CONCLUSÕES E ENSINAMENTOS

Introdução

Depois de tão longo relato das atividades do Serviço de Telegrafistas feito pelo seu responsável, capitão Soares Branco, este não podia deixar de se debruçar sobre os ensinamentos colhidos em tão dura experiência, tirando daí as respetivas conclusões. Foi o que procurou fazer nas páginas finais do seu relatório.

Soares Branco começa por se referir aos princípios a que obedeciam as ligações no campo de batalha, ditadas pelos regulamentos ingleses e não deixa de observar, logo de início, que essas regras foram adequadas enquanto a iniciativa dos ataques pertenceu às tropas aliadas, com superioridade de artilharia, mas não se mostraram capazes quando a iniciativa passou para o campo inimigo.

Contudo, sem mais demora, Soares Branco passa à descrição geral do sistema de comunicações divisionário preconizado nas normas inglesas, descrevendo a malha principal da rede de ligações na frente de cada Divisão.

Passa depois a descrever o sistema inimigo, realçando as diferenças e semelhanças, constatando que o “sistema de comunicações é aproximadamente idêntico”.

Por fim, Soares Branco resume, em cinco pontos, os ensinamentos que devem retirar-se da experiência que o Serviço trazia de França, contribuindo assim para a “solução do problema”.

A malha divisionária

A malha de ligações na zona de ação de uma Divisão regia-se pelos princípios preconizados no manual “Inter-comunication in the Field”, publicado em novembro de 1917. O traçado dessa rede é assim descrito por Soares Branco:

Nas suas linhas gerais considerava-se cada frente Divisionária como atravessada por um grande troço longitudinal, cujo extremo anterior constituía um centro avançado de comunicações e o posterior devia dar entrada ou directamente ou por intermédio de algum outro troço transversal do Exército, no posto central do QG da Divisão.

Paralelamente à frente e ligando os extremos desses troços na sua parte anterior devia correr um novo condutor múltiplo nunca da 1ª linha distante menos que um quilómetro.

Nos extremos correspondentes ao limite avançado da zona das Baterias e a linha dos Grupos e Brigadas de Infantaria, dois outros troços transversais completavam o sistema.

A cerca de 7 quilómetros da linha da frente e reunindo lateralmente todos os centros Divisionários extremos posteriores dos troços longitudinais já referidos, deveria ainda ser construído um novo traçado de condutores múltiplos que permitisse assegurar as comunicações para os QG dos Corpos e estações de área e de sub-área.

Esta rede principal devia ser enterrada a 1,80 metros de profundidade, uma vez que se situava em áreas sujeitas a frequentes e intensos bombardeamentos de artilharia. Dos troços longitudinais avançados eram lançados os cabos para a frente, para as posições ocupadas, mesmo quando houvesse movimentações de ataque.

Contudo, se a situação a prever fosse uma defensiva, com possibilidades de retirada, então a rede deveria ser começada da retaguarda para a frente, uma vez que a frente poderia sempre estar prestes a ser abandonada.

No seu conjunto, para garantir a continuidade e a segurança de um tal sistema, “muito tempo, material e pessoal (se) exigia”.

Completando o sistema era finalmente necessário ter em atenção os QG dos Corpos, como observa o relatório:

Completando o sistema de cabos enterrados havia para a retaguarda da linha dos QG Divisionários linhas aéreas para as comunicações com os QG dos Corpos e as centrais das áreas e sub-áreas.

Para a frente dos QG Divisionários a rede óptica, de Telegrafia Sem Fios e TPS duplicavam as ligações mencionadas havendo também nos Batalhões e Brigadas pombos-correios.

O sistema de comunicações do inimigo

Quanto ao sistema de comunicações do inimigo, Soares Branco apresenta um panorama geral, começando por afirmar as poucas diferenças existentes:

A analogia entre os dois modos de estabelecer rede de comunicações ressalta imediatamente à vista, embora sejamos obrigados a reconhecer que entre os alemães há uma maior adaptabilidade à guerra de trincheira ou à guerra de movimento.

De uma forma geral, é esta a ideia que Soares Branco apresenta das comunicações alemãs, das suas ligações e das suas prioridades:

Cada Divisão sendo composta de uma Brigada de Infantaria a três Regimentos de três Batalhões cada um, um comando de Artilharia tendo sob as suas ordens um comando de Artilharia Pesada e um comando de Artilharia de Campanha, possui uma central divisionária com ligações para duas outras, uma para a Infantaria e outra para a Artilharia.

A central de Infantaria directamente ou por postos intermédios está ligada às centrais de cada Regimento por meio de comunicações telefónicas, ópticas, TSF e de estafetas.

A seu turno, cada central de Regimento tem comunicações para o comando das tropas em 1ª linha por meio do telefone, estafeta, postos ópticos, de Sem Fios e power buzzer e amplificador, e para o comando das tropas em apoio pelo telefone e postos ópticos.

As ligações geralmente empregadas entre o comando das tropas em 1ª linha e as suas companhias são telefónicas, ópticas e por estafetas.

Um posto de telegrafia sem fios e power buzzer em cada sector de Batalhão é de uso estabelecer-se bem como para as comunicações laterais para um dos comandos de tropas em 1ª linha contíguos.

Os pombos-correios são geralmente destinados a manter comunicações entre os comandos das tropas em 1ª linha, os comandos dos regimentos e os postos de observação da Divisão, por intermédio do respectivo pombal.

Por cada sector divisionário pelo menos um posto de observação principal avançado tem ligações telefónicas, ópticas e por Sem Fios, directamente com a central da Divisão.

As ligações laterais são sempre estabelecidas como reserva das directas.

Na Artilharia cada comando da Artilharia de Campanha tem ligações telefónicas e ópticas com os Grupos e com o balão de observação e por iguais meios tanto quanto possível são feitas as comunicações do Grupo para as suas Baterias.  

Os postos de observação directamente ou por intermédio de centrais estão ligados pelo telefone com as suas Baterias.

Dentre os postos de observação, um pelo menos em cada sector de Grupo tem com o comando deste ligações por telegrafia óptica, Sem Fios e telefonia.

As comunicações da Artilharia Pesada são análogas às da Artilharia de Campanha havendo contudo comunicações por TSF mais frequentemente empregadas mesmo entre o comando da Artilharia e os seus Grupos.

Os pombos correio são frequentemente empregados nos postos de observação principais.

Linhas entre as centrais da Artilharia e as da Infantaria completam o sistema já descrito e servem para que as ligações privativas da Infantaria e Artilharia possam servir de recurso umas às outras.

Os ensinamentos

Soares Branco, perante este panorama geral, vai apresentar as suas conclusões, no sentido de ajudar a solucionar futuras situações. Mas antes apresenta uma ideia geral sobre o sistema que acaba de descrever:

Mesmo que o sistema de cabos enterrados inglês pudesse ser facilmente executado eu suponho que ele, satisfazendo plenamente os comandos nas preparações de operações de pequena envergadura, sendo capaz de resistir a bombardeamentos normais do inimigo, encerrava em si perniciosos gérmenes para a sequência das operações de maior vulto quer estas fossem ofensivas ou defensivas.

Habituava os comandos à ideia de que o telefone, e só ele, era o meio que possuíam para a transmissão das suas ordens.

Incutia a todos a ideia de que só pelo telefone se transmitem informações e quando este falhava os restantes meios de comunicação só os sabiam empregar para dizer que não havia comunicações.

O telefone é óptimo recurso quando uma marcha se detém e é forçoso dar conhecimento ao comando do que se passa e dele receber ordens, mas cuja utilização continuada é impossível manter quando o inimigo sabe e pode reagir, é mais um bom auxiliar para as suas relações administrativas do que para as operações defensivas.

Finalmente e em cinco pontos, o capitão Soares Branco apresenta o essencial dos ensinamentos a recolher da sua experiência com o funcionamento do Serviço Telegráfico em França, uns tratados com maior brevidade e outros com bastante detalhe.

O primeiro ponto é simples e curto. Diz o seguinte:

As condições impostas a qualquer sistema de comunicações a estabelecer na área dum sector de Corpo ou de Divisão são de segurança, velocidade de transmissão e simplicidade, devendo as duas últimas ser sempre subordinadas da primeira.

O segundo ponto refere-se à influência dos aspectos táticos sobre as prioridades dos trabalhos a executar e é assim apresentado por Soares Branco:

A situação táctica das tropas sendo imposta e as suas ligações sendo a resultante daquela, cada variação de dispositivos tomados para as operações arrastará novos arranjos a realizar para o ST.

Um sistema de comunicações será tanto melhor quanto mais se puder adaptar às diferentes situações tácticas que às tropas forem impostas.

As necessidades de ligações de ordem administrativa deverão ser sempre consideradas de somenos importância para que pela complexidade que acarretem para o sistema não tornem precárias as ligações importantes.

Quando na resolução do problema brigarem exigências de comunicações para operações de ordem ofensiva com outras de ordem defensiva ou resultado de um ataque inimigo, a estas últimas deverá ser dada prioridade.

No estudo da rede a estabelecer, além de pelo Estado-Maior deverem ser a tempo fixados os respectivos comandos e postos de comando e de observação principais a manter em íntima conexão, torna-se de capital importância que pelo comando da Artilharia seja igualmente indicado quais os Grupos que julga deverem ser reguladores da transmissão de ordens e informações, qual a zona provável das Baterias da defesa e dos postos de observação principais a utilizar.

São sempre muito maiores as dificuldades a vencer para satisfação das necessidades do serviço de Artilharia do que as do sistema geral das restantes tropas e comandos de uma grande unidade e por isso deve-se começar por o estudo da rede privativa daquela Arma.

O terceiro ponto refere-se aos diferentes meios de comunicação e à análise das suas possibilidades e do seu uso, por forma a retirar de todos o melhor rendimento. Diz o seguinte, no essencial:

Não há hoje em dia nenhum meio de comunicação que possa ser julgado como infalível e seguro e só uma cuidadosa sequência de emprego de vários meios à medida que os anteriores vão falhando é que pode oferecer probabilidades de segurança e êxito. (…)

A TSF e a TPS estabelecidas em bons abrigos são de indispensável emprego para duplicar todas as principais linhas telefónicas devendo os power buzzer e amplificadores ser empregados desde a 1ª linha até aos comandos de Brigada. Os postos de TSF nestes últimos comandos ou centros importantes de comunicações situados a mais de 2500 metros da linha da frente conjugados com postos duplos de amplificador e power buzzer da frente, deverão completar o sistema até às estações adstritas aos comandos das Divisões e Corpos.

O número de postos desta natureza tem de ser naturalmente limitado. (…) Os postos de TSF poderão ser afectos às Brigadas, Grupos de Artilharia Pesada, centros importantes de observação de sectores divisionários ou de postos de observação muito importantes para a Artilharia.

As comunicações ópticas que nem todos os terrenos permitem e que nem sempre as condições atmosféricas tornam possível devem ser destinadas a substituir, tanto quanto possível, os postos de TSF e de TPS servindo desta forma para duplicar também as ligações telefónicas e aligeirar a rede radiotelegráfica. (…)

Os pombos-correios podem prestar excelentes serviços entre os comandos dos subsectores ou postos de observação importantes para os comandos das Divisões não sendo para recomendar o seu emprego para pombais estacionados a menos de 6000 metros da linha da frente.

As estafetas a cavalo, de motocicleta, bicicleta ou a pé devem constituir a base de todo o esquema de ligações no caso de corte de comunicações. (…)

O quarto ponto é o mais complexo e longo, referindo-se aos planos de trabalho para a montagem de um sistema completo de comunicações, prioridades a estabelecer, alterações segundo a situação tática, uso dos meios e adaptação do sistema às necessidades do comando das operações.

Em resumo, diz o seguinte, para o caso, que refere, de uma Divisão chegar a um local designado para se estabelecer:

(…)

Obedecendo ao princípio de que as ligações devem de começo estabelecer-se de centros avançados de observação e informações até centros de comunicações à retaguarda por meio de um troço principal duplicado conforme os meios de que dispõe por telegrafia óptica, Sem Fios, estafetas, pombos-correios, etc., montar-se-ia por cada sector de Brigada na linha uma estação avançada em correspondência com a anteriormente estabelecida na última posição.

Soares Branco passa então a explicar como se deveriam continuar os trabalhos, não se esquecendo de mencionar a necessidade de os sinaleiros escolherem um local facilmente visível para os estafetas se poderem corresponder por telegrafia ótica e por “Sem Fios”. Seria depois necessário estabelecer um centro com “pelo menos dois circuitos telefónicos para a Infantaria e dois circuitos idênticos para a Artilharia de Campanha e Pesada”. E prossegue:

Por cada sector de Grupo de Artilharia de igual modo se procederia para o estabelecimento de comunicações entre a região dos postos de observação e anterior central estabelecida.

A estes postos avançados de informações seriam levadas todas as mensagens a transmitir para a retaguarda e deles seriam expedidas todas as ordens para os comandos subalternos. (…)

A nova central divisionária ainda em ligação de começo somente com os postos de comando primitivos das Brigadas viria só depois estabelecer-se para junto de um dos postos avançados das Brigadas. (…)

Assim deveria haver sempre, depois de montada a central de Divisão, comunicações tanto quanto possível seguras para um centro de observações divisionário e para os postos avançados de comunicações das Brigadas na linha.

Com esta base, Soares Branco insiste na necessidade de hierarquizar os meios de transmissão, continuando a entender que o telefone não deve figurar nessas prioridades, antes funcionar sobretudo para o tráfego administrativo.

A ordem pela qual deveriam ser estabelecidas os diferentes meios de comunicações deveria ser a de telegrafia óptica, estafetas, TSF e telefonia. (…)

Logo que as condições o permitissem dever-se-ia procurar estabelecer uma ou mais estações ópticas divisionárias que não só recebessem mensagens das estações das Brigadas como de quaisquer outras dos Batalhões que para tal tomassem a iniciativa.

Nas ligações da Artilharia procurar-se-á que depois de construir o troço principal entre a central de observações e os comandos dos Grupos e empregados nele todos os meios de comunicação disponíveis entre os quais deverão contar-se postos de Sem Fios de ondas contínuas, alguns dos principais postos de observação sejam também directamente ligados aos comandos por Sem Fios, postos ópticos e pombos-correios, estabelecendo-se igualmente as ligações para os oficiais de ligação da Artilharia. (…)

Desta primeira fase em que por assim dizer as ligações telefónicas não vão além das Brigadas e Grupos de artilharia e centrais de postos de observação, e em que todos os outros meios de comunicação são empregados em reforçar estas ligações e a podê-las estender aos comandos subalternos, pode passar-se segundo a situação táctica ou para a guerra de movimento sem avanço metódico ou para uma defesa mais ou menos prolongada.

Quaisquer linhas necessárias apenas para ligações administrativas não deveriam nunca ser fortemente protegidas e o uso do telefone excluídos os casos das ligações da artilharia e dos postos de observação deveria ser totalmente interdito. Só assim os comandos se habituariam à precisão das ordens e informações escritas, a fazer uso da telegrafia óptica, da Sem Fios, dos pombos-correios ou dos estafetas, únicos meios que as mais das vezes em difíceis situações tácticas têm ao seu dispor. (…)

Finalmente, no quinto ponto, Soares Branco alerta para a necessidade da existência de oficiais de ligação entre as unidades e para a fragilidade das informações fornecidas pelos novos meios, balões e aeroplanos:

Dever-se-ia sempre atender a que os meios de informação para o comando serão sobretudo baseados pelas mensagens enviadas por qualquer meio pelos oficiais de ligação que devem sempre existir junto de cada comando como representantes do comando imediatamente inferior e que os meios de transmissão já apontados e os provenientes de balões e aeroplanos, constituindo facilidades para a chegada rápida das informações, não podem pelo facto de mecanicamente serem interrompidos constituir causa suficiente para a interrupção das relações que entre os diferentes comandos hierarquicamente dependentes ou contíguos deve sempre existir.

Uma conclusão

Aqui deveria terminar o longo relatório de Soares Branco acerca da sua experiência como chefe do Serviço Telegráfico do CEP, em França. Mas, segundo o seu ponto de vista, sempre meticuloso, restava ainda falar do período que se seguiu ao 9 de Abril, durante o qual deixou de existir na prática o Serviço Telegráfico. Por isso Soares Branco introduz o capítulo VI, de que falaremos mais adiante.

Mas o essencial dos ensinamentos que Soares Branco deixa aos seus sucessores fica expresso no seu relatório. Ele teria oportunidade de o apresentar numa sessão solene na Academia Militar e de o publicar na Revista de Artilharia, dando-lhe assim a divulgação que na época lhe pareceu necessária.

É porventura a altura de voltar atrás e destacar algumas palavras de lamento, das poucas usadas por Soares Branco ao longo do seu relatório, inseridas numa fase de grande responsabilidade perante os factos que se iam tornando inexoráveis: “Quando uma guerra é um facto e uma Divisão é mandada entrar em linha, quando os Serviços expõem a tempo o que lhes é absolutamente indispensável, quando os Comandos perfilham e apoiam essas requisições, é triste ver-se obrigado, na rendição duma Divisão Inglesa por outra Portuguesa, a patentear a estrangeiros ou o pouco crédito que perante os superiores merecem as nossas afirmações, ou as deficiências inacreditáveis da nossa preparação para a Guerra”.