Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:
Este post continua a tratar do problema da utilização de bandeiras como meio de sinalização no nosso Exército.
Como em muitos outros problemas do passado, o historiador (ou o que está a aprender a sê-lo, historiando) apenas pode referir a utilização do uso das bandeiras no Exército português, com base num documento escrito fiável. O facto de a utilização ter acontecido na altura em que é narrada, não significa, evidentemente, que dê qualquer garantia que não possa ter sucedido antes[1]
Esta distinção entre a “a primeira utilização” e a “primeira utilização relatada” está bem patente na seguinte descrição que Gerard Pehrson apresenta [2] transcrita do livro A Vida dos Nobres Gregos e Romanos, do historiador romano Plutarco (46-120 DC) que refere um acontecimento que teve lugar em 410 AC , num capítulo dedicado ao estratega grego Alcibíades, do seguinte modo:
“ À primeira vista as duas pares em conflito tinham impressões falsas; o inimigo estava cheio de coragem e os atenienses aterrorizados. Mas Alcibíadas, subitamente, no navio almirante içou a bandeira ateniense, o que significava, para as galés poliponésias, que estavam em vantagem e passavam a ser os perseguidores.”
Explica a seguir que Alcibíades, no passado, tinha estado várias vezes contra Atenas e que na batalha que se referiu não era clara a sua posição a favor de um ou outro dos contendores. Ao içar a bandeira ateniense no seu navio as dúvidas dissiparam-se e a atitude ateniense mudou completamente.
Esta descrição, de há mais de 2400 anos, relata o uso das bandeiras (no mar) para sinalização[3] o que foi corrente na Marinha portuguesa, inclusivament6e na época dos Descobrimentos.
Em Portugal e no Exército o coronel Bastos Moreira refere [4] que “Nas campanhas napoleónicas foram muito utilizadas as bandeiras para a transmissão de mensagens.[5]
Entre nós, no último quartel do século passado (1984) adotaram-se bandeiras de sinais com haste. Eram de pano de algodão, de forma retangular (0,90×1,00m) Ao seu comprimento eram divididas por duas faixas de 0,45m, uma branca e outra encarnada. A haste era de madeira com 1,80m de comprimento.”
A figura apresentada mostra as 3 posições da bandeira (A, B e C) para transmitir sinais utilizando o código Morse (único que utilizava) .
A posição A representa a posição normal.
Para se transmitir um ponto levava-se a bandeira da posição normal à da figura B e voltava-se imediatamente à posição normal.
Para se transmitir um traço levava-se a bandeira da posição normal à da figura C e voltava-se à posição normal.
No ano de 1884, em que, como se disse, teriam sido adotadas estas bandeiras foi feita uma reforma no Exército (a chamada reforma fontista) que criou a primeira unidade de Transmissões de campanha do Exército português.[6]
De referir que no caso de se seguir uma interpretação semelhante à seguida para o içar da bandeira do seu navio por Alcibíades, podemos considerar que o uso das bandeiras em Portugal, para transmitir mensagens semelhantes, foi muito anterior ao século XIX.
Com efeito, João Gouveia Monteiro[7] diz-nos o seguinte:
“Uma última técnica de comunicação visual largamente utilizada em tempo de guerra, mas neste caso para distâncias mais curtas, consistia no recurso a bandeiras , estandartes ou pendões. Isso era bastante vulgar, por exemplo, no decurso das batalhas, funcionando como um sinal para os diferentes grupos que compunham as hostes atacarem ou para abandonarem o campo de batalha ou ainda para reagruparem em local apropriado. Compreende-se bem o recurso a este tipo de solução, tendo em conta que, durante os combates, o terçar das armas e o trespassar do corpo dos guerreiros e das suas montada provocava seguramente um alarido tal que tornaria inútil qualquer ordem de comando dada por meio de vozes. Aliás o sábio Sun Tzu [8] , percebera já isso muito bem, escrevendo ele que “os homens e os oficiais são, pois , mandados avançar ou recuar de acordo com o movimento de bandeiras e guiões e mover-se ou estacar por meio de sinetas e tambores. Assim nem os valorosos avançam isolados nem os covardes fogem”.
Dado que Sun Tzu viveu entre 544 e 456, como o acontecimento de Alcibíades considerado por Pehrson se reporta a 410, segue-se que o livro da FPC antecipa em mais de meio século, com a citação que faz de Sun Tzu, o exemplo da utilização de bandeiras para fazer sinais, o que, em meu entender só honra a investigação portuguesa na área da história.
[1] O que provavelmente aconteceu pois o uso de bandeiras de sinais já era utilizado pela Marinha há vários séculos.
[2] No livro The Early History of Data Networks, pág.
[3] As duas referências históricas mais conhecidas do uso das bandeiras de sinais na Marinha são a célebre mensagem de Nelson á sua esquadra antes da Batalha de Trafalgar, em 1805: “A Inglaterra espera que cada homem cumpra o seu dever” e a que aparece numa das cenas finais do célebre filme de Eisenstein “O Couraçado Potenkin” em que o couraçado passa entre a esquadra russa dada a seguinte mensagem, dos marinheiras revoltad couraçado os “Juntem-se a nós”.
[4] Notas, 2º Volume, pág.2
[5] Não conhecemos de que tipo.
[6] A Companhia de Telegrafistas, inserida no Regimento de Engenharia.
[7] COELHO, Maria Helena da Cruz coord., As Comunicações na Idade Mádia,Fundação Portuguesa das Comunicações, 2002, Lisbos, pág.181
[8] TZU, Sun, A Arte da Guerra,Lisboa, Publicações Europa-América, s/d pág.72-73