Post do nosso leitor Sr João Freitas, recebido por msg (fotos do autor):

As guerras coloniais portuguesas da década de sessenta/setenta criaram mitos a nível dos equipamentos utilizados. Nada de estranho ou invulgar, pois em todos os conflitos esta espécie de fenómeno acontece. Quando se discute o assunto invariavelmente as siglas “G-3”, “T-6” ou “AN/GRC-9” veem á tona de água como bolhas de ar. O sucesso do último caso assinalado, o seu maior número e as semelhanças com o rádio de que agora nos ocupamos, levam a que este não tenha o reconhecimento merecido. De facto o SCR-694, “Paido AN/GRC-9 (1, 3), é com ele muitas vezes confundido (2), Em tudo bastante similar e de forma paradoxal, diferente!

Militares portugueses nos EUA (Fort Monmouth) recebendo treino no SCR-694. No aparelho em 1º plano (com a tampa fechada) repare-se na diferença de largura entre a base e o seu topo (menos largo)

Pelos motivos apresentados, manteremos neste artigo o nome do AN/GRC-9 sempre presente. O BASIC COMPONENT 1306 (BC-1306), nomenclatura dada apenas ao recetor/transmissor do Set Complet Radio 694, tem a forma e a aparência de um GRC-9 (4) ligeiramente mais pequeno, sendo de facto o seu antecessor. Também de origem americana, usado durante a Segunda Guerra Mundial e inicialmente concebido para ser empregue apenas por unidades especiais e tropas de montanha que o transportariam ao dorso, imediatamente foi adotado por todas as formas de utilização. Com uma gama de frequências compreendida entre os 3.8 e os 6.5 MHz (2 aos 12MHz, no GRC-9), utiliza todos os periféricos que encontramos mais tarde neste rádio, incluindo o gerador a manivelas.

A sua gama de frequências é agrupada numa banda única corrida (3 bandas, no GRC-9), podendo-se fazer a pré-seleção de duas frequências com dois cristais, (2 cristais, em cada uma das 3 bandas, no GRC-9). Estes dois cristais estavam colocados no seu painel frontal, protegidos por uma pequena tampa, enquanto os cristais do GRC-9 eram fixos no seu interior obrigando a uma desmontagem simples do radio para lhes ter acesso.

“BC-1306” do “SCR-694”
“RT-77” do “AN/GRC-9”

Como referimos, a uma certa distancia e vistos de frente, apenas o seu menor tamanho e os botões de comando (totalmente redondos no BC-1306 e redondos com asas de manobra no GRC-9) distinguem um aparelho do outro, sendo até as grelhas de proteção muito idênticas. Quando os observamos de lado essa identificação é bastante mais simples, pois o BC-1306 é mais estreito na sua parte superior, devido á sua tampa frontal ser desigual (mais larga na base).

Assim como no GRC-9, o BC-1306 tinha o transmissor na parte superior e o recetor na inferior, englobados numa mesma caixa de alumínio. O sistema utilizado para a necessária ligação interna das duas partes, coincidia no conceito mas diferia totalmente na forma. Curiosamente o BC-1306, apesar de ser o primeiro, tinha um sistema que parecia ser a evolução do que mais tarde aparece no AN/GRC-9. Na realidade este primeiro sistema revelou-se fonte de problemas, tentemos relembrar: A caixa do BC-1306 onde eram colocados o recetor e o transmissor, tinha no seu fundo duas fichas fêmea interligadas (permitindo um ligeiro ajuste)  , bastando para o estabelecimento das ligações, empurrar a parte recetora e a transmissora (cada uma com a sua ficha macho) até á sua posição de trabalho, as conexões estabeleciam-se naturalmente. A impossibilidade de visualizar realmente estes procedimentos de encaixe, alguma pouca habilidade e empenos de diversa ordem, danificavam com regularidade estas uniões, ou o rádio por existência fácil de posteriores curto-circuitos. Tendo em conta tudo isto, o AN/GRC-9 mantém o mesmo sistema, só que desta vez as fichas macho apenas estão seguras á caixa pelo cabo que as interliga, ficando com folga suficiente para o pessoal encarregue da manutenção ter a possibilidade de, com a sua própria mão, proceder á sua separação ou ligação antes de fechar o aparelho, este passo para trás resolveu alguns dos problemas encontrados na serie BC-1306. Condensadores de mica (Micamold?) castanhos, bem conhecidos dos nossos técnicos) eram outra das dores de cabeça, transformando-se em verdadeiras resistências…

Fonte de alimentação “PE-237”

Vindo equipado com a fonte de alimentação “PE-237”, pesadíssima e enorme (desenhada tendo em conta a dimensão dos guarda-lamas traseiros dos Jeep Willys MB e GPW), com uns característicos vibradores paralelepipédicos de cor negra, logo que aparece a mais moderna e menos problemática “DY-88”, esta é rapidamente adotada. De referir que a fonte de alimentação “PE-237” ainda equipa as primeiras unidades do AN/GRC-9.

Em Portugal recebemos o SCR-694 em finais de quarenta (48, 49?) e mantivemo-lo em operação até aos primeiros anos da Guerra Colonial, a par do AN/GRC-9, entretanto chegado a Portugal e que o substitui com vantagens e sem sobressaltos. Sabemos que este aparelho foi fabricado entre cinquenta e sessenta em França, nunca encontrámos prova de que tivéssemos recebido alguns com essa proveniência.

João Freitas

Notas:

(1) Revista QSP n.º258 de 12 / 2002

(2) Em contactos tidos com antigos militares, a memória atraiçoa-os identificando-o da seguinte maneira: “Eu operei num AN/GRC-9 mais pequenino”! Ou, “No batalhão havia dois AN/GRC-9, mas um era ligeiramente menor do que o outro”. . .

(3) Não crendo nós, que nos julguem estarmos a falar de cátedra, e como mero apontamento para tentar ajudar a compreender melhor esta coisa das nomenclaturas, uma vez que estamos a escrever para um grupo alargado de interessados, alguns deles nunca tendo passado pelas transmissões, encontramos no artigo deste mês dois bons exemplos das identificações americanas, utilizadas durante a 2ª Guerra Mundial e posteriormente. Assim temos o SCR-694, um radio de 1942/43, identificado pelo sistema “SCR(SET COMPLET RADIO), usado durante os anos de 1920 a 1942/43, e o AN/GRC-9 sendo de fabrico posterior é abrangido já pelo sistema “AN” (ARMY NAVY), usado de 1943 a 1957 e que, naturalmente, substitui a tal nomenclatura “SCR”.

Digno de nota é o facto do sistema “AN” não contar com a força aérea (americana) e referindo-se apenas ao exército e à marinha. Como sabemos, só em 1947 a aviação se separa do exército, formando um ramo independente, adotando uma nomenclatura similar para os seus aparelhos de comunicações.

Como a nomenclatura “SCR” têm criado erros de tradução, a ela voltaremos no futuro.

(4) Se quisermos ser mais precisos teremos que dizer que apenas o conjunto transmissor/recetor tem a designação “BC-1306”, no caso do conjunto “SCR-694”. De certa forma corresponde ao transmissor/recetor “RT-77/GRC-9” ou simplesmente “RT-77“, nomenclatura que identifica apenas o bloco transmissor/recetor de um sistema composto também por dezenas de componentes e a que foi dada a nomenclatura englobante de AN/GRC-9!

Quando falamos dos conjuntos SCR, ou do seu sucessor AN, compreende-se de imediato um vastíssimo lote de componentes imprescindíveis para que o objeto primordial desse conjunto (ex. o tal BC, ou RT) exerça em plenitude e em todas as situações previstas, a função para a qual está destinado. Assim cada componente, por mais pequeno que seja, terá letras e números que o identificam. Geralmente duas letras iniciais indicam-nos a função/utilidade, por ex. saco (bag) letras BG, cabo de micro (cord) letras CD, o número dá-lhes uma identidade única. Muito mais haveria a acrescentar, pois existem variantes e exceções, mas pensamos que só iriamos complicar o que é complicadamente simples…

Não vindo daí mal para o mundo, logicamente tantos códigos específicos dentro de um mesmo conjunto, levam-nos a designar algumas vezes um mesmo rádio (apenas o bloco transmissor/recetor) com dois “palavrões” diferentes, por exemplo dentro do sistema SCR, quando falamos do conjunto SCR-300, falamos do rádio BC-100; no SCR-536 o rádio é o BC-611. No sistema AN para além do GRC-9 poder-se-ia apontar o caso do AN/PRC-10 em que apenas o rádio tem a designação RT-176. Dezenas e dezenas de outros casos poderiam ser apontados.

1 comentário em “SCR-694

  1. Na 1ª foto, onde se lê “repare-se na diferença de largura entre a base e o seu topo”, dever-se-á ler “repare-se na diferença de altura entre a base e o seu topo”.
    João Freitas

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