Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:
O estudo da participação das Transmissões na Grande Guerra, em curso na CHT, tem incidido sobre a frente europeia, mas está assente que a Comissão prosseguirá, com idêntica investigação para a frente africana.
Não tendo podido participar no persistente esforço de pesquisa da CHT, tenho-me dedicado a ler sobre a Grande Guerra nas colónias portuguesas, aproveitando a onda de publicações que o centenário do início da Guerra tem provocado. Essas leituras, que nada sobre Transmissões referem, ajudaram-me a que perceba um pouco melhor o contexto em que atuaram nas expedições enviadas para Angola e Moçambique para enfrentar a ameaça alemã.
Este post baseia-se no livro “A Relações entre Portugal e a Alemanha em torno de África – finais do Século XIX e Inícios do século XX”, de Gisela Guevara, publicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros em 2006, que apresentou na sua tese de doutoramento e do qual se apresenta a imagem da respetiva capa:
O post pretende abordar, de forma breve, a atuação da diplomacia portuguesa (monárquica) a respeito das colónias, no período posterior à Conferência de Berlim, onde a aplicação do princípio da “ocupação efetiva” contrariava o “direito histórico” invocado pelos portugueses e punha em causa as aspirações portuguesas de fazer “um novo Brasil em África”, que o “mapa cor de rosa” traduzia e que deu lugar ao ultimato britânico, por contrariar as aspirações britânicas de um império “do Cabo ao Cairo”.
Depois de acordados os limites de Angola e Moçambique, a diplomacia portuguesa do tempo da monarquia teve o enorme desafio de defender a integridade territorial das colónias portuguesas, perante os interesses em África de potências europeias (Inglaterra, Alemanha, França e Bélgica), que por sua vez eram divergentes e contendiam entre si.
Segundo a autora do livro em que baseamos este texto, a diplomacia monárquica neste período é considerada, pela maioria dos autores, como um perfeito desastre e exemplo de notória incapacidade, em consonância com a propaganda republicana, a partir do último quartel do séc. XIX e que também não poupava nem o rei nem os Braganças em geral. (1)
No livro que referimos, a sua autora, depois de uma laboriosa investigação, em arquivos nacionais e estrangeiros, nomeadamente alemães, defende que, pelo contrário, a diplomacia portuguesa foi notável neste período, esteve particularmente ativa, sabendo sempre aproveitar em proveito do país as divergências dos interesses alemães, ingleses, franceses e belgas pelas colónias africanas, conseguindo que o país chegasse com as suas colónias intactas até ao final da monarquia.
A defesa da sua tese (mas de 400 páginas) é baseada num vasto conjunto de argumentos e de exemplos de atuações vitoriosas da política e diplomacia monárquica no sentido de ser mantido na íntegra o império colonial português, dos quais me permito ressaltar os seguintes:
- A atuação da diplomacia portuguesa no caso da bacia de Lourenço Marques, nomeadamente durante a guerra anglo-boer (1898-1902).
- A posição portuguesa perante as pretensões alemãs sobre a baía dos Tigres em Angola.
- As negociações que levaram à assinatura (em 1888) do tratado de Windsor em que a Inglaterra se comprometia na defesa das colónias portuguesas em caso de ataque militar.
- As difíceis negociações com os credores da dívida externa, sem comprometer a alienação de qualquer parcela de território das antigas colónias portuguesas.
Em minha modesta opinião esta tese, baseada em “fontes primárias”, parece-me ser bem mais credível que a tese da propaganda republicana, com base nas seguintes considerações:
- A monarquia sabia que se perdesse uma parcela das colónias estava condenada, pelo que não seria de prever que não aproveitasse o mais possível os trunfos diplomáticos de que dispunha.
- A política anti-britânica defendida pelos republicanos foi um instrumento de que a causa republicana se serviu, com sucesso, para derrubar a monarquia, sem se preocupar muito com a viabilidade da sua execução. Um pouco como sucede hoje com as promessas dos políticos antes das eleições, quando a República chegou ao poder, meteu rapidamente o “anti-britanismo” na gaveta, e, continuou a política monárquica, respeitando a aliança com os ingleses, e beneficiando do seu apoio, como sucedeu na Grande Guerra, em que a participação portuguesa na Flandres foi totalmente dependente do nosso aliado.
O facto de Gisela Guevara afirmar que a sua tese não é perfilhada pela maioria dos autores, não quer dizer que não tenha seguidores. Pelo menos encontrei dois.
O primeiro, foi na consulta ao “Dicionário da História de Portugal”, dirigido por Joel Serrão, que no artigo dedicado ao marquês de Soveral, ministro de Portugal em Londres durante um largo período que foi até ao final da monarquia, realça o brilho da sua ação e a aceitação que tinha na família real britânica.
O segundo, um excelente artigo publicado na Revista Militar de maio de 2008, da autoria do Tenente-Coronel Luis Fernando Machado Barroso, intitulado “A diplomacia 1890-1910 – A chave para a manutenção do Império Africano”, disponível na net, e que além da ação do marquês de Soveral destaca a ação do rei D. Carlos como o grande impulsionador da política externa portuguesa da época.
Esta modesta contribuição destinada a procurar contrariar a crise de alimentação que o Blogue está a passar tem a vantagem de acentuar a importância decisiva para a narrativa histórica do estudo cuidado das fontes primárias, como fez Gisele Guevara na publicação em que nos baseámos.
Esta observação permite-me alimentar a esperança de que esta crise do Blogue seja temporária, pois nunca a CHT fez tanta investigação sobre fontes primárias como tem feito em relação à participação das Transmissões na frente europeia da Grande Guerra, pelo que há apenas que esperar que os frutos desse imenso trabalho comecem a aparecer no Blogue, o que lhe dará outra vida…
(1) Os poemas de Guerra Junqueiro “Finis Terrae” e “Simão Caçador”, facilmente acessíveis na net, exprimem, de forma radical, o sentir anti-britânico dos republicanos da época, bem como a sua profunda aversão ao rei D. Carlos (que termina com um incitamento ao regicídio).