Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:

ActasEste texto foi baseado no livro “Actas das Sessões Secretas da Câmara dos Deputados e do Senado da República sobre participação de Portugal na Grande Guerra”, de Ana Mira, uma publicação da Assembleia da República de 2002.

As sessões resultaram de uma requisição de vinte deputados, nos termos do regimento, e realizaram-se na Câmara dos Deputados de 11 a 31 de julho de 1917 e no Senado em 1 de Agosto do mesmo ano.

Nesta altura estava-se em plena Guerra e Portugal já se encontrava envolvido na frente europeia e nas colónias. As sessões eram secretas, para não perturbar as operações militares, que se prolongariam pelo ano seguinte, no qual se verificaram os desastres de La Lys e a incursão das tropas de Von Lettow pelo Norte de Moçambique, iniciada em Novembro de 1917.

Dentro dos temas apresentados nestas sessões vamos limitar-nos a referir aqui, em linhas gerais, o debate político da guerra em África na Câmara dos deputados, apresentando as posições, muito diferentes da oposição e do Governo. Concluiremos com a forma como os problemas são encarados pela historiografia atual.

Posição da Oposição

Coube ao deputado Vasconcelos e Sá, nas sessões de 16 e 17 de julho da Câmara dos Deputados, apresentar basicamente o seguinte:

“Com factos concretos, com documentos, vou demonstrar que os desastres de Naulila, Rovuma, Nevala e a invasão dos nossos territórios na África Oriental pelos alemães, foram devidos principalmente à má organização das expedições e às ordens da metrópole e indicações enviadas do Ministério das Colónias.”

Esclarece que o propósito que indica para sua comunicação é construtivo: “Tendo como fim, nas afirmativas a esse respeito documentadas, ver se ainda é possível evitar novos desastres e novas vergonhas para Portugal, para onde se está enviando, desde janeiro, faccionada, mal organizada também, nova expedição. “

A crítica à ação do Governo baseia-se na ideia de que este é o principal culpado nos desastres sofridos na Guerra contra os alemães, considerando o general Gil, comandante da 3ª expedição, muito menos culpado desses desastres do que Afonso Costa (Presidente do Governo) e o Governador de Moçambique, que teria sido um “péssimo informador do Governo Central”.

Entre as críticas com que culpabilizou o Governo e o Governador de Moçambique permito-me destacar as seguintes:

  • A escolha do general Gil para comandar a 3ª expedição “oficial desconhecedor de África”, em substituição do coronel Garcia Rosado, “conhecedor de África”, exonerado do comando à última hora, bem como o seu estado-maior.
  • O mau recrutamento do pessoal das expedições e a insuficiência da instrução, ministrada na metrópole.
  • As péssimas condições em que se fez o desembarque em Palma, e as dificuldades de instalação do pessoal na base de Palma, onde nada estava preparado.
  • As elevadas baixas por doença verificadas em Moçambique, que atingiam 75% do efetivo e que a metrópole não recompletava, apesar dos insistentes pedidos do general Gil.
  • As insuficiências do Serviço de Saúde, acusando o governo de não ter dado andamento ao pedido de dois navios hospital para fazer face à gravíssima situação do estado sanitário do pessoal.
  • A fortíssima pressão do Governo e do Governador de Moçambique moral para atacar os alemães, decorrente do estado sanitário do pessoal e que seria a base do desastre de Naulila.
  • A tardia resolução do Governado de Moçambique em levantar tropas indígenas, mais adaptadas ao clima africano, para combater os alemães.
  • Em relação a Angola considera que o desastre de Naulila se teria dado em virtude da exiguidade dos efetivos da expedição de Massano de Amorim.

Vejamos a seguir, também em síntese, a forma como respondeu o Governo a estas severas críticas que, ainda por cima, estavam bem fundamentadas e documentadas.

Posição do Governo

O Governo não considerou estas críticas e muito menos as propostas da oposição no sentido de dar um maior apoio à expedição de Moçambique, visto que entendeu as críticas como um mero expediente político para derrubar o governo.

Deste modo apresenta uma visão triunfalista da intervenção portuguesa na Grande Guerra, tanto na frente europeia como na africana, afirmando que Portugal pela defesa que estava a fazer das colónias e ao integra-se nas forças aliadas na Europa, tinha a república portuguesa alcançado um elevadíssimo prestígio internacional que não conseguira até aí e convinha manter.

Por outro lado considerava inoportuna a análise detalhada das situações ocorridas, por afetar o esforço de guerra que se estava a fazer e, no futuro, as negociações de paz, pelo que o assunto devia ser tratado, a seu tempo, com o rigor que a sua importância exigia.

Vejamos algumas das “explicações” que foram dadas:

  • A exoneração do coronel Rosado e a sua substituição pelo general Gil teria ficado a deve-se ao facto de a defesa da reclamação do seu chefe de Estado Maior “ter sido escrita em termos impróprios”. Recorde-se que a reclamação resultava de o vencimento que lhe estava atribuído ser inferior ao dos seus adjuntos e que, em relação ao chefe de estado-maior do general Gil a situação foi corrigida.
  • Segundo declarações prestadas pelo ministro das colónias “… todas as afirmações que aqui se fizeram sobre as deficiências na organização, falta de homens, de material, de medicamentos, etc. são, em conjunto, destituídas de fundamento, sem contudo contestar que possa ter havido, em um ou outro ponto restrito, menos perfeição que a que todos nós desejamos…”
  • São do mesmo autor as seguintes espantosas declarações: “Descreveu-se aqui, largamente, a precipitação do Governo que o mandava avançar, quando não se achava ainda completamente preparado. Ora a verdade é que a expedição contava com muito pouco pessoal, e que estava bem municiada do material preciso. Entendo que não houve precipitação na ordem de avançar, porque era necessário, custasse o que custasse, darmos sinal de vida, respondermos ao apelo, ao pedido instante de cooperação que os ingleses nos dirigiam. E se fomos mal sucedidos, em grande parte o devemos atribuir à falta de competência do comando, que se mostrou pouco ativo e não soube, como Navarro de amorim, em 1914, conservar os praças em estado de constante atividade, que é o melhor meio de os livrar de influências deletérias do clima; que se revelou, nas margens do Rovuma, muito mais perniciosa que em qualquer outra região já experimentada pelas nossas tropas.”

E por aí adiante. Em resumo, para o Governo, o que havia era que continuar a política que tinha estado a seguir e que, no seu entender, tão bons resultados estava a dar…

Considerações finas

A historiografia atual[1], não acompanha qualquer destas visões políticas e radicais da campanha em Moçambique durante Grande Guerra e muito menos a ideia de que o pior flagelo desta campanha que foram as doenças tropicais pudessem ser colmatadas com maior atividade das nossas tropas.

António José Telo, na obra referida não isenta de culpas o comando militar mas tece severas críticas ao Governo na organização, preparação e faltas graves no apoio sanitário às tropas e na pressão que exerceu para forçar a invasão da colónia alemã que iria dar origem ao desastre de Nevala.

Chama também a atenção para um ponto essencial desta campanha em Moçambique que foi a forma como atuaram as tropas alemãs do general Von Lettow, para a qual nem os ingleses nem os portugueses conseguiram resposta adequada, apesar de terem efetivos largamente superiores.

[1] Ver “A campanha de Moçambique 1916-1918” de António José Telo in “Portugal a Grande Guerra” 1918-1919 “O fim da Guerra”,2014, coordenada por Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes