Desempenhou o cargo de Chefe do Estado-Maior da UNAVEM III – 1995/1996

Numa das muitas deslocações que fazia a áreas mais conturbadas onde ocorriam desentendimentos entre as forças do governo angolano (MPLA) e as da UNITA, fui em determinada altura mediar um grave conflito local. Tratava-se de uma área na zona norte, na região do Huambo, junto ao rio Luximbe, onde a zona neutra de segurança entre forças, acordada nas reuniões havidas no QG/UNAVEM, não estava a ser cumprida, havendo acusações mútuas entre os contendores.

No dispositivo da UNAVEM III, para além das Unidades dos vários países que contribuíam com forças para a Missão de Paz, tínhamos equipas de observadores (Team Sites) distribuídas por todo o território angolano. Portanto, no Huambo dispunha de um desses destacamentos de observadores. Antes de me deslocar para a acção de mediação, contactei o chefe desse destacamento determinando que convocasse os comandos dos contendores para um local na zona neutra que separava as forças; neste caso, junto a uma destruída ponte sobre o rio Luximbe. Determinei também que providenciasse umas bebidas e uns aperitivos (que sempre ajudam à desejada – mas difícil – solução da contenda). Tudo foi preparado em conformidade junto a uma árvore perto da margem do rio.

1.º Ten. FZ, Leão de Seabra-CMG FZ (Brasil)-José Carlos-Cor. Tir. Eng.º Tm, Bento Soares

Esta decorreu a contento, tendo sido conseguido um acordo entre as partes no sentido de garantir o anteriormente estabelecido nas reuniões do QG, comprometendo-se ambas a recuarem os seus dispositivos. Houve apertos de mãos e partilhámos todos umas bebidas…

O efeito dissuasor da minha presença nem sempre era suficiente, porque o grande problema com que me deparava, nas muitas acções deste tipo a que fui chamado, era a grande desconfiança entre as partes, a qual por vezes fazia gorar o que se acordara.

Neste caso a negociação correu bem. Mas, já regressados ao QG em Luanda, viemos a receber uma mensagem informando que um militar da UNITA, posteriormente, ao retirar a mesa que serviu de apoio à reunião (e também aos aperitivos), pisara uma mina a poucos metros da árvore junto à qual decorrera a reunião por cerca de duas horas, e acabou por morrer. Dei graças a Deus por não ter sido ainda o meu dia!

A propósito de um marco assinalando o célebre “Zé do Telhado”, o Robin dos Bosques à portuguesa

Quando me dirigia para o local (refira-se, a título de curiosidade, que a parte final do trajecto, de Malanje até ao local marcado para o encontro, foi feita de jeep) e após uma meia centena de quilómetros andados, vimos um marco assinalando, à beira da estrada, uma referência ao célebre “Zé do Telhado” [ * ]. Era, de facto, o famoso chefe bandoleiro, que realizara um grande número de assaltos por todo o Norte de Portugal, aquando do período muito conturbado da resistência de D. Miguel contra seu irmão, futuro D. Pedro IV. Como é sabido, o bandoleiro Zé do Telhado acabou por ser apanhado e condenado ao degredo perpétuo na África Ocidental Portuguesa.

Mais tarde, foi-lhe comutada a pena e viveu, como negociante, em Malanje que dista de Luanda, por estrada, cerca de 400 km. Era conhecido, entre os locais, como o “kimuezo” – homem de barbas grandes –, e viveu desafogadamente. Faleceu aos 57 anos, em 1875, vítima de varíola, sendo sepultado na aldeia de Xissa, município de Mucari, a meia centena de quilómetros de Malanje, sendo-lhe ali erguido um mausoléu, objecto de romagens. Era essa a zona que estávamos atravessando – razão pela qual nos surgiu um marco na estrada com tal referência – quando nos deslocávamos para o local da mediação.

Ten. FZ Leão de Seabra, Adjunto do CEM e Cor. TIR.Eng.º Bento Soares, CEM/UNAVEM


[ * ] ADENDA, colhida na internet:

Partindo para o degredo em África, Zé do Telhado veio a instalar-se em Malange, onde viveu até à sua morte, aos 57 anos, como reconhecido negociante e estimado pela população local. Aí casou novamente, tendo 3 filhos desse casamento. Na aldeia de Xissa, município de Mucari, onde foi sepultado, foi erguido um mausoléu em sua homenagem que, até hoje, é objeto de interesse.

ENXOVIAS DA CADEIA DA RELAÇÃO

Na cadeia da Relação do Porto, onde esteve preso, conheceu o escritor Camilo Castelo Branco, de quem se tornou amigo. Camilo terá desabafado com ele os seus temores de que o tio de Ana Plácido pagasse a alguém, dentro da Cadeia, para o matar. Zé do Telhado terá garantido que estivesse descansado, pois, se alguém ali lhe tocasse com um dedo, três dias e três noites não chegariam para enterrar os mortos. A amizade entre ambos levou a que Camilo partilhasse com Zé do Telhado o seu advogado de defesa, Marcelino de Matos.

No RTP Ensina pode rever a história do “Zé do Telhado”, o Robin dos Bosques à portuguesa.

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