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  1. Da organização das forças

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Para Massano de Amorim, que especialmente privilegiamos neste apontamento (mas cujo exemplo se poderá estender a outras expedições), os problemas surgiram quando da organização das forças, tanto no que respeita ao pessoal e material, como aos apoios em Moçambique, assim como aos reabastecimentos e recompletamentos.

Por mais bem gizada que estivesse a manobra, na previsão das várias possibilidades do inimigo, a verdade é que sem os apoios necessários, a expedição não poderia por si própria cumprir as tarefas inerentes à missão inicial e muitos menos a um aumento de encargos operacionais, como a certa altura foi exigido.

Massano de Amorim concebeu a sua força com meios operacionais e logísticos adequados à missão, ao terreno que bem conhecia e às condições que iria encontrar. Confiou no apoio que receberia do governo de Moçambique e da Companhia do Niassa, ocupante por contrato de toda a zona previsível de operações.

Apesar das providências que Massano de Amorim procurou desencadear a partir de Lisboa e mesmo na sua passagem por Lourenço Marques, em contacto pessoal e prolongado com o governador-geral Joaquim José Machado, a verdade é que, como ele próprio afirma no seu relatório: “Quando porém em 1 de Novembro desembarquei em Porto Amélia nada havia feito”. Nem estradas, nem telégrafo, nem ocupação do território, nem informações sobre o terreno ou sobre as forças alemãs, nem cobertura administrativa, nem cais acostável, nem instalações no porto de desembarque, nem forças indígenas disponíveis, nem carregadores, nem meios de navegação de qualquer espécie.

Por outro lado, a organização da força contou com várias dificuldades iniciais, pois incorporou um significativo número de voluntários, só recebeu muitos oficiais e sargentos quase na véspera do embarque e os soldados careciam de toda a espécie de instrução. Muitos militares não apresentavam compleição física necessária para integrarem uma expedição desta natureza.

Com os objetivos vagos que são apontados às expedições que partem para África, era natural que a composição das forças obedecesse ao esquema habitual, com unidades combatentes, de apoio e de serviços. Por isso, esta expedição incluiu um batalhão de infantaria, um esquadrão de cavalaria e uma bateria de artilharia, assim como um quartel-general e respetivos apoios e ainda elementos dos serviços de saúde, engenharia, administração militar e outros elementos especializados. Tudo o resto, deveria ser providenciado pelo Governo-Geral de Moçambique e pelas autoridades locais, com base em unidades indígenas e em carregadores.

  1. Da logística

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O mau desempenho das forças portuguesas em Moçambique, conclusão unânime das análises feitas à sua atuação, está também ligado à incapacidade de as dotar com os elementos fundamentais da logística.

Todos se aperceberam, desde muito cedo, das dificuldades que se desenhavam em quase todos os aspetos essenciais à manobra logística – transportes, alimentação, fornecimento de água, reabastecimentos (munições, armamento, víveres, material), instalações, comunicações terrestres, ligações telegráficas, carregadores, etc.).

Os problemas iniciaram-se durante a fase de organização da expedição, em Lisboa e também com o transporte da expedição para Moçambique e com as dotações de munições (Massano de Amorim argumenta que teve de aceitar “tais como tinham sido estabelecidas, atendendo a motivos ponderados que me foram então significados” (p. 7), ou seja, a insuficiência da produção nacional e a dificuldade de importação). Embora a expedição fosse portadora da maior parte das necessidades para quatro meses, nem sempre foi possível responder às preocupações iniciais, como por exemplo no fardamento e calçado: “estas deficiências com que lutei relativamente a fardamento e calçado e que muito influíram na saúde do soldado, resultaram principalmente da falta de previsão” (p. 15).

Embora a viagem ocupe um longo capítulo no relatório de Massano de Amorim, interessa-nos apenas salientar a dura prova por que as tropas passaram nesta longa viagem, em condições péssimas de alojamento e alimentação, o que deixou as primeiras marcas na situação sanitária das praças. Estes problemas não deixam de ser surpreendentes, se considerarmos a longa experiência do exército e da marinha em campanhas coloniais.

Mas os verdadeiros problemas começaram no terreno.

A seguir ao desembarque, um longo período foi dedicado à instalação das tropas, tornando-se necessário construir de novo ou reparar a maior parte das instalações destinadas à expedição, assim como regular o abastecimento de água, a panificação, a limpeza e higiene, a contratação de indígenas, os serviços de saúde, a telegrafia.

Tendo escolhido Porto Amélia como base de operações, Massano de Amorim sabia que a fronteira, como principal zona de ação operacional, distava da base mais de 250 km e que por isso se tornava necessária a construção de vias de comunicação e de linhas telegráficas, mas também sabia que as alternativas para bases de operações, que poderiam ser (como vieram a ser) Mocímboa da Praia ou mesmo Palma (ambas muito próximas da fronteira), eram pouco adequadas para estacionamento prolongado de tropas, em especial pelo seu clima, pela falta de instalações e pela maior dificuldade em apoios de outras entidades. As suas recomendações para futuras expedições apontavam para a manutenção da sua opção, mas a decisão política acabou por influenciar a escolha, e as bases foram depois instaladas mais a norte, com péssimos resultados, em especial no estado sanitário das tropas.

  1. Do dispositivo e articulação

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O plano de Massano de Amorim, uma vez escolhida a base de operações em Porto Amélia, passava necessariamente pela abertura de itinerários em direção ao norte e a oeste, assim como pela construção das respetivas linhas telegráficas. A manobra logística revestiu-se de características especiais que se torna necessário compreender no contexto em que foi planeada e executada.

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Tanto quanto se pode deduzir da disposição das suas tropas no terreno e das suas orientações escritas, Massano de Amorim entendia que as forças alemãs só poderiam penetrar em Moçambique, ou por uma manobra secundária que poderia ser levada a efeito junto ao Lago Niassa (“a fim de passarem para a África Central Inglesa”), ou numa manobra conjunta de infiltração, sendo que neste caso, o poderiam fazer junto à costa, com ataque a Palma e depois a Porto Amélia ou em várias direções simultaneamente (pp. 124-125).

Preconizava por isso uma defesa em profundidade, com postos de vigilância e defesa junto da fronteira, desde Pundanhar, junto à costa até Chiminde, junto ao Lago Niassa, e bases de operações no interior, constituídas por Porto Amélia, Muirite, Metarica e Metangula, a mais de uma centena de quilómetros da fronteira. Estas bases deviam ser dotadas com vias de comunicação e linhas telegráficas a ligá-las entre si e com os postos de fronteira, por forma a poder organizar-se uma resposta adequada e em tempo. Sendo também necessário manter meios navais capazes de deslocarem uma força significativa desde Porto Amélia a qualquer ponto da costa, a norte.

Mas esta estratégia carecia de tempo, apoios e reforços que os responsáveis locais (Governo-Geral e Companhia do Niassa) não estavam em condições de fornecer; carecia também de novas armas e materiais, de tropas robustas e motivadas, o que nunca aconteceu com as expedições portuguesas.

Por isso, a substituição de Massano de Amorim e da sua exausta expedição, no final da ano de 1915, foi a solução que o governo encontrou para alterar a estratégia de Massano de Amorim e responder às vozes que em especial em Moçambique se levantavam contra a alegada inércia dos militares portugueses, que, na sua opinião, em vez de defenderem a fronteira junto ao Rovuma, permaneciam, sem atividade, longe das zonas de maior perigo.

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Contudo, a 1ª expedição a Moçambique deixou executado um notável trabalho, que o seu comandante cuidadosamente refere no seu relatório: reconstrução da ponte-cais de Porto Amélia, estrada “para automóveis” com mais de 400 km de Porto Amélia para o interior (com “muitas pontes, algumas de 90 metros”), passando por Montepuez, Muirite e seguindo para Mocímboa do Rovuma. Sobre outras vias Massano de Amorim assegura que deixou praticamente concluída a rede de comunicações.

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Quanto às linhas telegráficas, Massano de Amorim encontrou a funcionar a linha Porto Amélia-Palma, assim como Porto Amélia-Moçambique, o que permitia ligação “com todas as estações telegráficas da Província” (p. 180). Para o interior não havia qualquer ligação. Iniciou por isso a construção de duas linhas, uma ligando os postos da margem direita do Rovuma, de Palma a Negomano, com mais de 250 km, e outra, avançando para o interior a partir de Porto Amélia, passando por Montepuez e depois caminhando para norte por Muirite até Mocímboa do Rovuma, com mais de 400 km. A expedição deixou em construção as restantes linhas de apoio (pp. 159-160 e 180-181).

As vias de comunicação e as linhas telegráficas correspondiam à ideia de manobra de Massano de Amorim, prudente e flexível, mas não correspondiam aos desejos do governo de Lisboa e às insistências dos responsáveis locais, que queriam as forças portuguesas a protagonizar façanhas mais notáveis, como a invasão do território alemão, como depois se veio a verificar, com os maus resultados conhecidos.

  1. Das forças aliadas

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As forças aliadas presentes na região pertenciam à Grã-Bretanha e à União Sul-Africana. Havia também forças belgas, que cooperavam com as forças inglesas no norte. Nesta primeira fase da intervenção das forças portuguesas em Moçambique, o problema não teve grande relevância, embora não deixasse de constituir uma preocupação do seu comandante. Ele sempre esperou que o comando inglês fornecesse ao comando português melhores e mais oportunas informações sobre as forças alemãs, mas isso raramente aconteceu. É necessário ter em conta que neste período Portugal era ainda um país neutral, embora sem declarar a neutralidade, na bizarra fórmula encontrada pelos governantes de Portugal e da Grã-Bretanha logo no início do conflito.

  1. Conclusões – Do comando e conduta das operações

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Quando a Grande Guerra teve início, Portugal não estava preparado para desempenhar o seu papel de potência colonial. A relação de Portugal com as colónias vinha sendo influenciada pela constante falta de recursos financeiros e pela ausência de uma estratégia adequada às capacidades reais. A situação de conflito entre potências europeias, com territórios da Alemanha vizinhos das colónias portuguesas de Angola e Moçambique, evidenciou as dificuldades de Portugal para responder à urgente necessidade de reforçar a defesa dos seus territórios.

A tradição da presença portuguesa em territórios coloniais privilegiava a instalação no litoral e a enorme dificuldade de penetração no interior, o que levou ao menor desenvolvimento das vias de comunicação com o interior e à pouca ou mesmo nula presença da administração portuguesa na maior parte dos territórios. Esta situação conduziu também à constante revolta dos povos indígenas, a que Portugal foi respondendo com expedições militares, sempre muito dispendiosas, mas capazes de cumprirem os seus objetivos.

Quando o governo português se viu obrigado a responder à situação criada pela guerra nas colónias de Angola e Moçambique, acabou por seguir o figurino anterior, já que o exército colonial não tinha qualquer capacidade militar e vinha sendo votado ao abandono desde o início do século, sem qualquer tentativa de reorganização ou de qualquer tipo de apoio, tanto do governo central, como dos governos coloniais.

Foi por isso necessário recorrer de novo às expedições militares, enviadas à pressa para Angola e Moçambique, sempre demasiado onerosas e militarmente inadequadas para o tipo de conflito que se previa. De uma forma geral, as expedições foram mal organizadas, com deficiente mobilização, com indefinida missão e fraco apoio político.

Os comandantes das primeiras expedições a Angola e Moçambique tiveram que deduzir a sua missão, tanto pelas oscilações políticas que ocorreram em Portugal, como pela indecisão que caracterizou a posição de Portugal perante a guerra.

Massano de Amorim, comandante da expedição a Moçambique, deixou-nos um relatório de missão com apontamentos justificativos das suas opções e com reflexões que explicam, com muita clareza, os condicionamentos da sua missão.

Fala-nos, mais ou menos longamente, sobre:

– Os princípios de utilização de tropas em condições adversas;

– A relação da ação de comando com a interferência das decisões políticas;

– Os reflexos da inconstância das orientações políticas sobre a capacidade militar;

– A necessidade do estudo do terreno e da sua constante atualização;

– A urgência do conhecimento do inimigo e do permanente acompanhamento das suas ações;

– A influência das infraestruturas de comunicação na capacidade de manobra das forças.

E sobretudo, o relatório alerta-nos para decisiva relevância da preparação das tropas e da sua motivação para o cumprimento da missão. Também se devem realçar as relações das tropas expedicionárias com os povos locais, no que respeita especialmente às tropas indígenas, aos carregadores e trabalhadores e ao comportamento desses povos (são relevante as referências, neste caso, aos Macondes).

Finalmente, se a História deve ser explicada e se ela nos apetrecha com ensinamentos, então torna-se relevante que continuemos a estudar esta campanha de Portugal nas suas colónias durante a Primeira Guerra Mundial. Pode ser que fiquemos avisados sobre erros que não devemos cometer no presente.

1 comentário em “A Campanha Portuguesa em Moçambique – A 1ª expedição (2 de 2)

  1. Em primeiro lugar pretendo expressar o gosto que tive em ler este post do coronel Aniceto Afonso sobre a !ª expedição enviada para Moçambique durante a Grande Guerra. pela sua qualidade, a que nos habituou e pela oportunide, dados os trabalhos em curso na CHT.
    Sobre o assunto queria apenas acrescentar uma observação a esta 1ªexpedição, quando Potugal ainda estava na situação de “neutralidade não declarada” e em que praticaente não houve combates com os alemâes.
    Uma diferença significativa em relação às outras expedições, depois da declaração de guerra da Alemanha a Portugal foi ter-se sentido a ação de Von Lettow, comandante das forças alemãs, da Árica oriental alemã, um génio militar, que com efetivos reduzidos surtpreendeu as forças aliadas (e naturalmente as portuguesas) com uma estratégia inovadora não convencional a que os aliados não conseguiram encontrar uma resposta eficaz e que permitiu que as forças alemãs chegassem ao fim da guerra sem serem derrotadas…

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