Na segunda metade do Século XX as NU passaram a ter uma postura de intervenção activa, tendo em vista a imposição da Paz em zonas de Crise onde fosse necessário evitar ou impedir a ocorrência de um desastre de natureza Humanitária. Para isso Organizou Operações, umas vezes civis, outras Militares, que eram constituídas por Forças atribuídas pelos Países membro.

Portugal foi convidado em Janeiro de 1993 a participar pela primeira vez numa operação das NU, em Moçambique com uma Unidade técnica, de Engenharia ou de Transmissões, numa Operação designada por ONUMOZ.

Dos estudos preparados pelo EME, foi seleccionada uma Unidade de Transmissões do tipo Batalhão com a missão de instalar e manter um Sistema de Comunicações que garantisse o Comando e Controlo das Forças das NU, para a Operação da ONUMOZ, distribuídas pelas Zonas Militares de Nampula, Beira e Maputo de acordo com o dispositivo exposto na figura junta.

O estudo para a concepção e dimensionamento da Unidade apropriada foi atribuído à DAT e ao DGMT cujo director, TCor Pinto de Castro, foi nomeado comandante da mesma.

No estudo da missão concluiu-se que, devido às grandes distâncias, seria necessário criar duas redes de HF, uma de voz que ligasse os QG do Maputo, Beira e Nampula, e outra telegráfica que ligasse os Postos nos aquartelamentos das Unidades de Transmissões, na Matola, Dondo e Aeroporto de Nampula, que apoiavam os referidos QG’s, a fim de garantir uma diversidade de espaço suficiente. Conceberam-se ainda a um nível mais a baixo, redes de HF para ligarem os Comandos das referidas Zonas Militares às respectivas Unidades subordinadas Operacionais e de Apoio.

Planearam-se também redes telefónicas locais para os QG’s, assentes em Centrais Telefónicas Digitais, em linhas filares WD1-TT e Link’s de Feixes Hertzianos. Para ligações a pequena distância usaram-se redes em VHF apoiadas em repetidores de área. Pela primeira vez foi prevista uma rede de satélite suportada pelo sistema INMARSAT constituída por 8 terminais do tipo A.

Além da missão restabelecida relativa às Comunicações foram ainda considerados uma série de requisitos definidos pelas NU designadamente, a capacidade da Unidade se auto-sustentar durante 60 dias, em manutenção, reabastecimento e pessoal. Para isso, concebeu-se uma Unidade do tipo Batalhão com um efectivo de 280 homens (14 Oficiais, 90 Sargentos, 36 Cabos Adjuntos e 140 Praças) distribuídos por:

Matola  – 1 Companhia Operacioanal e 1 Companhia de Comando e Serviços na Cabeça do Batalhão;
Beira   – 1 Companhia Operacional
Nampula – 1 Companhia Operacional.

A Companhia da Matola destacou equipas RATT para o Batalhão de Inhambane de tropas do Uruguai e para o Batalhão de Cockué de tropas Zambianas.

A Companhia da Beira que apoiava uma Brigada Italiana, destacou equipas RATT para o Batalhão de Chimoio e para o Batalhão de Tete.

A Companhia de Nampula apoiava uma Brigada do Bangladesh com efectivos em Cuamba.

É de salientar que a concepção e constituição do BTm4 foi muito facilitada por se estar no fim de produção de vários equipamentos concebidos e fabricados em Portugal, o que possibilitou a disponibilização imediata de equipamentos sofisticados e a selecção de pessoal profundamente conhecedor dos mesmos, visto terem estado no acompanhamento do seu desenvolvimento e fabrico.

Para esta missão da ONU, pode dizer-se que, quase a totalidade do material de que foi dotado o BTm4, era de fabrico nacional. Os equipamentos para o multicanal, FM-200 e DX 15/60,  não eram de “Know How” nacional, mas foram fabricados sob licença na SISTEL.

Desses equipamentos, pode referir-se:

– Cabines T-102 Central Telefónica Digital:      Qt. 6
– Central Telefónica Tágide:                                 Qt. 4
– Cabo WD-1/TT (Km)                                           Qt. 50
– Telefones  de Campanha P/BLC-101:              Qt. 180;
– Cabine RATT T-103:                                           Qt. 7
– E/R HF P/FRC-330:                                           Qt. 16
– Teleimpressor T-1000 Z/B                                Qt. 16

– Meios VHF:
– E/R VHF P/VRC-482:                                       Qt. 20
– E/R VHF P/PRC-501:                                        Qt. 52

– Cabinas de Transmissões T-200:                    Qt. 3
– Terminais INMARSAT – Tipo A:                    Qt 8
– Mastros telescópicos,
– Outros.

Além destes equipamentos fabricados em Portugal, tiveram que se adquirir alguns materiais de HF, designadamente, antenas portáteis IAGY, antenas Logarítmicas para o Rear Link e 8 Terminais Satélite INMARSAT do Tipo A

Pela primeira vez, foram também instaladas antenas parabólicas que permitiram receber as emissões de TV por satélite.

Depois de um ano, em 1994, tendo em vista a realização das eleições, por imposição das NU, o BTm4 teve uma alteração de missão o que levou fazer um reajuste do seu dimensionamento e dispositivo, a fim de se adaptar a uma nova fase de implantação da Força. Assim, foram retiradas as Companhias da Beira e Nampula e os meios que suportavam as diversas comunicações regionais, mantendo-se somente equipas para explorarem as Centrais telefónicas do QG e a espinha dorsal de comunicações da Força. As NU estavam interessadas em manter as equipas de CIVPOL (Polícia Civil da ONU) e das equipas das eleições espalhadas por Moçambique. O BTm4 ficou de dar apoio na instalação e exploração técnica a essas equipas.

É de referir que o BTm-4 teve integrado na sua área de aquartelamento uma Unidade japonesa, constituída por 37 militares, que tinham a missão do controlo de movimentos e que se instalou ali, junto ao BTm4, por razões de segurança e de aproveitamento e partilha da infra-estrutura de sustentação.

Durante esse período a Unidade japonesa e o BTm-4 foram visitados por diversas entidades japonesas da mais alta hierarquia, tendo-se desenvolvido um relacionamento extraordinariamente rico que levou a que fosse referido por várias vezes do interesse em se estabelecer uma troca de Adidos Militares entre Portugal e o Japão.

O BTm-4 festejou os dias simbólicos de Portugal com especial relevo para o Dia 10 de Junho que teve pela primeira vez, após 19 anos, o hastear da bandeira portuguesa, o que causou grande emoção à comunidade portuguesa em Moçambique

Esta missão ficou marcada por divergências com os órgão das NU sobre o emprego dos meios, pois, enquanto a sede das NU tinha definido umas “guide lines” onde se estabelecia uma missão para o Batalhão com utilização do próprio material, o que levou a dimensionar uma Unidade aprovada pelas próprias NU, no Teatro de Operações, os elementos civis das NU, queriam obrigar a Unidade a utilizar equipamento adquirido no local pelos seus serviços, o que, inclusive, originava problemas com a formação do pessoal operador, desconhecedor do mesmo. Apesar do Comandante da Força, General Lélio da Silva ter decidido que o BTm-4 utilizaria o seu próprio material, continuou a haver uma divergência permanente com os elementos civis de comunicações da ONU ali destacados apoiados pela sua chefia Administrativa.

Esta interferência de poderes entre o Comando da Força e a Chefia Administrativa da ONU, com o consequente mal estar que isso ocasionava, foi-se acentuando ao longo da Operação da ONUMOZ em diversas áreas de Apoio Logístico, como os Transporte, os Hospitais de Campanha, Reabastecimento, Engenharia, etc. Esta acção dos Serviços Administrativos da ONU foi uma repetição do que se passou noutros Teatros de Operações onde interveio.

3 comentários em “O BTm 4 na ONUMOZ

  1. Em primeiro lugar quero expressar a minha satisfação por ver o Pinto de Castro participar neste Blogue, Para mais referindo-se ao BTm4, de que foi um dos grandes protagonistas.

    Trata-se de uma ação notável e pioneira da Arma de Transmissões, visto que o BTm4 foi a primeira unidade portuguesa dos três ramos das Forças Armadas a actuar no âmbito da ONU, abrindo caminho para a política externa de participação militar que desde então se tem seguido.

    De realçar o excelente relacionamento que teve com a unidade japonesa vizinha mas sobretudo com Moçamboique e com a comunidade portuguesa

    De referir que o BTm4 foi quase totalmente equipado com material de transmissões de fabrico nacional e que foi o enorme sucesso que a experiência do BTm4 teve em Moçambique que o mesmo viesse suceder em Angola com a CTm5.

    Espero não só que a ação desenvolvida pelo BTm4 dê lugar a mais comentários neste Blogue mas também que surja um post relativo à CTm5 pois bem o merecem.

  2. Jovem capitão médico então, e estando colocado e em preparação desde fevereiro de 1993 na “Missão Militar Portuguesa em Moçambique” (MMPM), fui “agarrado” subitamente, em julho, para prestar apoio médico durante a visita do ministro da Defesa – Dr. Fernando Nogueira – ao BTm4.
    Não havia médico militar português em Moçambique e, já que estava vacinado e mentalizado, voei de um dia para o outro para Maputo. Cheguei mesmo no dia anterior ao ministro.
    Estando lá, fui também incumbido pelo CEMGFA de fazer uma Inspeção Sanitária ao BTm4, na Matola, Beira e Nampula.
    Esta súbita Missão no BTm4 tinha alguns problemas logísticos.
    Não pertencendo à ONUMOZ, havia que, pelo menos, parecer que era capacete azul. Esse “problema” resolveu-se rápidamente quando o Comandante do Batalhão, TCor Pinto de Castro – excelente comandante e amigo – me oferece um boné azul das Nações Unidas. Foi com este disfarce que, no dia seguinte à chegada, apareci na capa do jornal Público, ao lado do ministro da Defesa (!!)
    Relembro também que a minha viagem de Maputo, onde fiquei instalado, à Matola foi exageradamente rápida. O condutor era especial. Era um major, que eu não conhecia, e com quem fiz uma amizade única. Era o Major Stone, Joaquim Stone.
    Este preâmbulo pretende apenas enquadrar o que pretendo transmitir:
    – Não sendo as Transmissões uma área que eu dominasse, apercebi-me da competência e do reconhecimento da idoneidade técnica por parte das chefias militares das outras nações.
    – Do ponto de vista de relacionamento interno, as chefias eram respeitadas e reconhecidas, o empenhamento das tropas era total e o orgulho de ser português e do BTm4 era óbvio.
    – Para o exterior, o BTm4 era a “Embaixada” de Portugal. A transformação física daquele baldio da Matola e a mística que se criou, tornaram o nosso batalhão no lugar que todos queriam visitar.

    Em setembro/outubro de 1993, foram chegando os militares da MMPM e, no inicio de 1994, já esta minha outra Missão – a oficial – está em curso.
    Tive a sorte de também ter muitos camaradas, oficiais/sargentos e praças, que eram profissionais de excelente índole e com quem fiz amizades fortes que se mantêm.
    Desta Missão, tenho de destacar as minhas funções como responsável da Inspeção Médica aos candidatos ao Exército comum de Moçambique, que integraria militares da FRELIMO e da RENAMO. Pertencendo às Equipas de Recrutamento, que percorreram todo o país – do sul ao norte e do litoral ao interior – tive a oportunidade de ter uma experiência enriquecedora e única.

    Mas, o BTm4, unidade à qual nunca pertenci efectivamente, foi a unidade militar onde melhor me senti na vida. Transformou um deslocamento “voluntário à força” numa experiência única do ponto de vista humano, médico e militar.
    Por isso, agradeço a TODOS os militares do BTm4 aquele ano inesquecível com quem tive o privilégio de privar.

    1. Foi uma agradável surpresa o aparecimento deste comentário do Camarada e amigo Dr Machado Caetano aqui no blogue das Tm, onde descreve animadamente as circunstâncias intempestivas da sua nomeação para a uma missão na MMPM, bem como das responsabilidades adicionais que lhe foram dadas sobre o BTm 4, as quais lhe permitiram entrar em contacto e ligar-se ao mesmo. De seguida, aproveita para tecer umas considerações elogiosas sobre o BTm 4, o que agradeço em nome pessoal e em nome de todos os militares do BTm 4, que sei terem-lhe uma grande consideração e estima.

      De facto, na altura do projeto e criação do Batalhão, tentou-se incluir na sua orgânica um corpo de saúde que fosse constituído por um Posto de Socorros em cada uma das Companhias localizadas em Nampula e Beira chefiado por um enfermeiro e na Matola, chefiado por um oficial médico. Esta pretensão surgiu porque se sabia que o problema sanitário era uma questão sensível, dado que aquela zona estava muito vulnerável a epidemias e a várias doenças infetocontagiosas. Tal não foi possível, não só porque tornava a estrutura muito pesada, como também porque havia falta de oficiais médicos.

      Assim, embora estivesse previsto o apoio sanitário por um Hospital Militar da ONUMOZ, foi decidido que o BTm 4 teria um apoio informal da MMPM que estava em criação naquela altura, não só na área da Saúde, como noutras áreas logísticas, designadamente, engenharia.
      Portanto, quando se recebeu a informação de que se ia receber a visita de um oficial médico, a notícia foi muito bem recebida, porque a saúde, embora não fosse um problema, era uma preocupação.

      Sabendo da chegada de um médico ao Maputo, era preciso ir busca-lo. É evidente que para ir buscar uma pessoa especial, só poderia ser uma pessoa especial. Assim foi decidido que seria o 2º Comandante, o Major Stone, que era um militar extremamente eficiente e rápido a executar as missões. As surpresas que poderiam suceder, não se colocavam naquela missão, mas sim nos eventos de lazer e bem-estar organizados pelo Batalhão ao fim de semana, altura em que ele se prestava a transportar habitantes locais na zona da Macaneta. Acontecia que no seu altruísmo enchia o jeep um pouco a mais, o que, com o caminho repleto de buracos, o levava por vezes a perder alguns passageiros.

      O Capitão médico recém-chegado, excedeu as expectativas. Revelou desde logo ser uma pessoa calma, bem-disposta e despretensiosa, o que o levou a integrar-se e a participar facilmente nos convívios animados pelos militares do Batalhão com fados e baladas, organizados para manter o espírito de corpo, bem-estar e o moral do pessoal. Com este seu espírito simples e com a competência técnica revelada, rapidamente se transformou num amigo e conselheiro, levando-o a angariar a estima e o respeito de todos os camaradas, oficiais, sargentos e praças que com ele contactaram, não só no Batalhão, como na MMPM, e que ainda hoje persistem. Acrescente-se que também teve uma vasta ação no apoio a civis, a quem assistiu.

      Graças à postura aberta e franca criada, o BTm 4 passou a ter cada vez mais a participação de convidados civis, da comunidade portuguesa, de militares de outros contingentes da ONUMOZ e da MMPM, o que aliado à preocupação de manter sempre firme o aprumo, a disciplina e o funcionamento eficiente do Sistema de Transmissões Operacional, conseguiu granjear uma imagem bastante positiva para si e para o País, o que muito nos orgulhou.

      Não posso deixar de fazer uma referência especial ao grande amigo e companheiro Major Joaquim Stone, que foi uma escolha perfeita para esta missão como 2º Comandante. Foi extremamente leal e solidário. Tinha grande iniciativa, era determinado e altamente operacional. Permitiu que constituíssemos uma equipa de Comando coesa e eficiente. Como Comandante, tenho a agradecer-lhe todo o apoio e empenho aberto e descomprometido que sempre me deu. Quando acabou a missão, considerei que os seus serviços deviam ser considerados relevantes, extraordinários e de elevado mérito.
      Para o Dr Machado Caetano, aqui fica o meu abraço.

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