Post do nosso leitor e colaborador sr João Freitas, recebido por msg:
Os rádios militares não aparecem apenas na sua forma singela para serem aplicados nas mais diversas funções, por vezes vêm como o caracol, com a casa ás costas. É o caso dos conjuntos transmissores/receptores equipados de um “shelter” (abrigo), fazendo o seu conjunto um “SCR” (Set Complet Radio), ou um posterior “AN/???”.
Enquanto os britânicos optam, nos anos trinta e quarenta, por equipar de fábrica diversos veículos com cabinas para rádio fixas ao chassis e fazendo parte integrante do veículo, os EUA preferem desenvolver uma série de abrigos que encaixariam nos normalizados compartimentos de carga dos seus camiões, muito especialmente na GMC de 2ton. 1/2. Também no recheio destes “abrigos” as tendências nestes países eram diferentes. Enquanto a Inglaterra equipa o seu interior conforme a necessidade, os EUA estabelece conjuntos fixos e padronizados sob as referidas designações SCR e AN. Teremos de ter em mente, que estes abrigos americanos de que hoje falamos serviram a diversas conjugações internas fixas de material de comunicações, e a inevitáveis alterações ao sabor das necessidades.
Referimo-nos apenas a estes dois países porque neste momento, e na medida do nosso conhecimento os exemplares recebidos por Portugal, tiveram neles a sua origem. Não nos podemos esquecer de que durante o final dos anos sessenta, princípio de setenta foi desenvolvido um abrigo rádio nacional. sobre ele estamos a organizar um futuro artigo, assim como desenvolveremos outros textos sobre este mesmo tema.
Portugal ao longo dos anos quarenta e cinquenta recebe diversos conjuntos de origem americana, fabricados durante e após a Segunda Guerra Mundial com a designação “SCR-399” e “SCR-499”.
Tendo a sua génese no SCR-299(*), ambos compreendem o mesmo grupo de rádios e acessórios, a única diferença entre eles reside no facto de o SCR-399 fazer parte de um “shelter” para colocação sobre uma GMC ou similar, e uma unidade geradora rebocável. O SCR-499, desprovido destes dois elementos, estava destinado apenas a uma utilização fixa, estando prevista a sua ligação á rede eléctrica geral.
Por diversas vezes, no estrangeiro, tivemos a possibilidade de entrar em “casinhotos” destes totalmente recuperados por particulares e em estado de pleno funcionamento. É sem sombra de dúvida, para quem gosta do assunto uma experiência extraordinária. O cheiro, a luminosidade, os aparelhos maravilhosos que compõem o conjunto, em suma o ambiente causa-nos uma impressão indelével. Naquele peculiar ambiente somos facilmente levados pela imaginação e pela história que conhecemos.
É extremamente complexo enumerar todos os componentes destes SCR, por esse motivo apenas relacionaremos os elementos principais. Assim ao entrarmos no abrigo HO-17A, tínhamos ao lado esquerdo dois armários/secretárias em madeira com as unidades receptoras, BC-312 e BC-342, um amplificador de modulação BC-614, um frequêncimetro SCR-211, e telefones EE-8. A parede de fundo no abrigo, era quase toda ocupada pelo enorme transmissor BC-610 e pelo seu aparelho de sintonia de antena BC-939. Do lado direito encontrávamos um armário para arrumação de diversos componentes imprescindíveis ao funcionamento da unidade e ao centro uma fileira de bancos, servindo também de baús para guardar uma imensidade de cabos, antenas e demais acessórios. (**)
Equipados dessa maneira, estes dois conjuntos transmitiam e recebiam em amplitude modulada, numa larga gama de frequências compreendida sensivelmente entre os 2.000 kc/s e os 18.000 kc/s, tendo ainda a possibilidade de comunicação por cabo telefónico.
Como dissemos, no caso do SCR-399 encontramos ainda um reboque K-52, equipado com um gerador PE-95E. Neste momento convém relembrar, a diferença entre os SCR-399 e 499, reside no facto do 499 não possuir nem o abrigo HO-17A, nem o conjunto reboque/gerador, mantendo todos os outros elementos constituintes do SCR-399, incluindo os armários e os bancos que se encontravam dentro do abrigo, e que continham as unidades receptoras e seus mais directos acessórios.
Durante a sua permanência em Portugal os conjuntos SCR-399 foram alterados, com o passar do tempo e conforme as necessidades, retirando-lhes elementos da composição original e adicionando outros aparelhos de comunicações mais modernos. Também os diversos elementos dos SCR-499 dificilmente se mantiveram unidos na sua forma original, sendo aplicados individualmente conforme fosse julgado útil. Não conseguimos saber quantos conjuntos destes teremos recebido, mas pensamos que não terão sido mais de dez unidades.
Durante muitos anos um destes “contendores” históricos serviu de abrigo aos trabalhadores do jardim frontal à residência do Presidente da República, em Belém. Aí guardavam pás, picaretas, regadores e mangueiras. Muito podre, apenas a tela de alumínio e alcatrão com que tinha sido coberto diversas vezes o mantinha de pé, no entanto ainda eram visíveis um dos suportes de antena e o quadro distribuidor de eletricidade originais.
Notas :
(*) Desconhecemos se o conjunto SCR-299 esteve em utilização em Portugal, nunca tendo encontrado referências sobre ele. Este conjunto era inicialmente montado em Dodge K-51, ou em Shelters similares ao HO-17ª.
(**) Em futuros artigos abordaremos individualmente a extensa série de receptores BC-312, 314 etc.
A história de três cartas
Quando acabou o depósito de Beirolas, para dar lugar à Expo, e a maior parte do nosso insubstituível património em veículos militares foi parar a diversos países da Europa ao preço de ferro velho (*). O que ficou por cá foi objecto da nossa atenção, passando nós dezenas de fins-de-semana no Carregado e em Vila Nova de Poiares perscrutando o pouco que por cá ficou e que em breve veria o calor do maçarico.
Num destes shelters HO-17A, ao remexer nas suas entranhas, deparámos com uns papéis escondidos numa armação de uma gaveta. A nossa curiosidade logo lhes deitou a mão, e qual não foi o nosso espanto ao depararmos com duas cartas enviadas ao sargento Bill Parr, por um seu irmão (capelão militar) e por uma sua tia, para a frente de combate na Europa, no Natal de 1944, e uma terceira escrita por ele, mas que nunca foi enviada. Nesta carta ele descreve com a devida cautela a recentemente travada batalha do Bulge (Bélgica). As duas cartas recebidas, antes de lhe terem sido entregues, tinham sido abertas e carimbadas pelos serviços de segurança militar.
Esta descoberta deixou-nos emocionados. Logo na nossa mente visualizamos todo o percurso da peça onde estávamos e das cartas perdidas no seu interior. Após a sua manufactura em 1943 nos EUA, tinha vindo para a Europa, onde interveio nos combates finais da Segunda Guerra (Natal de 1944), logo a seguir terá recolhido a um dos diversos parques de excedentes (provavelmente em França ou Alemanha) onde foi recuperada para posteriormente ser entregue a um qualquer pais da recente NATO. Já em mãos portuguesas, quem sabe se voltou á Alemanha em exercícios no âmbito dessa mesma organização, ou foi até África? Apenas sabíamos que de concreto ele estava ali pronto para o camartelo.
Apesar de diversos contactos com a adida militar da Embaixada dos EUA, e dos seus interessados esforços, foi impossível saber novidades do Sargento Bill Parr do “1065 Signal Corps Service Grp” (do qual tínhamos o nº de matricula), nem dos seus familiares em Decartur, no estado da Georgia (USA), obtendo apenas a informação de que aquela morada era atualmente uma pequena empresa de pneus, sem qualquer relação com os nomes apontados.
Com a chegada da Internet, e em contactos com diversas famílias “Parr” nos Estados Unidos, somos informados de que este apelido é maioritariamente de origem canadiana! De facto, a sorte e as novas tecnologias, levaram-nos a encontrar um seu familiar (sobrinho), que se prestou a servir de intermediário. O nosso amigo Bill, tinha sido um dos muitos canadianos com família nos EUA a combater durante a Segunda Guerra Mundial no exército americano.
Para finalizar bem este nosso artigo, e graças á Internet, acrescentamos que até 2003 o sargento Bill Parr ainda estava de saúde, com os seus mais de noventa anos, vive/vivia no Canadá, onde nasceu, e tem ainda bem presente na memória o “seu” shelter de radio, tendo ficado de lágrima ao canto do olho ao ler as suas cartas de 1944, já há muito tempo esquecidas. Em reconhecimento do nosso contacto, enviou-nos fotografias de alguns dos familiares identificados nas três cartas. Após cinquenta anos, a carta tinha sido entregue!
(Resumo de um artigo, de nossa autoria, publicado, inicialmente, na revista “QSP”.)
João Freitas
(*) O material blindado e outro, vendido por terceiros a França, Inglaterra, e Bélgica tem sido devidamente restaurado por particulares e pode ser admirado em várias concentrações de veículos militares por toda a Europa.
Em relação a este excelente post com que o Sr. João Freitas, de novo, valoriza este Blogue,permito-me acrescentar a seguinte.
No BTm3 existiam, organicamente,,no final da década de 50, dois postos AN/GRC 38, os mais potentes do Batalhão.e que eram idênticos aos SCR 399 que o post refere.. Um era destinado à ligação com o escalão superior e o ourtro à rede de apoio aéreo (que não fora atribuído). O primeiro destes postos foi utilizado no Exercício Lion Noir, na Alemanha e serviu para assegurar a ligação com a Metrópole.
Existiam SCR 399 tambêm no Batalhão de Telegrafistas e no Porto que eram usados em redes de ordem pública,e que eram deslocadas para várias cidades do país para assegurar comunicações de emergência.
Partilho com o Sr João Freirtas o desgosto de não ver preservadas, entre nós, as excelentes cabines aamericanas onde se instalavam estes equipamentos.