Nos anos finais da Guerra Colonial, entre 1970 e 1974, os regimes políticos de Portugal, África do Sul e Rodésia envolveram-se numa aliança militar a que chamaram “Exercício Alcora”. O acordo foi assinado em Setembro de 1970 e ratificado depois pelos respectivos governos, vindo a realizar-se a primeira reunião formal de alto nível em Março de 1971, já com representantes dos três governos.
Nas reuniões então efectuadas, para além de outras orientações de cooperação e de auxílio mútuo, face às ameaças comuns que foram definidas para os respectivos territórios da África Austral, foi decidido constituir várias subcomissões técnicas, a fim de serem estudados os dossiês de cada área com importância para a concretização dos objectivos da aliança. Uma das subcomissões chamou-se Subcomissão de Telecomunicações e Guerra Electrónica, que realizou a sua primeira reunião em Pretória, entre 21 e 24 de Setembro de 1971.
Os resultados desta primeira reunião (realizar-se-iam seis reuniões deste tipo até ao 25 de Abril) foram analisados numa informação para “apreciação do E.M.E.” pelo “Delegado do Exército no Grupo Português”, coronel Engenheiro de Transmissões José Francisco Fernandes Basto.
A exposição está dividida em duas partes, designadas “Posições básicas recomendadas na reunião” e “Trabalhos consequentes a realizar por cada país”, sendo que para cada uma são analisadas tanto as “comunicações fixas” como as “comunicações tácticas”.
No primeiro caso, e quanto a comunicações fixas, as posições básicas foram as seguintes: 1º – “As possibilidades existentes entre os países Alcora devem ser complementadas por canais entre os respectivos Altos Comandos (incluindo portanto Lisboa) em ordem a tornar adequada a ligação entre estes com vista a operações coordenadas”; 2º – “Recomendaram-se quais os canais a estabelecer”.
Estas recomendações dos delegados à reunião mereceram o seguinte comentário ao relator: “Comentários: Julga-se de muito interesse a posição para Portugal pois permitirá não só obter uma contribuição para a realização da ligação NAMPULA-LUANDA como obter roteamentos entre LOURENÇO MARQUES e NAMPULA (outras vias além dos canais directos já existentes) e entre LOURENÇO MARQUES e LUANDA (via Simonstown).
Dado que foi considerada nos interesses Alcora a inclusão de LISBOA nestas ligações, como nos pareceu não poder deixar de ser, muito importante contribuição pode surgir também para o melhoramento das vias existentes LISBOA-LUANDA, LISBOA-NAMPULA e LISBOA-LOURENÇO MARQUES, bem como roteamentos intermediários.
O Exército mantém, através do S.T.M. canais em quase todas as posições referidas pelo que dentro do país o assunto tem especialíssimo interesse para o Exército (a Marinha estará também muitíssimo interessada, no que se refere principalmente à via Simonstown, e possivelmente o assunto terá limitado interesse para a Força Aérea”.
O relator aborda, em seguida, a questão das comunicações tácticas, resumindo “as necessidades prováveis a satisfazer”, como sendo o estabelecimento de “comunicações laterais, a vários níveis de comando, entre forças que operem numa mesma área em operações conjugadas” e o estabelecimento de “comunicações terra-ar para meios aéreos em apoio das próprias forças, ou das de outro país Alcora”.
No dizer do relator, estas necessidades introduziam “o problema da compatibilidade de equipamentos” tendo levado à recomendação de uma posição transitória baseada em oficiais de ligação integrados, tanto para as comunicações laterais, como para as ligações terra-ar.
Ora, como as circunstâncias não permitiam ir mais longe, o relator alongou-se no seu comentário sobre a compatibilidade: “Contudo imediatamente se introduz com esta posição, como com qualquer outra envolvendo cooperação ou mesmo conjugação, o problema crítico da compatibilidade de equipamentos (‘modos’ de funcionamento e ‘frequências’ possíveis). Sensível em comunicações de superfície, torna-se crítico nas ligações terra-ar pelas restrições próprias das aeronaves, estreitando ainda mais o campo das soluções possíveis (…) e consequentes limitações de espaço e tipo de antenas e portanto frequências a usar (…). Acresce que há interacção entre as soluções para os dois tipos de ligação –superfície e terra-ar – pois que não convém que as forças de terra sejam forçadas a ter equipamento adicional apenas para uso no apoio aéreo. (…)”.
Depois de várias referências a outros assuntos igualmente abordados na reunião da Subcomissão Alcora, o relator acrescenta ainda: “Julga-se a posição de muito interesse para o Exército, na medida em que a Força Aérea a aceite, pois resolve uma incompatibilidade ainda não resolvida completamente no nosso apoio aéreo e que tenderia a agravar-se severamente com a eventualidade do uso de aeronaves de características supersónicas em tal tipo de acções, ainda que no seu decurso o voo seja subsónico”.
São em seguidas abordados os trabalhos subsequentes a realizar por cada país, tanto no que respeita às comunicações fixas como tácticas, sendo que essas questões foram no essencial adiadas para a próxima reunião desde logo marcada para Lisboa, de 22 a 26 de Novembro de 1971.
Em próximo texto faremos a análise dessa segunda reunião da Subcomissão de Telecomunicações e Guerra Electrónica do Exercício Alcora, nome este adoptado como uma forma indirecta de designar a aliança militar construída pelos governos da África do Sul, Portugal e Rodésia nos últimos anos da Guerra Colonial, entre 1970 e 1974.
Este post do coronel Aniceto Afonso tem a virtude de, pela primeira vez, se referirem às Transmissões no “Exercício Alcora”., apresentando o conteúdo do relatório da primeira reunião da Subcomissão das Telecomunicações e Guerra Electrónica do “Exercício” e prometendo a continuação da publicação dos correspondentes às reuniões seguintes.
Como não acompanhei, nesta altura o “Exercício” , vou limitar-me a seguir os relatórios das reuniões seguintes, a publicar neste Blog, mas aproveito para convidar os camaradas que tenham acompanhado o “Exercício Alcora” apresentem o eu testemunho sobre os sistemas de transmissões permanentes e táticas, efetivamente montados para apoio do Exercício.