de todos os franceses.””
A leitura deste interessante livro “Le Pigeon-Voygeur” levou-me a procurar na Net outros trabalhos sobre este tema. Descobri um intitulado “Une brève histoire de la Colombophilie”, publicado na Revue Historique des Armés e da autoria de Florence Calvet, Jean-Paul Demonchaux, Regis Lamand e Giles Bornert, que pode ser consultado aqui.
Trata-se de um trabalho publicado em 2007 que apresenta a história da columbofilia desde a antiguidade aos nossos dias de forma extremamente cativante e cuja leitura recomendo vivamente.
[1] O livro, por iniciativa do MGen Carlos Alves, foi difundido pela net para os elementos da CHT.