Depois dos dois equipamentos Ducretet-Popoff, os primeiros adquiridos pelo Exército português, em 1901, e dos cinco Telefunken, os segundos, adquiridos em 1909 (ambos já tratados em artigos anteriores aqui e aqui), foram adquiridos onze equipamentos Marconi no início dos anos 30. Destes, os últimos adquiridos foram duas estações Marconi H4 (ou H.4) destinadas especificamente à Campanha.
Estas Estações, construídas pela Marconi’s Wireless Telegraph Co. Ltd, foram adquiridas pelo Ministério da Guerra em Junho de 1934 e recebidas na Companhia de TSF do Regimento de Telegrafistas em Setembro desse ano.
Permitindo estabelecer ligações em telegrafia ou telefonia, simplex ou dúplex, trabalhavam em onda contínua em comprimentos de onda entre os 95 e os 150 m, devendo as frequências de emissão e recepção estarem separadas em pelo menos 10%, quando em duplex.
Embora com um alcance teórico de apenas 4 Km para a emissão, as experiências então efetuadas permitiram obter ligações até 30 Km.
Compostas, cada uma, por dez volumes com o peso total de 169 Kg, a entrada física em estação demorava 13 minutos, normalmente com uma guarnição de 3 radiotelegrafistas, a que se seguiam morosas operações de neutralização dos circuitos, ajustes, acoplamentos e sintonias.
As antenas de emissão e recepção eram diferentes, sendo a primeira, em L, com 23 + 5 m de comprimento, apoiada em dois mastros, cada um com 5 m de altura, constituídos por 5 secções metálicas e uma, a inferior, de madeira. Um dos mastros era empregue como antena de recepção. Com as baterias carregadas, era possível operar em emissão contínua durante cerca de 18 h, e, apenas em recepção, durante cerca de 40 h.
Os completos das Estações H4 eram transportáveis a braço, a dorso, ou em qualquer tipo de viatura então ao serviço das Tm (hipo, auto, ou “side-car”).
A composição geral dos 10 volumes era a seguinte:
2 sacos de acessórios de mastro
2 sacos de acessórios de antena
1 Caixa do emissor (28 Kg)
1 Caixa do receptor (28 Kg)
1 Quadro de carga de baterias (12 Kg)
1 Grupo motor gerador (32 Kg)
2 Baterias AC 8V 60Ah 0,04 A “EXIDE” (24 Kg cada)
Dos sacos de acessórios de mastro faziam parte:
1 saco de lona e cabedal
6 secções em tubo de alumínio
1 secção em madeira de freixo
Do primeiro saco de acessórios de antena faziam parte:
1 bolsa de lona e cabedal
1 rede de terra para o receptor
2 placas com 3 espias cada
1 adriça
1 bolsa com 6 estacas de ferro
1 martelo
Do segundo saco de acessórios de antena faziam parte:
1 bolsa de lona e cabedal
1 par de redes de terra para o emissor
1 suspensão de antena
2 placas com 3 espias cada
Da caixa do emissor, com 7 compartimentos, faziam parte, por ordem dos compartimentos (ver fig. acima):
1 aparelho de medida “PIFCO”
1 microfone
1 transformador rotativo 8V/280V
1 emissor propriamente dito
2 acumuladores de 2V 11Ah “EXIDE PO/2 Tropical”
1 triodo “P2 Marconi”
3 triodos “P2 Marconi”
1 manipulador telegráfico (chave Morse), guardada, e a utilizar, sobre a tampa da caixa
Da caixa do receptor, com 8 compartimentos, faziam parte, por ordem dos compartimentos (ver fig. acima):
1 receptor propriamente dito
1 triodo “L 210 Marconi”
1 triodo “S 21 Marconi” com grelha blindada
1 conjunto de pilhas secas (2 blocos de 63 V)
1 acumulador de 2V 11Ah “EXIDE PO/2 Tropical”; 3 acumuladores idem (de reserva)
1 bolsa para ferramenta e material de reserva (alicate, chaves de parafusos, chaves de caixa, fusíveis e carretel de fio de cobre estanhados para fusíveis); 1 antena de transmissão; 1 antena de recepção
2 pares de auscultadores
1 triodo “L 210 Marconi”
Do quadro de carga das baterias faziam parte, o quadro propriamente dito, 1 regulador de campo, 2 amperimetros, 2 fusiveis, 2 disjuntores, 2 interruptores, 1 reostato, 1 voltimetro e 1 quadro de ligações para baterias de 2V
Finalmente, do grupo motor/gerador, faziam parte, 1 motor a 2 tempos Marconi-Stanley tipo SM4 de 1 HP com 100 cc, 1 gerador CC tipo H4 de 20 A e 8/12 V e 1 bolsa com chaves e sobresselentes diversos.
Cada bateria de 60 AH podia fornecer energia durante 8 h, devendo os acumuladores de 2V ser substituídos a cada 10 h de serviço, embora podendo debitar durante 20. Quanto aos blocos de pilhas secas de 63V, em série, podiam durar cerca de 1000 h em serviço interrompido/descontinuo.
Em locais onde se podia dispor de energia da rede, o conjunto de baterias podia ser alimentado através de um transformador e de um rectificador Philips (mod 376) para 110 V.
As caixas do emissor e do receptor deviam ser colocadas a pelo menos meio metro de distância e as redes de terra enterradas a pouca profundidade e regadas com água.
A CHT guarda no seu arquivo um Manual de Instruções para estas estações, da responsabilidade do Cmdt da Comp TSF Cap Risques Pereira, que tiveram o contributo do Ten Brito Aranha (esquemas) e do Ten Galhardo (fotografias).
Estava um artigo nosso para sair sobre os “H4”. O Senhor Coronel Canavilhas adiantou-se, apropriadamente bem, publicando um excelente texto e magnificas fotos sobre estes aparelhos. Do que tínhamos escrito decidimos publicar o que se segue. Em nada irá alterar o que é dito pelo Sr. Coronel, apenas terá que ser lido como um simples complemento.
Comprados a Inglaterra em Junho de 1934 pelo Ministério da Guerra, Portugal recebe, em Setembro desse mesmo ano, dois dos seus primeiros aparelhos de comunicações militares verdadeiramente fiáveis, eram eles os Marconi H4, oriundos da Marconi’s Wireless Telegraph Co. Ltd.. Ao mesmo tempo também serão os últimos (?) a serem comprados antes da Segunda Guerra Mundial. Serão estes aparelhos a levar as nossas comunicações militares a uma esperada fiabilidade.
O recebimento deste material no antigo Regimento de Telegrafistas, aparentemente sem manual original, obriga aí à execução de um manual em português (1) (de 20 de Novembro 1934), ficando a análise dos circuitos a cargo do então tenente Brito Aranha. Este oficial desempenharia um importante papel nas comunicações militares Nacionais, sendo, a par de diversos cargos de destaque inerentes á sua especialidade, autor de diversas obras sobre o tema das comunicações militares.
O Coronel Bastos Moreira no 2º volume da obra de sua autoria (no total de 3 volumes), que algumas vezes temos referido, “Notas Sobre as Transmissões Militares em Portugal” (ed.1983) inclui estes aparelhos no primeiro de três períodos, criados por ele, para enquadrar a evolução do material. Assim sendo, insere-os no grupo “A” que decorre até final da década de 20 (sic). Se ele se refere aos “H4”, tal enquadramento não nos afigura possível, pois em carta assinada pelo então capitão Risques Pereira e datada de 20/11/1934, este oficial refere: “ Foram entregues na Companhia de T.S.F. duas estações Marconi H4 em Setembro ultimo. Tornou-se indispensável fazer estas instruções o mais rapidamente possível. Fizeram-se algumas experiências com o material e . . . “(sic). Acrescentamos que Bastos Moreira não mais se refere a estes importantes conjuntos rádio.
Como dissemos, no princípio, o reequipamento das transmissões durante o final da década de quarenta, princípio de cinquenta com os excedentes de guerra, leva a que estes nossos amigos recolham á caserna para sempre. Pelo menos um recetor e um transmissor, ainda hoje, estão expostos no museu do Regimento.
Curiosa a fotografia onde se vê a parte da parada do Regimento em 1934.
João Freitas
Notas
(1) Este manual é uma obra-prima interessantíssima, pelo cuidado tido na sua execução, indo ao pormenor da sua capa ter sido decorada manualmente com letras em azul e dourado, o desenho esmerado de uma válvula e diversos gradativos de cor. O manual está dividido em duas partes separáveis, uma de texto e outra dedicada aos esquemas e fotografias (esquemas e fotos que aparecem no texto principal).
Ex.mo Sr João Freitas
Não cesso de me espantar com o gosto e os conhecimentos que o Sr tem sobre os equipamentos e a história da Arma de Transmissões. Até acaba a descrever a capa das Instruções do H.4, que são tal e qual como diz, estou com o caderno na mão!!! Obrigado pelo seu comentário.
Senhor Coronel
Esse manual já esteve em meu poder, por cedência muito amável de um anterior comandante dessa unidade, para ser cuidadosamente fotocopiado a cores com a melhor máquina a que tive acesso. Ele é uma das peças mais interessantes, em termos de documentação, que me passaram pelas mãos. O cuidado na sua manufatura lembra-me uma iluminura. Outros tempos, como compreenderá…
Atenciosamente
Freitas
Os textos, que considero de elevada qualidade, do coronel Canavilhas e do senhor João Freitas sugerem-me os seguintes comentários.
O exemplar post do coronel Canavilhas ao aproveitar documentos do Arquivio da CHT. está mais uma vez a demonstrar a utilidade do Arquivo e a convidar implicitamente a sua utilização como base compensadora para a execução de posts.
Em relação à referência do coronel Bastos Moreira ao Marconi H4 no vol 2 das suas “Notas” (pág.25), não tenho dúvidas de que se trata deste equipamento, embora não o designe explicitamente mas apenas por Marconi(1)
Ao iconsiderar a entrada do Marconi H4 em Portugal no período que termina em 1920, quanto a mim comete um erro evidente(2), pois isso só se verificou em 1934, como assinalaram..
No entanto ainda queria deixar aqui duas dúvidas que tenho.
A primeira diz respeito a não perceber porque é que em 1934 se comprou material de transmissões de campanha, em quantidades reduzidas. Seria para instrução?
A segunda diz respeito á seguinte frase do coronel Bastos Moreira , também a pág.25 do 2ºVol das Notas.,,,,, “é adquirido um pequeno lote de Estações Marconi de Campanha embora tivessem sido empregadas no serviço fixo permanente”.
Não percebo o que isto significa. Comprámos estações que já estavam (antes de 1934) ao serviço nas redes fixas? Como é que é possível se as duas estações foram entregues em 1934 á Companhia de Telegrafistas?
Por outro lado, na rede radiotelegráfica os equipamentos usados tinham potências muito superiores aos 10W do Marconi H4 (ver livro A. do Paço pág.170 a 172).
Será que no período logo a seguir à IGM, quando proliferavam greves e foi aplicado este material na rede permanente havia aparelhos destes? O que não posso responder pois não sei se o Marconi H4 já existia na IGM, o que julgo não aconteceu ..
(1) Basta comparar a caraterização que o cor Bastos Moreira faz do equipamento: ” …trabalhava em grafia e fonia, simplex ou duplex, em comprimento de onda entre 95 e 150 metros” e compará-la com a que o post do cor Canavilhas apresenta no 3º parágrafo.
(2) O que não invalida a enorme consideração que merece a sua obra.
Senhor Major General Pedroso de Lima
Em resposta às suas dúvidas, estou curioso em saber a sua opinião (ou a dos outros participantes) sobre o seguinte; O Tenente Afonso do Paço em “As comunicações militares de relação em Portugal, subsídios para a sua história” ed. de 1938, refere-se na pagª. 168, a “nomeadamente quatro estações de TSF de 40Watts que foram instaladas respectivamente em Mafra, Leiria, Vendas Novas e Quartel General do Governo Militar de Lisboa em substituição do material de campanha que lá se encontrava”(sic). Serão estes postos os “nossos” Marconi H-4 ?
Atenciosamente
João Freitas
P.S. Este livro será outra obra fundamental para a história das nossas comunicações militares, pena é que alguns dos postos apenas sejam identificados pela sua potência.
Considero este Poste de elevada qualidade, como nos acostumou o autor – Coronel Canavilhas. A descrição técnica deste equipamento vem também nas “Instruções Técnicas do Pessoal de Telegrafistas (pag. 369 a 385), publicação do Regimento de Telegrafistas, para a Instrução da recruta de 1935, tendo como Comissão de Redacção: Cap. Paulo Brito Aranha (Director de Instrução), cap. Florentino Bernardo das Neves (Adj. do D.I.) e Tenentes Luís Ribeiro Viana, Luís da Câmara Pina, Carlos M. L. S. Freire, Armando J. M. Girão e Gijsbert Andringa: Foi impresso, em 1935, pela Imprensa Libano da Silva, com oficinas na Travessa do Fala Só, 24. Lisboa.
Além da descrição do material referido no Poste, esta publicação trata igualmente do seu funcionamento e reparação de avarias.
cruz fernandes
Procurando responder diretamente à pergunta do Senhior João Freitas (de 07/07) direi que não sei se os equipamentos que, segundo A: do Paço.(1) foram instalados, em 1915, em quatro locais da rede permanente eram ou não equimentos Marconi H4.
Julgo que poderiam ter sido os Marconi H4 os equipamentos utilizados.
No entanto, considero de apontar a seguinte contradição que, para já desconhecendo a potência do Marconi H4 não tenho informação para chegar a uma conclusão.
A contradição consiste em que A,do Paço indica que os equipamentos instalados têm 40 W de potência, enquanto que o cor Bastos Moreira (2)afirma que os postos “com a potência de 10W. atingiam a distância de 30 km em telefonia”, alcance que no post do cor Canavilhas é indicado por “as experiências então efetuadas permitiram obter ligações até 30 Km.”.
Se assim fosse os equipamentos eram diferentes
Talvez ajude a encontrar solução para o problema o esclarecimento da potência do Marconi H4, o que no RTm devo conseguitr.
(1) na pág 168 do seu notavel livro de referência “As Transmissões Militares de relação em Portugal” .
(2) na pág. 25 das suas “Notas”, volune 2
Penso que o Sr. General Pedroso Lima deverá querer dizer que essas quatro instalações foram efetuadas em 1936, embora Afonso do Paço não seja claro na data. É curioso ele não se referir a nenhum material com 10W de potência (nem de 5W, como veremos) nos anos 30, sendo os Marconi aparelhos modernos na altura.
O Cor. Bastos Moreira no “Jornal do Exército”, em artigos com o título “Transmissões, breves apontamentos históricos” dedica um deles ao “H-4”. Nele diz que este aparelho tem uma potência de 5watts e um alcançe de 20 a 40 quilómetros. Esse mesmo valor é referido no tal manual feito em Portugal. Bastos Moreira diz-nos também nesse breve artigo que: “Destinado especialmente ao serviço de campanha ele foi também utilizado como posto fixo da rede do Serviço Telegráfico Militar” (sic)
Infelizmente apenas guardei, por razões de espaço, a folha do artigo em questão com o nº da página (49 e 50), mas sem o ano ou o mês…