Sargento-Mor Tm (reserva), Carlos Manuel Sousa Narra

No dia 27 de Maio de 2023, aquando do Convívio para comemoração dos 30 anos do início da missão ONUMOZ o Major-General Miguel Rosas Leitão, que Comandou a 2.ª fase do BTm4 como Tenente-Coronel, (de Junho a Dezembro de 1994), lançou-me o desafio de escrever algumas linhas sobre o 1.º escalão do BTm4 (21 de Abril a 13 de Maio de 1993), no qual participei, para memória futura.

Nesse contexto, é com alguma preocupação e ansiedade que me proponho levar a cabo esta tarefa, na medida em que, ser rigoroso sobre fatos com 30 anos de distância, não constitui tarefa fácil de execução.

Contudo, recorrendo á memória, tentarei relatar de forma sucinta, procurando ser o mais rigoroso possível, alguns dos acontecimentos de então, que se me afiguram mais significativos e marcantes daquele período.

Síntese da Missão do BTm 4 na Operação ONUMOZ

Em 16 de Dezembro de 1992, o Conselho de Segurança das Nações Unidas, através da Resolução nº 797/92, estabeleceu a Operação das Nações Unidas em Moçambique (ONUMOZ).

Para Portugal esta missão traduziu-se no aprontamento e envio de uma Unidade de Transmissões do Exército de Escalão Batalhão – Batalhão de Transmissões Nº4 (BTm4), com a missão de Instalar, Explorar e Manter um Sistema de Comunicações que garantisse o Comando e Controlo da componente militar das Forças das Nações Unidas instaladas no território Moçambicano, sustentada em três Regiões Militares.

O Batalhão era composto por três Companhias de Transmissões (CTm), que operaram nas 3 Regiões Militares instituídas (Sul, Centro e Norte) e uma Companhia de Apoio e Serviços.

A missão do Batalhão centrou-se na instalação de quatro CCom garantindo desta forma as ligações entre o comando da Força e os Quarteis Generais sediados nas cidades de Maputo (RM Sul), Beira (RM Centro) e Nampula (RM Norte) e sete CCom para ajuda dos cinco Batalhões de Infantaria (Uruguai, Zâmbia, Botswana, Itália e Bangladesh,) e a outras unidades de apoio, entre elas os hospitais militares (da Argentina, da Itália e do Bangladesh), as Companhias de Engenharia e de logística indianas e a companhia de controlo de movimentos japonesa.

O Sistema de Transmissões era constituído por 3 Companhias de Transmissões (CTm), com uma organização modular elaborada de acordo com as necessidades específicas de cada CCom. Tipicamente os CCom possuíam na sua constituição equipas RATT, central telefónica e Feixes Hertzianos (Terminal e Repetidor).

As Unidades próximas dos QG, tinham ligação telefónica á rede telefónica militar por feixes Hertzianos Multicanal (FM200). Como alternativa existia a rede telefónica civil das telecomunicações de Moçambique.

A CTm 1 sediada na Matola, onde se encontrava o Comando do Batalhão, instalou quatro CCom – Southern Region HQ em Maputo, área militar da Matola onde se encontrava o comando do Btm4, Inhambane e Chokwé.

A CTm 2 sediada no Dondo, também com quatro CCom – Central Region HQ na Beira, área militar da Companhia no Dondo, Chimoio e Tete.

A CTm 3 instalada junto ao aeroporto de Nampula, instalou três CCom – Northern Region HQ em Nampula, área militar da Companhia também em Nampula e Instituto onde estavam sediadas o Batalhão de Infantaria e o Hospital Campanha, ambas unidades do Bangladesh.

Devido às distâncias e condições do tereno entre os CCom o sistema de comunicações assentou em equipamentos Rádio de HF, o E/R PRC-301e para situações de emergência, terminais de Satélite IMARSAT.

Foram implementadas redes regionais de HF (Fonia e RATT) entre os batalhões localizados em cada Região Militar, uma rede nacional também HF/Fonia/RATT entre Comando da Força em Maputo e os QG das Regiões.

Nos QG foram instalados equipamentos de comutação (Central Digital de Campanha P/TTC 101) e respetivas cablagens das redes telefónicas.

O Material de comunicações empregue, era, quase na sua totalidade, de fabrico Português.

Projeção do Destacamento Avançado para Moçambique

A missão do destacamento avançado (1º Escalão) centrou-se na instalação de quatro Postos de Rádio em HF, nas instalações onde estavam sediados os Quarteis Generais das Regiões Militares (Maputo – RM Sul), Beira (RM Centro), Nampula (RM Norte) e no comando da Missão do BTM4, com o objetivo de estabelecer comunicações em fonia entre as Regiões Militares e também com Portugal (Regimento de Transmissões).

Após alguns atrasos do Transporte Aéreo, no dia 21 de Abril de 1993, saía de Figo Maduro o denominado 1º Escalão, composto por 31 militares portugueses, chefiados pelo Major Técnico de Manutenção de Tm Manuel Moura Pequeno, numa aeronave de fabrico Ucraniano ILYUSHIN cuja tripulação era russa, composta pelo Comandante da aeronave, dois copilotos, um navegador e um mecânico de bordo. Viajava também no cockpit um civil, representante das Nações Unidas.

Embora fossemos 31, só havia 28 assentos, o que quer dizer que 3 militares teriam que viajar de pé, á espera de haver revezamento, ou então sentados sobre os caixotes de madeira onde se encontrava o material de transmissões e ou dentro de um dos cournil. Também não havia casa de banho, para as necessidades existia um balde de lata perto da entrada da cabine de voo. A visibilidade para fora só era possível por uma escotilha minúscula, cerca 20 centímetros de diâmetro instalada na porta de acesso á aeronave.

Após cerca de 6 horas e meia de voo, perto das 4 :30 da manhã, hora local, já do dia 22, aterramos no aeroporto da cidade de Lagos na Nigéria, para reabastecimento. Ao sairmos da aeronave para esticarmos um pouco as pernas, ficamos atónitos pois a aeronave estava cercada por militares da Nigéria. Mandaram-nos sentar por baixo do aparelho, junto ao trem de aterragem e levaram o comandante, um dos copilotos e o representante da ONU.

Sem sabermos o que se estava a passar, com os primeiros raios de sol a surgirem perto das 5 da manhã aguardámos cerca de oito horas, debaixo de um calor abrasador e sem possibilidade de entrar na aeronave para beber.

Por volta das 13 horas locais, a aeronave ficou reabastecida, a tripulação completa com a chegada do Comandante, copiloto e representante da ONU.

Com aeronave de novo no ar, respiramos de alívio, embora não estivesse tudo terminado. O comandante através do representante da ONU, informou que voámos em direção ao Atlântico, acompanhados por dois caças. Embora fossemos dar uma volta maior, era necessário sair do espaço aéreo da Nigéria o mais rapidamente possível.

Mais tarde já a sobrevoar solo angolano e em conversa com o representante da ONU, ficamos a saber que o Plano de voo não contemplava esta paragem e para que fosse possível seguirmos foram necessárias negociações e o compromisso do pagamento de 20.000 dólares americanos por parte da ONU.

Perto das 21 horas, hora de Moçambique, aterramos em Nampula, onde estava á nossa espera para nos receber, o Major de Transmissões Couto Lemos e um representante da ONU. Foi graças ao Major Couto Lemos que pudemos aterrar em segurança no aeroporto de Nampula. Toda viagem foi efetuada por rádio navegação, a tripulação nunca tinha voado nesta zona de África pelo que estávamos com um erro aproximado 4 Quilómetros do aeroporto. O esforço do Major Couto Lemos, permitiu que as luzes da pista se acendessem. Com a pista iluminada a aeronave efetuou uma manobra de ascensão, para evitar a cadeia montanhosa que circunda a Cidade de Nampula.

Já no solo foi descarregado o material destinado a Nampula e á Beira. O material para a Beira foi transportado de Helicóptero no dia seguinte. O restante material com destino a Maputo seguiu no avião.

Maio de 2024

Síntese Biográfica do Autor


Sargento-Mor de Transmissões, incorporado em 1984, concluiu o CFS em 1986. Ao longo da carreira prestou serviço na CTM/BMI, EPT, BTm 4, DGMT, CME e RTm, tendo desempenhado diversos cargos dos quais se destacam: Componente Operacional, Adjunto de Companhia, Chefe da Seção Planeamento e obras, Sargento de logística, PEFEx elaboração referenciais Curso Formação Praças de Transmissões, Formador em diversas áreas ligadas às Transmissões e Informática, Gestor de rede local e Adjunto do Comandante do RTm (Porto).

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