Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:
Julgo não ser novidade para ninguém que a Grande Guerra nas colónias portuguesas, em particular em Moçambique onde foi particularmente penosa, é muito pouco conhecida, mesmo na atualidade.
Há uns meses, numa exposição, apresentada na Assembleia da República, sobre a participação portuguesa na Grande Guerra, coordenada pela prof. Fernanda Rollo, a guia afirmou a que “a participação portuguesa na Grande Guerra em África era tratada como se fosse um assunto tabu”.
Em dois livros, relativamente recentes, que tive oportunidade de ler, este assunto também é abordado.
O primeiro livro, da autoria de Ricardo Marcos, “Os fantasmas do Rovuma”, de 2012, é dedicado à epopeia do Rovuma, durante a GG, com base na pesquisa que o autor fez de dados biográficos do tio-Avô do seu pai, capitão Pedro Curado, que foi condecorado, ao longo da carreia militar, com 3 cruzes de guerra, o que é extremamente invulgar, no Exército português.
Nele se lê o seguinte:
“Para a maioria dos portugueses a Grande Guerra é sinónimo de uma e apenas uma coisa: La Lys, a enorme batalha que marcou para sempre mais de 7000 soldados portugueses”.[1]
“As páginas que se seguem contam a história de uma guerra de que ninguém fala… Não se comenta, não enche as páginas dos jornais e, salvo raras, mas boas, exceções é tratado em meia dúzia de linhas nos livros de história. Ross Anderson, um dos maiores especialistas do tema, chamou à frente da África Oriental a Frente esquecida.”[2]
Outro livro, de 2012, que já foi referido nesse blogue[3], “Impérios em guerra 1911-1923”, inclui um texto do historiador Felipe Ribeiro de Meneses sobre o Império Colonial português na guerra,
Nele se inclui o seguinte:
“Um dos aspetos mais notáveis do esforço de guerra português em África foi o pouco que dele se soube em Portugal e logo após o conflito”….[4]
Assinala, contudo, como exceção: “o relatório da desastrosa campanha de Nevala, divulgada durante a presidência de Sidónio Pais (Dezembro de 1917, 1918) como forma de denegrir intervencionistas como Afonso Costa.[5]
Passaram muitos anos até ser criada uma organização de veteranos, a Liga dos Combatentes da Grande Guerra[6]. Mas mesmo quando esta Liga, dedicada a perpetuar a memória dos soldados mortos e a cuidar dos sobreviventes, foi mais construtiva, a sua direção nunca quebrou a regra de ouro que se observava em Portugal: nunca criticar publicamente qualquer ocorrência que pudesse causar mossa ao prestígio do país como potência colonial. Os que ousaram fazê-lo eram criticados veementemente como traidores e não tinham quem lhes desse ouvidos…
Mais adianta acrescenta ainda:
O “Século” publicou, em 14 de Novembro de 1924, um artigo extremamente implausível da autoria de Álvaro de Castro, uma das figuras de proa do regime e durante um período governador de Moçambique, no qual afirmou que, “durante a guerra, os soldados e carregadores deram boa conta de si“ E ainda que esta experiência permitia aspirar a um enorme exército colonial chefiado por europeus mas com tropas africanas com efetivos da ordem dos 200.000 homens que se poderiam trazer para a Europa, se necessário.”
“No mesmo ano de 1924, no Porto, no dia do armistício, montou-se uma Exposição das Recordações da Guerra em África, com fotografias, trajes e armas indígenas, material de guerra, mapas, etc. … tudo montado de forma a reforçar a ideia de uma campanha honrosa e vitoriosa, travada essencialmente contra um inimigo europeu e contra os africanos que haviam sido “virados” pelo ouro alemão e falsas promessas.”
Ora isto não era verdade. Duas publicações anteriores desmentiam-no claramente: os livros “A tropa de África” de Carlos Selagem” e “A epopeia maldita “ de António de Cértima.
As notas indicadas parecem apontar que a política de encobrimento da Grande Guerra em Africa é anterior ao regime ditatorial iniciado com o 28 de Maio de 1926, visto que durante a I República até se foi muito mais longe do que eu pensava.
[1] Pág 14
[2] Pág 15
[3] Ver post de 10 de março de 2015.
[4] Pág. 357
[5] Idem
[6] A Liga dos Combatentes da Grande Guerra foi criada em 1923