No âmbito do centenário da 1ª Guerra Mundial (1ªGM), o Grupo de História das Transmissões decidiu estudar a organização e o emprego das transmissões no Corpo Expedicionário Português (CEP) que combateu em França, integrado no Exército Inglês. Fiquei responsável pela área da logística e material. É neste âmbito que me proponho dar a conhecer os principais equipamentos de transmissões utilizados pelo CEP, dentro das limitações das fontes disponíveis para consulta.

Quase todo o material de transmissões, assim como a generalidade do material de guerra, foi fornecido pelo Exército Inglês, sendo, portanto, igual ao utilizado por este e não diferindo muito do material usado pelos restantes exércitos, incluindo o alemão.

A missão das transmissões foi sempre a mesma, ao longo da história: transportar a informação. A forma como essa missão é cumprida é que, naturalmente, se foi modificando conforme a evolução da técnica. Na época da 1ª GM, as tecnologias disponíveis e utilizadas foram:

– Telegrafia por fios (telégrafo) ou telegrafia eléctrica

Tinha sido o principal meio de telecomunicações durante a 2ª metade do sec XIX, baseado, essencialmente, no código e no telégrafo inventados por Samuel Morse, mas continuava a ter um papel importante, nessa época.

– Telefonia por fios (telefone)

Por altura da 1ª GM era rei o telefone, inventado por Bell. Não admira, por isso, que viesse a ser este o principal meio de comunicações utilizado em campanha. O próprio tipo de guerra de trincheiras favorecia a utilização de linhas telefónicas, o que seria mais difícil numa guerra de movimento.

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Reparando as linhas telefónicas nas trincheiras

– Telegrafia sem fios, (TSF), (telégrafo por rádio)

Estava a dar os primeiros passos, impulsionada sobretudo pelos trabalhos de Marconi. Os primeiros equipamentos eram ainda de faísca, vindo a aparecer, já no fim da guerra, os primeiros equipamentos de onda contínua. A flexibilidade e a mobilidade que este tipo de comunicações permite é uma mais valia para a guerra de movimento, mas traz consigo uma grande vulnerabilidade: a fácil escuta das comunicações pelo inimigo

– Telegrafia óptica

Teve o seu apogeu na primeira metade do sec XIX, com a invenção dos telégrafos ópticos de Chappe (França), Murray (Inglaterra), Ciera (Portugal), entre outros, baseados em códigos próprios. Foi maioritariamente substituída pela telegrafia eléctrica mas, com o aparecimento do código Morse foi de alguma forma reanimada com novos equipamentos: heliógrafos e lanternas de sinais, que transmitiam o código Morse. Na 1ª GM, funcionou como um importante meio de comunicações de reserva, sobretudo quando as linhas telefónicas e telegráficas eram cortadas pelos bombardeamentos .

-Telegrafia pelo solo (TPS)

Apareceu, em termos práticos, durante a 1ª GM e pode-se dizer que desapareceu com ela. Foi rapidamente ultrapassada e substituída pela TSF, que teve uma evolução fulgurante. Além dos curtos alcances, tinha ainda o problema da escuta inimiga. Foi experimentada pelo Exército Inglês a partir de 1915 mas a sua utilização prática dá-se um pouco mais tarde (início de 1917) com a introdução do equipamento de recepção a válvulas, inventado pelos engenheiros do Exército Francês[1].

– Pombos Correio

A utilização de pombos correio como meio de transporte de informação, na guerra, remonta à antiguidade e estendeu-se até aos nossos dias. Neste Blog há vários posts relacionados com tal utilização. Destaco a série de 3 posts intitulados O Pombo Correio (1), (2) e (3).

Os pombos correio foram introduzidos no Exército Inglês em 11 de Setembro de 1914 quando 15 pombos foram oferecidos , pelo Exército Francês, para servirem de meio de comunicação ao Serviço de Informações. Rapidamente os ingleses se aperceberam da sua utilidade,de tal forma que em 1918 o número de pombos ascendia já a 20.000, ocupando um total de 380 especialistas e dando assim origem a um novo ramo do “Signal Service”[2].

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Soldados ingleses treinando pombos correio (Fonte: www.thesun.co.uk)

-Estafetas

A utilização de estafetas para transportar mensagens, como correio, vem dos primórdios das campanhas militares. É um meio lento mas relativamente seguro, utilizado para informação pouco urgente ou quando todos os outros falham.

– Outros

Bandeiras de sinais, pistolas de sinais e telas de sinalização.

    Baseado, essencialmente, nas relações apresentadas pelo então Ten Cor Soares Branco no artigo da Revista de Artilharia “A Batalha de La Lys e as transmissões”, passo a listar os principais equipamentos de transmissões utilizados pelo CEP:

– Telegrafia por fios:

– Fulerfones de 6 tipos diferentes,

– Telégrafos de corrente simples,

– Telégrafos de corrente dupla.

– Telefonia por fios:

– Indicadores (centrais telefónicas) de vários tipos e com capacidade variando entre as 4 e as 30 linhas,

– Telefones de campanha, de mesa e de parede, magnéticos e acústicos,

– Telefones de guarda-fios,

– Equipamento para construção de linhas.

-Telegrafia óptica:

– Lanternas para sinais,

– Lanternas Lucas,

– Heliógrafos.

– Telegrafia sem fios (TSF):

O ten Cor Soares Branco não refere nenhum equipamento de TSF. Os que eventualmente foram utilizados deviam estar sob o controlo directo do Exército Inglês. Esta suspeita baseia-se numa nota do Chefe do Serviço Telegráfico do CEP, de 11/7/1917 a queixar-se ao oficial inglês responsável pelas comunicações do XI Corpo pelo facto de terem sido retirados da área da 1ª Div os meios de TSF, ao que este responde que, devido a uma reorganização dos meios de TSF, estes tiveram de ser retirados da área da 1ª div (Port) para a área da 49ª Div.

– Telegrafia pelo solo:

O equipamento utilizado foi o “Power Buzzer” de que não há nenhuma indicação nas listagens do Ten Cor Soares Branco. Admito que a sua gestão tenha sido semelhante à do equipamento de TSF

– Pombos Correio:

Na área do CEP, em 1917/18, havia um pombal fixo, em Lacouture, e um pombal móvel (O Nº48), guarnecidos por pessoal inglês, coadjuvado por pessoal português.

-Estafetas:

No CEP foram utilizados, essencialmente, estafetas em bicicleta ou em motocicleta. Como havia um Grupo de Companhias de Ciclistas, destinado ao combate, os estafetas utilizados era pessoal dessa unidade que estava adida ao serviço telegráfico do corpo.

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Militares do Grupo de Companhias de Ciclistas

[1] The Signal Service in the European War of 1914 to 1918 (France) – R.E. Priestley , MC, BA – W&J MACKAY & CO LIMITED – 1921

[2] IDEM

1 comentário em “Equipamentos de Transmissões da 1ª Guerra Mundial – Introdução

  1. Estão de parabéns o MGen Carlos Alves e a CHT pela publicação deste post, o primeiro fruto da investigação que Comissão tem vindo a desenvolver, já há algum tempo.
    Sendo, para mim, indiscutível o mérito desta iniciativa permito-me acrescentar duas breves observações, como forma de participar neste processo que certamente terá a esperada continuidade.

    A primeira diz respeito ao âmbito dos estudos e investigações da CHT sobre as Transmissões na Grande Guerra, que até aqui têm incidido sobre o CEP, mas que julgo que, logo que possível, se deverão estender à participação das Transmissões na Grande Guerra em África, nas expedições enviadas para Angola e Moçambique, dada a sua importância e ao esquecimento a que têm sido votadas.

    A segunda é suscitada pela frase, incluída no post, quando trata de Telefonia por fios (telefone) que diz: “ Por volta da 1ª Guerra Mundial era rei o telefone”.
    A este respeito o tenente Câmara Pina, a pág, 46 e 47 do seu livro “A TSF e as Transmissões” diz o seguinte: …”o telégrafo que tinha inicialmente um papel preponderante nas transmissões era abandonado quase por completo, nos anos de 1915 e 1916 e o telefone passava a ser o meio insubstituível de comunicação. Mas logo em 1917 o telégrafo voltava de novo para os centros de comunicações das grandes unidades, onde o seu alto rendimento lhe garantia uma situação de indiscutível utilidade a todo o serviço de reabastecimento, de ordens, de relatórios, de informações, que lhe era entregue.”

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