‘Post’ do nosso leitor João Freitas, recebido por msg

Um código é um sistema que dificulta uma leitura directa, de modo a que o conhecimento da realidade do texto, seja apenas de um grupo restrito. Uma vez descodificado, simplifica para o tal grupo de escolhidos, o trabalho de leitura ou identificação. Cedo se apercebeu que era inútil qualquer tipo de classificação de segurança para os sistemas codificados de identificação de aparelhagem electrónica, pois o conhecimento da sua globalidade determina a sua imediata solução. Hoje em dia estes sistemas estão vazios de secretismos oferecendo apenas uma solução prática para ordenações lógicas.

Os países que ao longo da sua história produzem rádios militares, sentiram desde o início a necessidade de criar códigos identificativos para os mesmos, esses códigos vinham inicialmente das fábricas produtoras. Logo nos anos vinte do século passado, os sistemas identificativos militares remetem definitivamente para segundo plano os sistemas de fábrica, apesar destes persistirem até hoje acumulando com os prevalecentes. Alguns, caso do Reino-Unido, agrupam os seus aparelhos por grandes “famílias” identificando cada aparelho com um número individual, outros, como nos EUA, a cada função, modo de emprego, finalidade, etc atribuem uma letra. Conjugações diversas destas letras identificam com precisão determinado aparelho.

Portugal com uma produção própria diminuta, mas continuada no tempo, quase sempre adoptou as identificações de origem quaisquer que elas fossem, desde que os aparelhos viessem do estranjeiro. Os aparelhos concebidos e feitos cá recebiam nomenclaturas que iam do nome do criador do aparelho (1), até á abreviação de palavras que se identificavam com a utilidade do sistema (2).

Presumimos que a primeira ténue tentativa de um código português e exceptuando a regra acima descrita, aparece involuntariamente em 1910 com os Telefunken (os segundos rádios recebidos para o exército) e em 1915 com os Marconi (terceiros rádios comprados para o exército). Este código (?), se na realidade existiu, não teve continuidade. Temos esta dúvida porque nada há escrito sobre o assunto, apenas relatamos este facto por identificação das siglas utilizadas, com palavras conhecidas e que se encaixam naturalmente (ex. modelo MT=Material Transmissões)

O primeiro verdadeiro código nasce com a Guerra Colonial de 1961. As existências heterodoxas, são agravadas com um enorme acréscimo de todo o tipo de material. Para facilitar a logística dos abastecimentos tenta-se agrupar os diversos aparelhos por critérios de funções, separando-os por letras de “A” a “E” (numa segunda fase foram acrescentadas as letras “F” e “G” ver quadro). Este sistema previa que os aparelhos não perdessem a sua nomenclatura de origem (3).

Tipo “A” ex. SCR-536 e CPRC-26
Tipo “B” ex. SCR-300 e AN/PRC-10
Tipo “B/D” ex. SCR-608 / 628
Tipo “C” ex. P-38
Tipo “D” ex. P-11; P-19; P-21; AN/GRC-9 etc.
Tipo “E” ex. SCR-188 e SCR-193
Tipo “F” ex.  ?
Tipo “G” ex. ?

A segunda tentativa nasce pouco depois e lida com a identificação dos próprios aparelhos, obrigando á alteração da referida identificação de origem. Como anteriormente esta tentativa também não resulta, não tendo continuidade. Para isso contribuíram: as grandes disparidades na origem do material; a enorme gama de aplicações; a totalidade do esforço de defesa estar dirigido para outros campos mais prementes; e a adopção simples das nomenclaturas que originalmente identificavam os aparelhos ser suficiente, não criando grandes confusões (4).

Apesar de tudo esta nomenclatura portuguesa para aparelhos de transmissões existiu e foi aplicada coerentemente em pelo menos três aparelhos, a saber: O “AVP-1”; o “CHP-1” e o “DSH-1”. Pensamos que a este sistema, devido á sua breve permanência, nunca foi atribuído um nome identificativo. Vamos então descodifica-lo.

Era composto por um grupo de três letras e um número separados por um traço, sendo:

1ª letra – Identificava os aparelhos em seis grandes grupos por ordem de utilização:

TIPO  “A”   Destinado ás redes de grupos de combate e pelotões
TIPO  “B”   Destinado a pelotões, ou companhias e para ligação terra / ar
TIPO  “C”   Destinado a companhias
TIPO  “D”   Destinado a batalhões
TIPO  “E”   Destinado a sectores
TIPO  “F”   Destinado ao estabelecimento de comunicações para escalões elevados

2ª letra- Separação por gama de frequências :

A letra   “V”   para identificar “VHF”
A letra   “H”  para identificar    “HF”

3ª letra- Meio de transporte ou utilização.

A letra “P” para portátil
A letra “S” para solo

Um número final, separado por um traço das letras, indicava o modelo dentro de cada categoria a que pertencesse.

Agora já podemos “entender”, o que o nosso “AVP-1″(5), (ou a sua nomenclatura), quer dizer. Recapitulando, temos um rádio destinado aos pelotões, ou a um grupo de combate ( “A”), com a gama de frequências no espectro de “VHF” (“V”), com utilização portátil (“P”) e sendo com estas características o modelo n.º 1 .

Como nada é linear, nem simples, somos obrigados a referir o caso dos rádios “AN/PRC-6” e AN/PRC-6/6 (6) ou mais propriamente do “TH.C. 737 e 736” (os banana)  que receberam em Portugal a designação generalista “AVF”. Primeiro não entendemos uma única designação “AVF” (manual português sobre este aparelho Mtm.5 de 1963). dada a dois rádios bem diferentes, segundo se a designação “AVF” tem referencia com o sistema que acabámos de explicar, o “F” deveria ser substituído por um “P” e no final deveria ser-lhe atribuído um numero (por exemplo “2 etc.”, uma vez que já havia sido aplicado o “1” no “AVP-1”), de resto a referida nomenclatura nem contempla o “F”. Gostaríamos que os nossos leitores que tivessem uma explicação válida para o facto, nos contactassem.

Uma prova mais da pouca operacionalidade deste sistema e das suas incongruências, é o facto do historiador generalista das nossas comunicações militares, o coronel Bastos Moreira, comprovar o que dizemos sobre o “AVP-1” e depois, no seguimento do seu texto, o colocar no grupo “B”, não ficando nós a saber se deveria chamar-se “BVP-1” ou “BAVP-1” (7)

Como dissemos, este sistema identificativo, não teve continuação, não só pelas razões apresentadas, como também pela exiguidade do mesmo, face á disparidade de material a classificar. Encontrando-nos numa situação bem definida pelo ditado “Se corre bicho pega, se fica bicho come” pois se esta nomenclatura fosse mais complexa, talvez nem a estes três aparelhos a tivessem atribuído.

Para finalizar, e como referimos anteriormente, este código, não teve nome, por isso, e como aconteceu diversas vezes em outros países vamos baptiza-lo de “Código  AVP”, utilizando as primeiras letras de cada uma das suas divisões e como diz o padre nos casamentos “se houver alguém que se oponha que o declare, ou se cale para todo o sempre  . . .”

Apesar de haver muitíssimo pouco escrito sobre a matéria onde nos possamos apoiar, pensamos que actualmente se vai adoptando, nos rádios de produção nacional um código idêntico ao código NATO, por sua vez muito similar ao sistema identificativo americano (JETDS). Baseamo-nos para esta afirmação no facto da nossa fábrica de aparelhos de comunicações militares a EID (com génese muito distanciada nas Sistel; Centrel e Standard Eletrica), adoptar para identificação dos seus aparelhos as siglas P/PRC ou P/PRT etc. (ex.P/PRT-825, P/PRC-501, P/PRC-425, P/PRC-525), onde a letra “P/” significará naturalmente Portugal. Esta adopção de siglas normalizadas, baseada num sistema identificativo coerente e provado, facilita entre outras coisas, a introdução deste específico produto nos mercados internacionais, já habituados aos sistemas americano/NATO.

João Freitas

Notas :

(1) “Heliógrafo Martins” de 1887, recebe o nome do seu inventor o 2º Sarg. Manuel Martins
(2) Receptor / Transmissor “20 TPL”, a sigla TPL representará Telefone Portátil Lisboa
(3) “Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África 1961-1974” 1º Volume, pag. 276, da Comissão para o Estudo das Campanhas de África 1961 / 74
(4) Em Portugal muitos dos utilizadores deste tipo de material, nem sequer conheciam o significado das siglas… isto refere-se á maioria dos postos e a muitos níveis – elas apenas eram decoradas como se de  música se tratasse!
(5) “AVP-1”, versão nacional feita sob licença na Standard Electrica do aparelho francês “TH.C. 766” com a designação militar francesa “TR.P.P.11”,
(6) “TH.C.”, são as iniciais da firma francesa  Thomson Houston Co., entre outras, detentora da licença de fabricação para França do “TR.P.P. 8A”, a designação dada nesse país ao AN/PRC-6/6, vulgo “banana”. É de notar que os aparelhos de origem francesa apenas são iguais aos americanos na sua forma exterior, havendo diferenças  nos blocos electrónicos. Neste caso bem é visivel a designação de fábrica TH.C. 736 e a equivalente designação militar francesa TR.P.P.8A.
(7) “… Quanto ao tipo B essencialmente destinado á ligação terra-ar, temos o posto americano também fabricado na Europa AN/PRC-10 e o AVP-1 …” sic.

“Notas sobre as transmissões militares em Portugal”, 2º volume, de 1983, pag . 31, do coronel Bastos Moreira

(Este texto, de nossa autoria, foi  publicado na revista “QSP” nº284 de fevº de 2005)

4 comentários em “Os códigos identificativos nacionais dos rádios militares

  1. Penso que a classificação de equipamentos por tipos, relatada pelo coronel Bastos Moreira no 2.º volume das suas “Notas” pág.31 e que o autor do post menciona foi a única classificação consistrente que existiu.

    Não sabemos o ano em que esta classificação foi implementada, mas em contrapartida podemos verificar que o critério deixou de ser aplicado, por exemplo com o aparecimendto do RACAL-TR 28.ou RACAL TR-15 .

  2. O manual português do TH.C.736 e 737 com a designação “MTm 5” datado de 1963, já aparece com a nomenclatura “AVF”. Pensamos ser a primeira vez em que o tal código é aplicado. Gostaríamos de ter outras opiniões.
    Embora não seja referido no texto por não ser uma classificação verdadeiramente dita, e apenas como complemento do que foi dito, durante os anos quarenta e cinquenta e só usado nos rádios de origem inglesa da série “Wireless Set” (1), foi aplicado em Portugal a tradução simples do termo, passando esses mesmos aparelhos a serem denominados apenas por “Posto Rádio”; “Posto rádio” ou apenas “P”.
    Assim, por exemplo, o conhecido “Wireless Set 19” foi denominado “Posto Rádio 19”, “P-19” ou simplesmente “P19”. Muitos outros houve dentro desta série embora tenhamos conhecimento que alguns, muito poucos, nunca tenham deixado a nomenclatura original.
    (1)A série “Wireless Set” é a primeira família coerente de rádios militares ingleses e aparece durante a Segunda Guerra Mundial (continuada nos anos cinquenta pela série “Larkspur”). Conta com cerca de cem aparelhos numerados de 1 até à centena, existindo números que nunca foram usados. A sua sequência numérica não nos indica o fim a que se destinam. Portugal recebeu largas quantidades de aparelhos destas duas séries (“Wireless Set” e “Larkspur”).

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