A Escolinha surgiu devido a uma série de felizes acontecimentos que proporcionaram a sua criação.

Assim, é preciso referir que se estava nos primeiros tempos da instalação do acampamento do batalhão numa área descampada, que era o local do estacionamento temporário dos contentores e equipamentos necessários para montar a infraestrutura do acampamento.

Nessa altura, a área de estacionamento localizava-se junto a habitações da população local e era uma zona aberta que era visitada por uma série de crianças da zona, que pela curiosidade e facilidade de acesso vagueavam pelo acampamento.

A Escolinha estava instalada junto ao caminho pública perto da Porta de Armas

Esta situação criava um problema sério, particularmente durante as refeições, pois, os miúdos, devido à sua pobreza, estavam permanentemente à volta dos restos de comida que os soldados deitavam fora, o que causava um constrangimento grande.

Observando a situação com o meu 2º Comandante, Joaquim Stone, vimos que teríamos que encontrar uma solução sem ter que expulsar os miúdos, pelos quais o pessoal já nutria algum afeto.

Assim, um dia pedi ao meu Sargento Mor que reunisse a miudagem para falarmos com eles, tendo em vista saber quais as atividades que lhes poderiam servir de motivação para estarem juntos e não espalhados pela zona.

Quando o grupo se juntou com a curiosidade própria da criançada, comecei por lhes perguntar se não tinham que ir à escola, ao que responderam que sim, embora preferissem andar à solta a brincar, em vez de frequentar as aulas. Perguntei-lhes de seguida se gostariam de jogar à bola, pois reservaria um local para o efeito, ao que responderam com grande entusiasmo que sim.

Entretanto, perguntei-lhes o que é que aprendiam na escola e se sabiam ler. Qual foi o nosso espanto quando disseram que não sabiam ler. Insisti. Então andam na escola e não sabem ler nem escrever? Responderam que andavam na escola mas não aprendiam bem. Então perguntei se gostavam de aprender a ler e a escrever.

Sargento-Ajudante António Augusto Casimiro responsável, pelo Serviço Postal Militar

O nosso espanto foi maior ainda quando os miúdos disseram que gostavam de saber ler e escrever preferencialmente à atividade de jogar à bola. Foi realmente surpreendente ver o desejo que os miúdos tinham por aprender.

Ao princípio não acreditámos que era um desejo para virem a levar a sério, mas, de qualquer maneira, mandei chamar o Sargento Casimiro, que era um homem mais idoso, muito paciente e amigo de ajudar, que desempenhava na altura as funções da correspondência, entre outras, e disse-lhe: Casimiro, está nomeado para ensinar a miudagem a ler e a escrever. Ele retorquiu dizendo que não sabia o que ensinar nem como o fazer. Disse-lhe: Casimiro, não preciso que tenha grande perfeição; basta que lhes ensine o “b” “a” “ba”, “1+1” igual a “2” e por aí fora, para poder tê-los juntos, entretidos e satisfeitos, sem andarem espalhados pelo acampamento.

Como calculávamos, o Sargento Casimiro, com o seu espírito bondoso, assumiu a tarefa a peito. Arranjámos uma lona que se estendeu no chão, onde os miúdos se sentaram de pernas cruzadas a ouvir o improvisado mestre a dar as suas lições num quadro improvisado.

Sargento-Ajudante António Lampreia Cravinho Responsável
técnico pela manutenção do Teleimpressores

Ainda me pôs a questão de saber se, com o tempo, os miúdos não desmobilizariam e deixariam de aparecer. Retorqui que isso não seria problema, pois o objetivo era ter a atividade para voluntários e que estivessem juntos.

Só que outra surpresa aconteceu. Os miúdos, não só não faltavam, como apareceram mais rapazes e raparigas trazidas pelas mães, todos arranjadinhos, o que começou a transformar aquela iniciativa numa coisa para levar a sério e melhorar.

Colocou-se uma rede de camuflagem para tapar o sol e juntaram-se mais elementos do Batalhão, designadamente o Sargento Ajudante Cravinho e o 1.º Sarg Paulo Alves, para colaborarem voluntariamente na iniciativa.

Entretanto, a Senhora embaixatriz visitou o Batalhão e, achando a ideia interessante, ofereceu-se para mandar vir de Lisboa uma grande caixa com cadernos, lápis, canetas e livros, que quando foram distribuídos pelas crianças, foi uma verdadeira loucura de entusiasmo.

Mais tarde recebemos a visita de professores da escola portuguesa de Maputo, que também decidiram apoiar a ideia e ofereceram carteiras já usadas e um quadro preto, que foram muito bem recebidos.

Assim, a escolinha acabou por ter um desempenho notável, que contribuiu decisivamente para ajudar a miudagem da zona a ler e a escrever e a desenvolver a sua cultura.

Primeiro-Sargento Paulo Alves – Técnico responsável pela instalação e manutenção dos terminais satélites portáteis

Os miúdos acabaram por desenvolver laços de amizade e simpatia pelo pessoal do Batalhão e, sempre que possível, era-lhes proporcionado um lanchinho, além de uma festa no Natal, onde lhes foram oferecidos brinquedos.

1 comentário em “A Escolinha do BTm4 – Um ATL para as crianças da Matola

  1. Obrigado meu General por me ter proporcionado recordar os tempos que passamos em terras moçambicanas. Foi esta atividade e tantas outras que realizamos que nos facilitou a missão. O contacto com a população foi muito importante. O espírito de adaptação aos locais e às pessoas esteve enraizado nos militares do BTm4.
    Sobre o seu artigo da escolinha, tecerei algumas palavras que vêm complementar o texto que escreveu. Também fui um dos voluntários daquela escolinha. Não era um “professor” permanente, mas um que substituía aqueles que muitas das vezes partiam para uma missão inopinada.
    Recordo quando fomos buscar as carteiras ao armazém da Escola Portuguesa de Maputo, ficando as crianças com outro tipo de condições. O Casimiro foi de facto o primeiro que voluntariamente iniciou o designado “ATL para as crianças da Matola”, sendo respeitado e o qual a criançada tratava por “Sr. Diretor”.
    De todos os “mestres escola” falta referir um que também teve um papel muito importante porque desdobrava sempre alguma falta, não deixando que a criançada ficasse sem “aulas”, o 1º Cabo Fernandes.
    Esta “atividade do Batalhão” foi por diversas vezes referida em órgãos de comunicação social portuguesa, como por exemplo; a peça jornalística titulada “O ABC do BTM4”, da jornalista Luísa Cerveira Pinto, editado em 26 de setembro de 1994, no Jornal de Notícias e do qual transcrevo um trecho: “Embrenhavam-se na escolha dos lápis que retiravam da pequena caixa distribuída a cada uma delas. Nesse dia, dedicado à aprendizagem das cores, aplicavam-se em colorir desenhos. As crianças receberam os jornalistas entoando canções tradicionais e outras que os filhos dos militares (…..) lhes tinham ensinado – “Atirei o pão ao gato/mas o gato não morreu…”.”Leiam o alfabeto, se não pensam que só sabem cantar…”, incentivou-as o Sargento Cravinho, o mestre-escola de serviço. Olhos e lábios em sorriso aberto, desfilam então as letras alinhadas no quadro.”
    Ou ainda a missiva que uma professora do Porto endereçou ao Comandante, na altura o TCor Miguel Leitão, porque ao ler nos jornais sobre criação da escolinha e sendo natural de Moçambique, a notícia tocou-a sentimentalmente, enaltecendo este ato e tendo por isso enviado material escolar.
    A escolinha também foi um estandarte da missão do BTm4!

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