Post do MGen Pedroso Lima, recebido por msg:

O mensageiro foi o meio mais antigo que se utilizou, desempenhou um papel importante na vida das nações e dos Exércitos e a Arma de Transmissões reconheceu-o  claramente ao escolher o Arcanjo S. Gabriel para seu patrono.  Por outro lado o “espírito do mensageiro” traduz bem uma caraterística essencial do pessoal da Arma de Transmissões que é o de “levar a carta a Garcia”.Torna-se, assim,  para mim difícil de entender o pouco interesse que a historiografia das Transmissões do Exército  tem dedicado a este tema.[1]

Sem a pretensão de esgotar o assunto, mas sobretudo para procurar interessar os visitantes deste Blogue[2] para o tema, vamos apresentar notas selecionadas  de duas obras, uma de carater geralo e outra relativa às comunicações em Portugal.[3]

Convém acentuar que se os sistemas de telegrafia ótica[4] estão ligados ao aparecimento da escita, o que sucedeu na Suméria (cuneiforme) entre 3250 e 1950 AC e no Egito (hieroglífica), por volta do ano 4000.[5]  é de admitir que a utilização de mensageiros ainda seja anterior.

O mensageiro mais famoso da história  foi o corredor grego Fidipes, que, de acordo com a lenda, em 490 AC , percorreu 36,2 km de Maratona a Atenas para avisar os atenienses da aproximação do Exército persa.[6]

O rei persa Ciro o Grande que viveu entre 599 e 530 AC e reinou na Pérsia durante os últimos 19 anos da sua vida, melhorou o sistema de comunicações existente introduzindo  estações, colocas à distância que um cavalo podia percorrer num dia, e que dotou com cavalos e pessoal para tomar conta deles; em cada uma das quais se encontrava um oficial que recebia as cartas e as fazia seguir em cavalos e cavaleiros frescos.[7]

Mais tarde, no século XIII, Marco Pólo, que visitou  China entre 1271 e 1294 descreve o sistema montado pelo rei mongol Kublai Khan, neto do célebre Gengis Khan da seguinte maneira:[8]

“Vamos apresentar sistema de estações que o Grande Khan utilizava para enviar os seus despachos. Há que referir que da cidade principal, irradiavam muitas estradas, cada uma das quais tinha designada a província a que se destinava. O sistema estava admiravelmente concebido. Quando qualquer cavaleiro seguia por uma daquelas estradas só tinha que percorrer 40 km para encontrar uma estação onde mudava de cavalo.”
“…Aqui o cavaleiro encontrava estacionados não menos de 400 cavalos, á ordem do Grande Khan  e prontos para serem utilizados pelos seus mensageiros quando em serviço .”

O autor chama a atenção para a dimensão e custo deste sistema que envolvia estações  nas principais estradas  do país. Esclarece que os 400 cavalos não se encontravam em uso ao mesmo tempo, o que só acontecia com metade pois a outra estava a pastar e a descansar para a próximo percurso a efetuar.

No caso de o Gande Khan necessitar de notícias urgentes de uma determinada província  o sistema era melhorado de modo a permitir que os mensageiros percorressem 400 km por dia.  Para o efeito os cavaleiros seguiam aos pares e os cavalos eram selecionados. Durante o percurso e quando chegavam próximo da estação (como vimos a 40km)  tocavam uma espécie de trompa  que produz sons a grande distância, para avisar a estação da sua chegada, por forma a trocarem  imediatamente de cavalo para um fresco,  prosseguindo a sua missão.

Em Portugal os mensageiros também foram, desde o início da nacionalidade, um elemento indispensável à vida do país e ao funcionamento das instituições civis e militares, da governação do reino e da sua vida económica. Esta situação de predominância quase absoluta do mensageiro como meio de comunicação só começou a modificar-se em meados do século XIX com o aparecimento do telégrafo elétrico disponibilizado ao público em geral e mais para o final do mesmo século pelo aparecimento e generalização do uso do telefone.

Nos primeiros séculos da nacionalidade os mensageiros que percorriam e enxameavam as estradas no país compreendiam as seguintes profissões: os “correios reais” que asseguravam a transmissão dos despachos da coroa, os almocreves, indispensáveis para o transporte de mercadorias, os barqueiros, necessários para permitir a transposição dos rios, dada a ausência de pontes, os caminheiros que transportavam as mensagens a pé., os cavaleiros e, finalmente, os carreteiros que asseguravam os transportes dee mercadorias mais pesados com carretas.[9]

Este conjunto de mensageiros  já era bastante numeroso[10] mas para que muitas das mensagens chegassem, como se pretendia aos destinatários,  que em larga maioria eram analfabetos, tinham que intervir os pregoeiros para completar o processo, lendo as disposições régias nas localidades a que se destinavam.[11]

Em Portugal também se organizaram os serviços dos correios, a partir de 1520, com a criação do cargo de correio-mor; em 1606, no reinado de Filipe II, os correios foram privatizado e volltaram, em 1793 para as mãos do Estado.[12]

De acentuar que na Idade Média em Portugal, durante a Reconquista  cristâ, e nos anos seguintes marcados pela necessidade de ter em conta a ameaça do poderoso reino de Castela, não se utilizavam, com fins militares, apenas mensageiros, mas antes um conjunto de meios que se podem resumir no seguinte:
“Recorrendo aos tradicionais batedores, contratando os serviços de “espias e enculcas”, usando mão de técnicas de comunicação visual (sinais de fogo e fumo (almenaras), bandeiras, movimentos codificados) ou auditiva (sinos, trombetas, buzinas, cornos), servindo-se de emissários especiais – a nado ou por terra – operavam verdadeiros milagres para entregar ou recolher as suas mensagens, ou ainda recorrendo a expedientes muito variados  (inclusão de pequenos papeis em projécteis neuro-balísticos, uso de senhas e palavras-chave e quiçá a velozes pombos-correios[13]), o chefe militar da Idade Média procurou assim, controlar o espaço e o tempo, as duas valências nucleares da guerra de todos os tempos.”[14]

Para terminar resta-me apresentar o exemplo de um notável mensageiro português que deu a notícia da vitória portuguesa em Aljubarrota e que Fernão Lopes relata assim:

“E sendo terça feira e muita gente estivesse à tarde na Sé para rezar a salve Rainha, como de costume, chegou um moço João Martins Cozinho, morador em Alenquer , que fez saber aos da cidade que tomassem mui grande prazer. porque ficavam certos que el-Rei seu senhor houvera batalhar com el-Rei de Castela e o desbaratara e vencera em campo.”[15]

O jovem percorreu 135 km em perto de 24 horas, o que fez desconfiar os presentes, e é uma distância quase quatro vezes superior à da Maratona…


[1]  Apenas conheço, nas Transmissões, apenas algumas linhas escritas sobre Mensageiros  Notas do coronel Bastos Moreira.

[2] Uma das vantagens do Blogue é precisamente a de permitir publicar trabalhos que possam ser melhorados com outros contributos.

[3] As duas obras referidas são:

  • PEHRSON, Gerard The Early History of Data Networks , 1994
  • COELHO, Maria Helena da Cruz (coord.), As Comunicações na Idade Média. Fundação Portuguesa das Comunicações, Lisboa, 2002.

[4]  Isto significa que os sistemas de telegrafia ótica, não podiam ser anteriores aos mensageiros, que permitiam, antes da escrita, a troca de mensagens verbais.

[5]. www.academialetrasbrasil.org.br/histescrita.htm

[6] PEHRSON, obra citada pág. 10.

[7] Idem pág. 12. A descrição é do historiador Xenofonte.

[8] Idem pág.13

[9] Carros puxados por juntas de bois

[10] MACEDO, Jorge Borges, no Dicionário da História de Portugal,de SERRÂO, Joel, indica as seguintes existências em Portugal: 5438 almocreves em 1867, 4 000 barqueiros em  1811 e 9272 carreteiros em 1869. De acentuar que se trata de um conceito de mensageiro mais amplo, que o identifica com o transportador não apenas de mensagens mas também de outros bens e até de pessoas.

[11] Esta leitura era testemunhada para garantir que a leitura dos despachos era executada.

[12] MACEDO, obra citada, entrada “Postas e Correios”. Em 1606 o cargo de correio-mor foi vendido a Luís Gomes da Mota por 70.000 cruzados.

[13] No texto anterior esclarece-se que na Reconquista só há notícia do uso dos pombos-correios pelos muçulmanos.

[14] COELHO obra citada pág.187.

[15] Idem pág. 185