Lanterna elétrica de sinais
Código de Morse – Exploração das Transmissões

Neste mês de abril de 2012, quando ainda se analisa e discute o desempenho da Sala Marconi nas comunicações do paquete Titanic, cujo naufrágio ocorreu em 1912, recordo aspetos relacionados com o encalhe do navio cargueiro Pacific Harmonie, ocorridos numa tempestuosa noite durante a monção de 1955 a cerca de 200 metros da praia de Talpona, perto da foz do rio Galgibaga, sul de Goa, Índia Portuguesa.

Assinalado a vermelho o local do naufrágio, junto à praia de Talpona

Nessa altura tinha 19 anos e como 2,º Sarg radiomontador da Arma de Engenharia, fazia parte do pelotão de transmissões do Batalhão de Caçadores Vasco da Gama (BCVG), aquartelado no planalto de Alparqueiros, junto da cidade Vasco da Gama.

O BCVG (1954/1957) recebeu ordem para deslocar uma força para o local do acidente com o fim de prestar apoio, formando-se de imediato um grupo comandado pelo major Inf Alexandre Cifuentes, 2.º Cmdt do batalhão. O grupo envolvia, entre outros, elementos de Transmissões incluindo o tenente Inf Carreiro da Câmara, Cmdt do Pelotão de Transmissões, o sargento radiomontador, cabos radiotelegrafistas (da Arma de Eng.ª) e soldados radiotelefonistas (da Arma de Infsntaria), especialistas para assegurar a ligação com o navio e com o centro de transmissões do BCVG (Alparqueiros). A secção de transmissões dispunha de dois E/R P-21 e de lanterna elétrica de sinais equipada com dispositivo para transmissão utilizando o alfabeto morse.

Em Talpona funcionou em perfeitas condições (morse) o P-21 destinado a ligar-se com a sede do BCVG (Alparqueiros), não se tendo conseguido estabelecer ligação com o navio através do outro P-21, apesar da dedicação dos seus operadores, grafia e fonia, ao longo de toda a banda de frequência (HF) do equipamento.

O cargueiro MV Pacific Harmony (1929), usado durante a Guerra da Indochina como navio hospital (560 camas) e transporte de tropas. Perda total no naufrágio.

O esforço em obter comunicação com o navio também se desenvolvia através do posto de transmissão ótica guarnecido pelo major Cifuentes (bom conhecedor da língua inglesa) e pelo radiomontador (competência em morse adquirida no curso dos Pupilos e alguma prática conseguida durante a viagem Lisboa/Mormugão). Ao fim de inúmeras chamadas conseguimos estabelecer ligação, sendo a primeira mensagem da tripulação a solicitar o nosso empenho para informar o armador a que pertencia o navio do que estava a acontecer. Na memória do coronel Carreira da Câmara, com quem troquei impressões sobre este episódio, os tripulantes eram chineses e a empresa armadora de Hong-Kong. Recordo, com clareza, a dificuldade por parte do major perito em inglês e do sargento operador em apontar os dados necessários à concretização do pedido, numa noite de chuva e agitação do mar (balanço do cargueiro), mas conseguimos e a mensagem foi retransmitida pelo P-21 para a sede do batalhão e depois, via Marconi, entregue ao destinatário.

Praia de Talpona

Durante a manhã do dia seguinte chegaram a Talpona elementos das Forças Navais estacionadas em Goa que se ocuparam na tentativa de retirar a tripulação tendo o grupo do BCVG regressado ao aquartelamento. Entretanto, durante as operações de salvamento (cabos vaivém), o cargueiro partiu-se em duas partes tendo morrido alguns tripulantes que se atiraram ao mar no momento da fratura devido à forte agitação marítima que se verificava.

Este trabalho inicial no campo da Exploração das Transmissões foi importante para a minha carreira militar. A procura de conjugar saberes e competências suficientes para operar os meios, mesmo em exercícios e operações, sempre me acompanhou constituindo mais valia relevante no desempenho normal, como oficial técnico de Manutenção das Transmissões, em especial na Escola Prática de Cavalaria, Campo de Tiro de Alcochete e unidades da Arma de Transmissões em Angola e Guiné-Bissau.

3 comentários em “Naufrágio ocorrido em Goa em 1955

  1. Parabéns por este bem interessante documento, lembrando a nossa presença na Índia…
    Um abraço

    Bento Soares

    1. Obrigado, meu caro major-general, Eng, Bento Soares. Esta recordação interligada com o passado há cem anos com o paquete Titanic releva a prioridade em dar a conhecer ao “patrão” o que se passava. Nós o que queríamos era estabelecer comunicação para se iniciar o salvamento por prevermos o pior, mas o que “sentíamos” da tripulação era não abandonar o navio, era que se enviasse o “telegrama”.
      A outra parte consiste, naquela altura e de certo modo ainda hoje, valorizar a exploração, a boa operação dos sistemas, “aproveitar-lhe” todas as potencialidades, o que não acontecia, dum modo geral, nem por parte dos técnicos de manutentação nem pelos engenheiros. O Bento Soares, na altura capitão, por certo pode confirmar no nosso ambiente de atuação na Guiné-Bissau.
      Um abraço amigo,
      António Pena.

  2. De assinalar a auspiciosa estreia do coronel António Pena como autor deste post, no qual me permito destacar os seguintes aspetos invulgares:
    – tratar-se de uma comunicação terra-mar, em inglês, com um navio estrangeiro
    -o operador da transmissão em Morse, através de uma lanterna, ser um jovem sargento radiomontador de 19 anos (dos Pupilos). Confesso que nunca vi, na minha passagem nas Tranmissões um sargento radiomontador substituir praças radiotelegrafistas na transmissão em grafia.
    .-a perfeita conjugação de esforços entre o oficial tradutor e o sargento Pena operador para que o processo chegasse ao seu termo.
    Em resumo penso que muito há ainda a esperar deste nosso camarada…

Os comentários estão encerrados.