Post do Cor Cruz Fernandes, recebido por msg:
Com a Segunda Guerra Mundial, enquanto os Ingleses tentavam decifrar a Enigma dos alemães, os Americanos decifravam a Purple dos Japoneses.
Foi graças a essa decifração que os Americanos obtiveram vitórias como a batalha de Midway e a morte do almirante Iamamoto, comandante-chefe da armada japonesa. Tanto a Enigma como a Purple eram cifras muito seguras que, se rigorosamente utilizadas, não teriam sido quebradas.
Máquina de cifra SIGABA
A máquina de cifra SIGABA (M – 143 – C), usada pelas forças armadas americanas, nunca foi quebrada. Porém, a SIGABA tinha o grande defeito da lentidão. A sua operação obrigava a digitar o texto claro letra a letra e ir anotando, de novo letra a letra, o texto cifrado resultante. Em seguida, este texto era transmitido pelo operador de rádio. O operador de rádio que o recebia passava-o ao operador cripto, que o decifrava letra a letra e, só depois, o texto claro era entregue ao destinatário.
Durante as campanhas do Pacífico, muitos comandantes se exasperaram com a lentidão da SIGABA, considerando-a completamente incompatível com cenários intensos e hostis, como eram os combates na selva das ilhas do Pacífico, confinados a pequenas áreas, onde tudo tinha de ser resolvido em fracções de segundo.
Em tais condições a SIGABA tornava-se um estorvo e o inglês castiço e quanto mais profano melhor, passou a ser o último recurso de comunicação no aceso das refregas.
Porém, os americanos tinham como oponentes muitos soldados japoneses que haviam frequentado a “escola americana” e dominavam perfeitamente o inglês, com obscenidades e tudo. Deste modo informações tácticas importantes caíam em poder do inimigo, coisas que os repórteres de guerra iam transpirando para a imprensa.
Entre os milhões de americanos atentos à evolução da contenda, contava-se Philip Johnson, engenheiro reformado e demasiado velho para poder combater, que resolveu contribuir com o seu esforço da maneira que melhor sabia.
Johnson fora criado nas reservas de Navajos do Arizona, motivo por que conhecia perfeitamente a sua língua e a sua cultura. Falava tão fluentemente o Navajo que, com nove anos apenas, traduziu para Theodore Roosevelt, na Casa Branca, as palavras dos líderes Navajos que pediam ao Presidente um tratamento mais justo.
Consciente da impenetrabilidade da língua nativa Navajo, ocorreu a Johnson que esta poderia funcionar como um código, praticamente inquebrável. Se cada batalhão do Pacífico tivesse alguns Navajo americanos como operadores de rádio, podiam ser garantidas comunicações seguras em Navajo claro, sem recurso a cifras.
Apresentou a ideia a James Jones, oficial de Sapadores Telegrafistas, do Camp Elliot, bastando-lhe dirigir ao oficial, atónito, umas quantas frases em Navajo, para o persuadir de que valia a pena reflectir sobre a proposta.
Duas semanas depois Johnson regressou com dois Navajos para realizar uma demonstração perante a oficialidade da marinha de altas patentes. Os Navajos foram separados um do outro e um deles recebeu meia dúzia de mensagens típicas em inglês, que traduziu para Navajo e as transmitiu nessa língua ao outro Navajo, via rádio. O receptor Navajo voltou a traduzir as mensagens para inglês e levou-as aos oficias, que as compararam com os originais. A operação foi feita sem erros e um projecto-piloto foi autorizado, com recrutamento imediato.
Os Navajos estavam tão ansiosos por combater que, quando começou o recrutamento, mentiam na idade para serem recrutados ou se empanturravam de comida para atingirem o peso mínimo exigido.
Instrução
Quatro meses depois dos bombardeamentos a Pearl Harbor, 29 Navajos, alguns deles com apenas 15 anos, iniciarem o curso de comunicações de oito semanas no Corpo de Fuzileiros.
Os Navajos, como outros povos nativos, não tinham palavras equivalentes para o jargão militar moderno. Para obviar a este problema o corpo de Fuzileiros criou um léxico dos termos Navajo para substituir as palavras inglesas que não tinham equivalente naquela língua. Por exemplo, pelotões foi codificado por “tribos” da lama”, palavras estas que têm termo próprio em Navajo. O léxico originou 274 palavras novas. Para nomes de pessoas, de terras e de palavras difíceis foi criado um alfabeto fonético codificado. Por exemplo “Pacífico” foi traduzido por “pig, ant, cat, ice, fox, cat”, que em Navajo dava “bi-sodish, wol-la-chee, moasi, tkin, ma-e, tkin, moasi”, tudo nomes de coisas ou de animais, em Navajo.
Em oito semanas os formandos tinham aprendido o léxico e o alfabeto, eliminando assim livros e códigos, que pudessem cair nas mãos do inimigo. Os Navajos não tinham qualquer dificuldade em aprender tudo de memória, pois a sua língua não é escrita e tudo que sabem sabem-no de memória, desde as histórias de família, às histórias tradicionais do seu povo.
No fim do curso de formação, os Navajo foram submetidos a um teste. Os emissores traduziam uma série de mensagens de inglês para Navajo e os receptores de Navajo para inglês, utilizando a língua, o léxico e o alfabeto, sendo os resultados perfeitos.
Situação operacional
Na Europa eram enormes as perdas de navios aliados e a Inglaterra corria o risco de perder a Batalha do Atlântico.
Os Japoneses tinham atacado Pearl Harbor, a 7 de Dezembro, de 1941 e, pouco depois, dominavam grandes extensões do Pacífico ocidental.
Dominaram a guarnição americana de Guam a 10 de Dezembro, tomaram Guadalcanal, a 13, Hong Kong capitulou a 25 e as tropas dos Estados Unidos nas Filipinas, renderam-se, a 2 de Janeiro de 1942. Para consolidar o seu controlo sobre o Pacífico, os Japoneses precisavam de construir, até ao Verão de 1942, um campo de aviação em Guadalcanal, criando aí uma base de bombardeiros que lhe permitisse destruir a linha de abastecimentos dos Aliados, tornando impossível qualquer contra-ataque.
Os Estados Unidos, prevendo isso, planearam um ataque a Guadalcanal, antes que o aeroporto estivesse concluído.
Os primeiros corpos militares que aí aterram incluíram o primeiro grupo de falantes do Código, como haveriam de ficar conhecidos os Navajo.
P´raí dois minutos…
A entrada dos falantes de Código em acção foi uma bênção para as tropas do Pacífico, mas teve os seus contratempos. Os operadores de rádio convencionais não estavam a par do novo código e enviaram mensagens de pânico para toda a ilha afirmando que os Japoneses estavam a transmitir nas frequências americanas. O coronel responsável susteve as comunicações em Navajo até se convencer de que valia a pena prosseguir com o sistema, dando origem a posteriores relatos como o que se segue, de um veterano Navajo.
Conta ele: “O Coronel teve uma ideia: Disse que nos manteria se eu fosse mais rápido do que o seu código branco – uma coisa cilíndrica mecânica que fazia tique-tique-tique. Enviámos ambos mensagens e recebemos ambos as respostas e tínhamos de ver quem era capaz de descodificar primeiro as suas respostas.
Perguntaram-me: Quanto tempo vais levar? Duas horas?
P´raí dois minutos, respondi. Levei quatro minutos e meio.
Quando entreguei as respostas, perguntei: meu Coronel quanto tempo vai levar a desistir dessa coisa cilíndrica branca? Ele não respondeu, acendeu o cachimbo e afastou-se. Mas nós ficámos”.
A fama dos falantes do Código depressa se espalhou. Os Navajos passaram a ser incorporados em todas as divisões de fuzileiros e mais forças os pediram. A sua guerra de palavras não demorou em transformá-los em heróis. Os soldados ofereciam-se para lhes carregar os rádios e as espingardas e tinham mesmo guarda-costas pessoais, em parte para os proteger dos seus próprios camaradas, que algumas vezes os confundiram com soldados japoneses.
Ao todo havia 420 falantes em código Navajo, cuja bravura como combatentes foi reconhecida, mas o seu papel de garantir comunicações seguras era matéria classificada. O Governo proibiu-os de falar sobre o seu trabalho, ficando o seu contributo excepcional por divulgar.
Em 1968, o código Navajo deixou de ser secreto e, no ano seguinte, os falantes do Código ainda vivos, fizeram a sua primeira e maior confraternização.
Falantes de Código Navajo da II G. M., agora com 80/90 anos, desfilaram na Parada do Dia dos Veteranos, em New York City, como forma de demonstrar a sua contribuição para o esforço de guerra.
Em 1982, receberam honras nacionais, quando o Governo dos Estados Unidos instituiu o 14 de Agosto como o “Dia Nacional dos Falantes do Código Navajo”.
O Código Navajo ufana-se de outra glória: É um dos raros que ao longo da história nunca foi quebrado.
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O Ten General Seizo Arisue, chefe dos serviços secretos japoneses, admitiu que embora tivessem quebrado o código da força aérea americana, não tinham provocado qualquer dano ao código Navajo.
Nota: Também as FFAA portuguesas tiveram, nas diversas frentes de guerra do Ultramar, episódios de transmissões de mensagens em código dignos de registo.
Na Guiné os nosso radiotelefonistas, usando o Storno (central CQF-612 e portátil a dorso ou viat, CQP-612) transmitiam mensagens codificadas em grupos de 5 letras, soletrando-as em alfabeto fonético, a uma velocidade absolutamente incompreensível a um ouvido normal. No final, a rapidez era tanta que havia sempre alguma dúvida do receptor. Então este limitava-se a dar o recebido e a pedir que repetisse o grupos ou grupos x e y. Por exemplo: –repita grupo 65. O emissor repetia em alfabeto fonético apenas esse grupo. Finalizada a comunicação a mensagem era entregue à entidade destinatária que, usando o código respectivo a punha em português corrente. Claro que os operadores não faziam a mínima ideia do que tinham estado a transmitir.
Procurando relacionar o post do Cor Cruz Fernandes e o comentário do Ten Cor Jorge Golias permito-me fazer algumas considerações acerca da atitude americana e a portuguesa perante um desafio típico de qualquer sistema de transmissões militar que é o de fazer chegar a mensagem o mais depressa possível ao seu destino.
Os americanos conseguiram, sem dúvida, que a “carta chegasse a Garcia” o mais rapidamente possível. Para isso estudaram a ideia inovadora de um cidadão, chegaram à conclusão que era de aproveitar, alteraram, para aquele caso, os procedimentos normais que obrigavam a enviar as mensagens cifradas e conseguiram que a mensagem chegasse mais cedo ao destinatário. De acentuar que foi reconhecido publicamente a importância do serviço prestado pelos índios navajos ao esforço de guerra americano, naquele caso.
No caso português a inovação que consistia nos nossos operadores conseguirem transmitir o alfabeto fonético a velocidades incompreensíveis, permita que a mensagem fosse transmitida mais depressa, mas não evitou que as menasagens classificadas deixassem de ser cifradas (como aconteceu no caso dos americanos), perdendo-se tempo com isso e com a decifração.
Julgo que no caso da guerra colonial era difícil aplicar uma solução do tipo da relatada com a introdução do código navajo, porque, contrariamente ao que sucede atualmente, a exploração dos meios estava cometida às Transmissões e a segurança à CHERET. enquanto que nos EUA as duas funções já estavam concentradas no Signal Corps