Post do Cor Aniceto Afonso, recebido por msg:

ANTECEDENTES DO 9 DE ABRIL  (II)

Introdução

Antes de prosseguirmos a análise do relatório do capitão Soares Branco em relação a este período, vamos inteirar-nos sobre o que se passou no curto período de três dias, entre 6 de abril e o ataque das forças alemãs, na madrugada de 9, como nos transmite o relatório da Repartição de Operações do CEP, assinado pelo capitão de artilharia Álvaro Teles Ferreira Passos.

Este relatório começa com um quadro muito elucidativo da frente ocupada pelo CEP, nas várias fases, entre 30 de maio de 1917 e as vésperas de 9 de abril de 1918.

Quadro dos sectores e subsectores da frente ocupada pelas unidades portuguesas entre maio de 1917 e abril de 1918.

A única alteração inesperada de sectores e subsectores ocorreu de facto em 6 de abril, como se constata no próprio texto do relatório.

Em resultado de uma conferência havida entre o comandante do 1º Exército e o do CEP em 3 (de abril) deu-se ordem para a retirada da 1ª Divisão para a área de Desvres, ficando a 2ª Divisão com a responsabilidade de toda a frente (situação análoga à do período C (entre 10 de julho e 21 de novembro) com mais uma Brigada em reserva).

A 2ª Divisão encurtaria a frente passando parte do sector Ferme du Bois a ser ocupado pela 55ª Divisão.

Esta modificação não se chegou a efetuar, tendo a 2ª Divisão guarnecido os três sectores completos (10.600 metros).

A Brigada de reserva da 2ª Divisão daria dois Batalhões para reserva divisionária e outros dois ficariam destinados a guarnecer a linha do Corpo.

A 2ª Brigada devia render a 1ª no novo sector de Ferme du Bois em 4/5, a 3ª saía do sector e acompanhava a 1ª Divisão para descanso na noite 5/6 e as 4ª e 6ª Brigadas alargariam as suas frentes, constituindo-se três sectores.

Como porém o Batalhão de Infantaria 7 (2ª Brigada) se recusou a marchar, houve uma certa confusão nas rendições.

A 1ª Brigada foi então substituída pela 5ª Brigada, que estava em reserva da 2ª Divisão (que nunca tinha estado no sector de Ferme du Bois), a 3ª Brigada saiu do sector e ficou em reserva da 2ª Divisão. Passava-se isto em 6/7 de abril. Em 8/9 dava-se o ataque do inimigo.

Quando se deu o ataque de 9 de abril estava na frente guarnecendo os sectores que tinham sido guarnecidos por todo o CEP unicamente a 2ª Divisão reforçada com uma Brigada em reserva, a qual devia guarnecer em caso de ataque, a linha das aldeias e a linha do Corpo.

Ontem e hoje, o mesmo local.

Na ordem de 29 de março, assinada pelo comandante do CEP, general Tamagnini, elaborada em pressupostos muito diferentes, mas mantendo-se em vigor em tudo o que não foi alterado por novas ordens, dizia-se expressamente:

O Serviço Telegráfico procederá imediatamente às ligações dos postos dos comandos dos sectores com os Q.G das Divisões e daqueles com o deste Corpo.

E para que não ficassem dúvidas sobre a precária situação das unidades portuguesas nas vésperas da grande batalha, o relatório faz também um resumo sobre a “deficiência dos efetivos”:

Os quadros que seguem mostram detalhadamente como os efetivos se encontravam depauperados em oficiais e praças; faltavam 37% daqueles e 24% destas, na totalidade da Divisão. Porém, só nas faltas da infantaria e da artilharia o desfalque é o seguinte:

                                        Oficiais                       Praças

Infantaria                                 42%                         28,8%

Artilharia                                 34,4%                     13,2%

 

Os efetivos de mobilização da 2ª Divisão seriam (4 Brigadas de Infantaria):

                                               Oficiais             Praças

                                             1.102               25.582

Presentes                                689                  19.374

Faltavam                                 413                   6.208

Era um quadro verdadeiro e desolador, expressamente realçado nos relatórios dos vários responsáveis.

Meios de comunicação

Voltemos agora ao relatório do chefe do Serviço Telegráfico do CEP. Ainda antes de abordar as circunstâncias da Batalha de La Lys, Soares Branco continua a analisar a situação dos meios que tinha à sua disposição para assegurar as comunicações das unidades e comandos portugueses. Depois de nos transmitir uma ideia sobre o dispositivo das forças e de quais as estações e postos da sua rede de comunicações, e de explicar as redes de linhas aéreas, Soares Branco alonga-se na análise de todos os outros meios de apoio disponíveis – linhas de cabo enterrado, linhas de cabo isolado, comunicações óticas, comunicações pela TSF e pela TPS e ainda comunicações por pombos-correios.

Contudo, ao longo destes capítulos, Soares Branco vai deixando apontamentos sobre a situação, as dificuldades resultantes das constantes mudanças de dispositivo, a fácil destruição das linhas não enterradas, tanto pelos bombardeamentos inimigos, como pela atitude de algumas unidades, especialmente da artilharia pesada, cujos disparos danificavam os cabos.

Neuve-chapelle. Uma equipa de drenagem

Raramente Soares Branco refere o clima, a existência de neve, o frio e a chuva como obstáculos aos trabalhos relacionados com as comunicações, mas alonga-se na dificuldade de obter apoio em homens para os trabalhos de enterrar os cabos, resistência que se estendia dos comandos aos soldados. Também não se queixa da falta de efetivos próprios para cumprimento das suas missões, pois bem conhecia as dificuldades das unidades de infantaria e artilharia que ocupavam as trincheiras.

 

Linhas de cabo enterrado

A natureza da região em que estava estacionado o Corpo Português não era propícia ao enterramento dos cabos telegráficos.

“Embora, como foi dito anteriormente, desde março de 1915 após a batalha de Neuve Chapelle o front de La Bassée a Armentiers se tivesse estabilizado, nunca fora julgado o momento oportuno nem exequível proceder ao estabelecimento de comunicações por cabos enterrados.

Dificuldades próprias da região, que devido à proximidade dos canais fazia aparecer a água a um ou dois palmos de escavação, tinham sempre sido origem da existência de ligações somente por linhas aéreas ou sobre o solo”.

Contudo, logo em dezembro de 1917, o comando do 1º Exército solicitou às Divisões um anteprojeto de linhas enterradas, assim referido por Soares Branco, a propósito de uma nota do respetivo DD Signals que definia as principais características do sistema:

Eram pedidos aos Serviços Telegráficos das Divisões anteprojetos dos sistemas a executar em cada um dos setores para que, por cada Divisão houvesse pelo menos um troço principal longitudinal e dois outros transversais correspondendo um à linha dos Comandos dos Batalhões e centrais de postos de observação e outro à linha dos comandos das Brigadas e Grupos de Artilharia.

O projeto foi harmonizado entre as Divisões do Corpo Português e as Divisões vizinhas em primeira linha e enviado ao 1º Exército logo no início de janeiro de 1918. Obedecia a condições muito específicas, que Soares Branco enumera cuidadosamente no seu relatório, e das quais destacamos as seguintes:

– Poder ligar-se às linhas enterradas do XV Corpo e ao sistema do 1º Exército, por troços longitudinais;

“Permitir em toda a frente do Corpo uma ligação lateral entre os comandos de Batalhão (…) e, numa outra linha à retaguarda, uma ligação entre os comandos de Brigada e os Grupos de artilharia de forma a que não só os diferentes comandos tivessem asseguradas as suas comunicações recíprocas como com as Divisões a que pertenciam, em virtude dos comutadores montados em cada um dos Dug-outs de junção construídos nos pontos de encontro dos troços transversais com os longitudinais”.

– Ligar as transversais principais por troços secundários longitudinais, permitindo que novas derivações feitas nos dug-outs de junção restabelecessem as comunicações por novos troços se os primitivos sofressem qualquer avaria por causa dos bombardeamentos.

– “Ter os cabos enterrados a uma profundidade normal de 1 metro e 80 centímetros”.

– “Aproveitar tanto quanto possível os abrigos perto ou mesmo das estações já estabelecidas na linha, de forma a ter postos de guarda-fios a cerca de um quilómetro uns dos outros”.

Para além das características essenciais da rede, o projeto previa também um conjunto de requisitos técnicos, como a possibilidade de ligações telefónicas ao longo dos percursos, a frequência das caixas de ligação que permitissem obter derivações, bem como o número mínimo de pares de condutores em cada uma das linhas.

Poucos dias depois da entrada em linha do Corpo de Exército Português, Soares Branco envia aos chefes do ST das 1ª e 2ª Divisões, em 22 de dezembro, a seguinte nota, acompanhada por um esboço das linhas necessárias:

“(…) O estudo do sistema de comunicações de linhas enterradas será dividido em três fases:

a) A primeira sob a forma de anteprojeto deverá ser elaborada nas Divisões, pois só estas podem avaliar das necessidades que segundo todas as probabilidades deverão surgir, para estabelecimento de centros de comunicações.

O estudo compreenderá um traçado principal que, da frente da Divisão se estenderá perpendicularmente a ela, em direção a nós importantes de ligações que à retaguarda das Brigadas sirvam por traçados aéreos o QG da Divisão.

Dois traçados, pelo menos, transversais e secundários, sensivelmente paralelos à linha da frente, permitirão as ligações às Brigadas, Batalhões, Grupos de Baterias de Artilharia e por vezes às Baterias e outros centros de comunicações.

b) A segunda fase do projeto será estudada no Serviço Telegráfico do Corpo, harmonizando os projetos das duas Divisões e propondo ao DD Signals do 1º Exército os detalhes técnicos para a sua execução.

c) A terceira fase, de realização prática, terá lugar com tropas de infantaria para as escavações a efetuar e com pessoal do 1º Exército e do Corpo Português para a montagem dos cabos e fiscalização do trabalho.

As caixas de ligação devem supor-se dispostas de 200 em 200 metros aproximadamente, em calha vertical de madeira com as ligações feitas na parte superior, devidamente resguardadas.

Os dug-outs, para postos de guarda-fios e ensaio de linhas devem distanciar-se de 800 a 1000 metros.

É considerado urgente este trabalho”.

Esquema de Soares Branco que acompanhava a nota de 22 de dezembro.

Contudo, os responsáveis pela construção das linhas enterradas enfrentaram inúmeras dificuldades que tinham a ver, em especial, com o reforço de pessoal para abrir as valas necessárias. Soares Branco detalha a situação no seu relatório, pois essa foi uma circunstância que em muito influenciou os combates do dia 9 de abril.

São estas algumas das passagens do seu texto:

O problema principal que os responsáveis das comunicações tiveram que enfrentar foi o da dificuldade em conseguirem o reforço de pessoal necessário para enterrar os cabos. A extensão total do sistema na frente portuguesa atingia os 30 quilómetros, mas nunca chegou a ser terminado. (…)

Mas apesar das ordens dadas às Divisões, primeiro para fornecer efetivos de 200 praças cada uma e depois de 400, nunca esse número de trabalhadores de infantaria pôde ser efetivado tendo sido sempre muito maiores as dificuldades encontradas na 2ª Divisão que na 1ª (…)

Mas circunstâncias várias como rendições das Brigadas, bombardeamentos, receios dos comandos de deixar abrir trincheiras nas suas proximidades que poderiam atrair a atenção do inimigo, produziam constantemente atrasos na sequência das tarefas.

Na verdade, das Brigadas na linha dificilmente se podia alcançar pessoal para os trabalhos e as Brigadas em reserva tinham agora que ocupar durante a noite a Village Line o que as fatigava sobremaneira. Teve então que recorrer-se ao pessoal do C.A.P., mas este só po­dia fornecer 200 praças por Divisão.

Ao mesmo tempo o acréscimo da atividade da artilharia inimiga que obrigou a trabalhos durante a noite e com maiores precauções, a circunstância de os nossos artilheiros depois de uma tão longa pre­paração em Inglaterra se verem reduzidos ao que chamavam pitorescamente o “enterro do cabo” davam lugar a maior demora na execução do sistema projetado.

Por tudo isto, Soares Branco constata que, dadas as circunstâncias em que os trabalhos decorreram, havia enormes lacunas nas ligações, tanto nas linhas principais como secundárias.

E sendo assim poucas garantias dava ainda o sistema. (…)

Desta forma em cada Divisão existia como centro avançado de infor­mações os extremos dos troços principais longitudinais e em cada Briga­da um dos Batalhões estava ligado por linhas enterradas, mas das Briga­das até às Divisões o sistema não era continuado.

Mas o golpe final sobre as comunicações seria dado pelas mudanças do dia 6 de abril e dias sequentes, em que o Corpo de Exército Português deixou de existir e ficou na frente apenas a 2ª Divisão. Esta circunstância obrigou a várias mudanças das Brigadas e Batalhões, que recebiam novas zonas de ação e novas dependências. A confusão destes três dias não podia deixar de se refletir nas comunicações:

Mesmo incompleto como estava, o sistema prestaria em 9 de abril muitos serviços se uma fatal nova distribuição dos sectores não tives­se anulado quase todas as ligações acima indicadas, subordinando tati­camente Batalhões para os quais havia ligações para uma Brigada, à Bri­gada do flanco, fazendo passar o Quartel-General duma Brigada para a qual haviam sido construídas linhas enterradas, para um outro local on­de estas não existiam.

 

Conclusão

Parece que tudo se conjugou para que os combates de 9 de abril na frente portuguesa corressem mal. As tropas estavam depauperadas, os efetivos estavam muito diminuídos, as ordens da última hora desorganizaram todo o dispositivo. O ataque surgiu quando as forças estavam num processo de rendição, para serem substituídas nos seus respetivos sectores. As comunicações não tiveram tempo de se adaptar às mudanças em curso. O comando inglês agiu muito tarde e o comando português não teve capacidade para compreender a situação das suas tropas.

O Serviço Telegráfico tudo vai fazer para levar as ligações aos novos locais de comando, mas não lhe foi possível responder em tempo às contínuas alterações que as sucessivas ordens e contraordens introduziram no dispositivo. A minúcia do seu relatório tem também o propósito de demonstrar quanto as circunstâncias exteriores condicionaram a atuação do Serviço.