1. PREÂMBULO

Vou tentar recordar, de memória, as minhas actividades nas Transmissões na Guiné. Porém, antes de o fazer, vou relatar, de forma muito sucinta, como fui “parar” às Transmissões. Aliás, penso que este aspecto também tem interesse para a nossa “História” pois dá uma panorâmica da forma como foram gerados os quadros da futura Arma, nessa época ainda não existente, nem sequer esboçadamente.

Penso mesmo que seria interessante coligir-se tudo aquilo que constituiu esta “mecânica” de desviar Oficiais da Arma de Engenharia para servirem nas Transmissões, alguns deles temporariamente. E conviria também não esquecer que, a esses, foi mais tarde perguntado (aquando da criação da Arma de Transmissões [em 1970]) se queriam ou não integrar-se na nova Arma. Eu fui um dos que responderam sim. E fi-lo porque, uma vez mobilizado para chefiar a Delegação do Serviço de Telecomunicações Militares (STM) na Guiné (em Agosto ou Setembro de 1961) nunca mais voltei à Arma de Engenharia.

Estava em Tancos na Escola Práctica de Engenharia a terminar o tirocínio e, sem que alguém me contactasse ou consultasse, apareço mobilizado para a Guiné, com data de embarque para daí a mais ou menos quinze dias, sem saber nada do que iria fazer e sem sequer saber o que era o STM. E foi assim que “entrei” para as Transmissões.

Depois de ter procurado saber o que era o STM e o que estava planeado para a futura Delegação em Bissau, fui devidamente esclarecido pelo então capitão de enngenharia Silva Ramos do Batalhão de Telegrafistas, onde se sediava o STM. E fiquei a saber que nem a Direção do STM sabia da minha mobilização!

Por razões de incompatibilidades dos cargos de Chefe da Delegação do STM e de Oficial de Transmissões do QG, e de aquela Delegação não estar ainda constituída quer em pessoal quer em material, permaneci durante alguns meses no Batalhão de Telegrafistas reunindo os equipamentos para a serem instalados na Guiné e colaborando na preparação da Delegação do STM em Timor, cuja estrutura era exactamente igual à da Guiné.

2. Missão em Cabo Verde

Entretanto, no início de 1962, fui incumbido de instalar na Ilha do Sal, Cabo Verde, os equipamentos necessários ao estabelecimento de ligações por via rádio, grafia, com aquela Ilha. Fui transportado para o Sal num avião da Força Aérea, acompanhado pelo 2.° Sarg Radiotelegrafista Lopes e pelo 2.° Sarg Radiomontador Amador, juntamente com um Emissor/Receptor RCA de 4 canais, com amplificador de 1.000 W, um grupo gerador, mastros de antena tipo CTH, antena dipolo em X e todos os acessórios complementares necessários. Utilizaram-se as instalações onde se encontrava aquartelada a Companhia de Artilharia que constituía, à época, a guarnição do Sal.

Regressado a Lisboa, parti a 14 de Fevereiro, por via aérea, para a Guiné. Entretanto, o pessoal e o material para a Delegação do STM já tinham seguido por via marítima para o mesmo destino.

3. Transmissões Permanentes na Guiné Portuguesa

Especificamente quanto às Transmissões Permanentes no Comando Territorial Independente da Guiné (CTI), durante o período de Fev 62 a Fev 64, releva-se o que a seguir se descreve.

a. Organização

Na Guiné não existiam, nessa altura, transmissões de carácter permanente, nem unidade de transmissões, nem Comando das Transmissões. A Delegação do STM dependia directamente da Direcção do STM, em Lisboa, tendo ficado instalada no Quartel-General (QG), onde já existia um edifício construído para o efeito, e disponível.

Como a Delegação não dispunha de quaisquer órgãos de carácter administrativo-logístico (com excepção do destinado à manutenção dos seus próprios equipamentos), o pessoal ficou adido a uma Companhia de Caçadores, instalada no aquartelamento do QG. Mais tarde passou para o Pelotão de Comando e Serviços do mesmo QG.

Nessa altura, as forças de quadrícula compreendiam Batalhões de Caçadores aquartelados em Mansoa, Bafatá, Tite e Bula, onde a Delegação instalou postos de rádio, cada um com uma guarnição de 4 praças radiotelegrafistas, para funcionamento permanente em ligação entre si e com o Posto Director da Rede em Bissau.

b. Pessoal

A Delegação tinha cerca de 70 homens, dos quais: um oficial, Cap de Eng.ª (Tm), um 1.° sarg radiomontador e um 2.° sarg radiotelegrafista (Freitas), 4 furriéis milicianos (Miranda e Cavaco – Centro de Msg, Carvalho – T.P.F., Valdoleiros – T.S.F.), e o restante eram praças radiomontadores, radiotelegrafistas, operadores de centro de mensagens, telefonistas e guarda-fios.

c. Material e Apoio Logístico

Os postos de rádio, instalados nos comandos dos 4 Batalhões de Caçadores, dispunham de um radiotelefone FM de 100 watts americano da KAAR Engineering Co, fonia e grafia, e de grupos geradores privativos. No QG existia igualmente um posto de rádio, com o mesmo tipo de equipamento, destinado exclusivamente às ligações com os batalhões (era a designada “rede interna”).

No QG, no edifício da Delegação, estava instalado o centro de mensagens, o posto de rádio destinado às ligações com a metrópole, as oficinas de radiomontadores e de TPF, a central telefónica automática e os terminais de cabo hertziano. As ligações com a metrópole iniciaram-se com dois Emissor/Receptor RCA de 100 W, de 4 canais, equipados com amplificadores de 1.000 W, que permitiam ligações em grafia (normal) e fonia (ocasional), utilizando antenas dipolo em X. Mais tarde, após a construção do centro emissor em Antula (a cerca de 3 km do QG), instalou-se um emissor de 10 KW Marconi com antena rômbica, o qual permitia, alem da grafia, transmissão por teleimpressor e fonia em ful-duplex de qualquer telefone da rede militar do CTI.

A rede telefónica automática de Bissau, com cabos enterrados, compreendia uma central da AEP (Automática Eléctrica Portuguesa) de 50 linhas no QG e outra de 25 linhas na Amura. Esta rede ligava todas as entidades militares em Bissau e todos os comandos de Batalhão, estes através de feixes hertzianos.

A Delegação dispunha de relativa autonomia. Tinha apenas um 1.° sargento radiomontador (dos “antigos” – da “faísca”- totalmente incapazes, por ignorância, de fazerem a manutenção de equipamentos do que havia de mais moderno, na época) e dois 1.°s cabos radiomontadores.

Amadeu Garcia dos Santos
03 de Novembro de 2006

1 comentário em “Memórias da Organização e Atividades das Transmissões Permanentes na Guiné Portuguesa e em Cabo Verde – 1962/64

  1. Interessante este texto do Sr. General Garcia dos Santos. Seria também oportuno
    que nos contasse a história do Racal TR-28, que foi desenvolvido na África do Sul, e que
    foi utilizado nas nossas FA com tanto êxito. Os meus cumprimentos.

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