Cap. VI – Guerra Electrónica, Processo de Paz de Moçambique e Presidência Portuguesa da CEE

1. Guerra Electrónica

A minha ligação à GE é tão antiga como a carreira de oficial. Apresentei-me, vindo do IST, no fim de 1967 e, no início de 1968, parti para Anzio tirar o curso de GE. Sou, assim, o primeiro oficial engenheiro electrotécnico com este curso. No regresso, fui nomeado instrutor de GE e assim me mantive até partir para Moçambique. Foi nessa fase que escrevi os manuais de instrução que duraram até 1974.

A evolução da GE nunca mais deixou de me interessar e, durante o meu comando, fiz intervenções que apresentavam a minha perspectiva do sistema mínimo de GE necessária ao Exército e à justificação da mesma na Arma de Transmissões.

Atentos a esses sinais, os Directores da AT nomearam-me director do Programa ED – 46.1 – Guerra Electrónica e membro nacional ao ACP 225, Sub – Painel 5, Guerra Electrónica, qualidade com que tomei parte nos testes de campo dos equipamentos mais avançados de GE dos países da NATO, realizados em Feldafing, na German Army Signal and Technical School of Electrical Engineering. Foi também nessa qualidade que chefiei uma delegação à Alemanha, onde visitei fábricas da AEG – Telefunken, da Siemens e da Rohde and Schwarz, e à Inglaterra, onde visitei as fábricas e o Colégio de Electrónica da RACAL.

Fig59 - DAT - Guerra Electrónica Divisionária
Fig59 – DAT – Guerra Electrónica Divisionária

Consolidando intervenções anteriores, apresentei um Estudo, que acabou por publicado na Semana da Arma de 1992, que propunha a implementação da GE por fases, a começar pelo CIGE (Centro de Instrução de GE) na EPT, e foi publicado na Semana da Arma de 1992, que decorreu em Santa Margarida, onde dirigi os ensaios de campo de GE com os primeiros equipamentos adquiridos.

Fig60 - DAT - Centro de instrução de GE
Fig60 – DAT – Centro de instrução de GE

Do Estudo fazia parte a ampliação do CIGE para seis posições de aluno e o seu apetrechamento, servido por uma base de radiolocalização estratégica fixa (constituída por três PA 10, um dos quais ainda montados por mim na Apúlia e a o outro junto ao COMCHEFE dos Açores posterior à minha acção) e por duas bases tácticas móveis (constituídas por 3 PA – 1100, e um PA 2000, montados em shelters). Durante o processo, tinha sido proposta a aquisição do equipamento que permitia a representação dos dados de radiolocalização no VIGRESTE e mostrar as posições do IN no terreno, o que já se conseguiu mostrar em Santa Margarida.

Fig61 - DAT - Guerra Electrónica - Primeira fase
Fig61 – DAT – Guerra Electrónica – Primeira fase

Como director do Programa ED – 46.1, e na sequência do Estudo, elaborei o Caderno de Encargos para a GE, acompanhei a vinda dos engenheiros alemães à EPT para remodelação do CIGE, desloquei-me à Alemanha para receber o material em fábrica, (onde surgiu a proposta para montar os PA-1100 em shelters com antenas telescópicas), e aí deixar os oficiais da EPT que iam tirar o curso de GE e acompanhar a montagem do material e o seu envio para a EPT.

Fig62 - DAT - Guerra Electrónica - Primeira e segunda fases
Fig62 – DAT – Guerra Electrónica – Primeira e segunda fases

Assisti à montagem do material na EPT e dirigi a montagem do primeiro Radiogoniómetro da base estratégica, PA 10, na Estação Rádio Naval da Apúlia (por não haver espaço conveniente em nenhuma propriedade militar do Exército), e fiz a sua recepção.

O que se conseguiu, enquanto fui director do Programa ED-46.1, é tudo o que ainda hoje existe.

Seria interessante para a história reunir toda a acção protagonizada por cada um dos actores desta fase notável das Transmissões em vários domínios.

Os Rádios, o VIGRESTE, o SITEP, a GE e, se calhar, outros com menos visibilidade do que merecem, apareceriam e ficariam com as proporções justas.

Deixo a intenção de reformular este capítulo para ressaltar vários episódios deste desenvolvimento da GE nos meus dias porque os considero úteis para a História das Transmissões.

2.Processo de Paz de Moçambique (ONUMOZ PEACE KEEPING OPERATION)

Discutia-se o processo de paz de Moçambique na ONU. Pela primeira vez se punha o problema de Portugal, uma jovem democracia, se envolver numa operação deste tipo. Algumas nações, como a América e o Canadá, punham algumas objecções, devidas, segundo elas, a Portugal e ter estado envolvido nas guerras de libertação e a sua presença poder suscitar novos ódios ou pruridos de independência.

Resolvida esta parte a nível político, ficou decidido que Portugal poderia participar.  

Para assegurar o processo de paz era preciso guardar 49 locais de deposição de armas em áreas ora controladas ora pela RENAMO ora pela FRELIMO. Esses locais serviam também para dar meios de identificação às populações e a s primeiras sementes para que nas suas terras de destino pudessem fazer as primeiras sementeiras. Além disso, durante o processo era preciso manter a paz em todo o território e garantir corredores de segurança na Beira e em Nacala, que correspondiam às linhas férreas que drenavam o território. Estando os comandos e o Governo em Maputo, era preciso assegurar a estabilidade nesta área.

Posto o problema a Portugal o assunto passou do domínio político para o militar. Reunidos os Chefes dos Ramos no EMGFA, tanto a Marinha como a Força Aérea declinaram a sua participação. O assunto passou para o Exército e as Armas tiveram atitude semelhante à dos Ramos. O ónus passou para as Transmissões.

Foi aqui que Chefe do Estado-Maior do Exército, o general Firmino Miguel, convocou o general Almeida Viana, então director da Arma de Transmissões, onde eu estava colocado, determinando-lhe que apresentasse um relatório de possibilidades e meios para as Transmissões tomarem parte no Processo de Paz.

O general Almeida Viana, que me conhecia de outros desempenhos, deu-me a missão de me deslocar a Moçambique e fazer um reconhecimento da missão, dos meios, dos materiais e as nossas possibilidades de desempenhar a missão. Segui para Moçambique na equipa do general Gonçalves Ribeiro para no terreno dar conta da missão de modo a servir de auxiliar de Decisão para determinar se Portugal participaria ou não, no Processo de Paz.

No levantamento a que procedi verifiquei que Portugal tinha uma oportunidade, até aí única, de desempenhar uma missão com grande visibilidade, pois dispunha de meios e de pessoal qualificado para o seu desempenho. Essencialmente tratava-se de assegurar as Comunicações conjuntas do Comando-Chefe situado no Maputo e dos três comandos subordinados, situados respectivamente no Maputo, na Beira e em Nampula, assegurando ligações entre forças de nove países presentes no processo de paz.

Procedi ao levantamento dos locais de instalação viajando pelo território que eu bem conhecia da minha anterior permanência de quatro anos nele. Nestas viagens de reconhecimento os americanos e canadianos puderam ver que os comando militares e as populações do país davam trato de prioridade aos portugueses que antes haviam combatido.

Do relatório que então apresentei dava conhecimento da situação em geral, do acolhimento recebido pelos naturais, descrevia a missão e os meios para cumpri-la e alertava para a necessidade de quantificar em números os custos totais para que a ONU ressarcisse Portugal no caso de este tomar parte na ONUMOZ PEACE KEEPING OPERATION. Propunha finalmente que Portugal aproveitasse essa oportunidade de fazer e fazer bem.

De novo em Portugal, aceite a proposta e preparados os meios, voltei de novo a Moçambique com o Comandante da Força, ten-cor Pinto de Castro e com o seu segundo comandante major Stone para, in loco, os inteirar do que era referido no meu Relatório, para aferir os ajustes finais e para ajudar a aplanar dificuldades. Depois voltámos a Portugal e só os elementos da força regressaram a Moçambique.

A Operação foi coroada de êxito, tendo as nossas tropas e o seu comando recebido os mais rasgados elogios.

Nove nações contribuíram com tropas para esta operação tendo Portugal, pela sua missão, estabelecido os meios de ligação de comando e coordenação do esforço de todos eles na operação conjunta.

3. Centro Cultural de Belém – Despacho conjunto do 1.º Ministro e do Ministro da Defesa Nacional.25/5/90

Construía-se o Centro Cultural de Belém (CCB). Alguém a nível do Governo alertou para a necessidade de que os equipamentos e outros elementos electrónicos fossem construídos e instalados à prova de radiação electromagnética, dado que iam aí decorrer reuniões da máxima segurança, durante a Presidência Portuguesa da Comunidade Económica Europeia.

Consultada a DAT, esta indicou o meu nome, o que veio a merecer o Despacho conjunto do 1.º Ministro e do Ministro da Defesa Nacional.25/5/90, mediante o qual passei a responder, pelo estudo, configuração e segurança das comunicações contra radiações indesejáveis e fuga de informação electrónica, actuando na fase da construção do Centro Cultural de Belém como consultor, e nas 15 reuniões de alto nível da Presidência Portuguesa da CEE como responsável pela definição das áreas de alta segurança e procedimentos de limpeza electrónica correspondentes. Nessas funções estive em Guimarães, Porto, Curia, Algarve, Madeira, Estoril etc.

2 comentários em “Coronel Cruz Fernandes – Uma notável história de vida (6)

  1. As Forças Armadas Portuguesas alcançaram elevado prestígio no processo de paz de Moçambique (ONUMOZ PEACE KEEPING OPERATION) em especial através do trabalho realizado pelo Batalhão de Transmissões 4 (BTm 4). O Ministro da Defesa Nacional, o Chefe do Estado-Maior do Exército e o Diretor da Arma de Transmissões, destacaram-se desde a primeira hora, contra muitas opiniões contrárias como político e militares interessados no contributo de Portugal.
    Embora não esteja de acordo com o que diz o coronel Cruz Fernandes, “O assunto passou para o Exército e as Armas tiveram atitude semelhante à dos Ramos. O ónus passou para as Transmissões.”, uma vez que julgo que inicialmente a Arma de Engenharia estava empenhada, posso testemunhar que a deslocação do coronel Cruz Fernandes a Moçambique para realizar o reconhecimento da missão e a prontidão (entrega imediata) e competência técnica do seu relatório foram decisivas à atribuição da participação portuguesa às Transmissões.
    Como se diz no post, “A Operação foi coroada de êxito, tendo as nossas tropas e o seu comando recebido os mais rasgados elogios.” a que acrescento ainda estar em aberto muito para a valorizar como inovadora, até em termos mundiais, mas assim se fará nos próximos anos na sequência da caminhada de valorização económica, social, cultural e militar que atualmente se desenvolve em Moçambique.

    1. Amigo Pena
      Um grande abraço. Sinto-me honrado por teres deixado expresso o teu ponto vista sobre o Processo de Paz de Moçambique e da interevenção que aí tive. Grato pelo público testemunho.
      Cruz Fernandes

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