A TPS foi, a par do “Fullerphone” , uma inovação tecnológica introduzida nas comunicações da 1ª GM. No entanto, enquanto o “Fullerphone” teve um sucesso assinalável, sendo utilizado ainda durante a 2ª GM, a TPS foi rapidamente abandonada, substituída pela rádio.

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Fig 1 – Ligação por TPS

A TPS é uma forma de telegrafia sem fios que utiliza o solo como meio de transmissão  dos sinais (fig 1). Toda a literatura da época explica esta transmissão por condução elétrica no solo e é essa a explicação que tentarei desenvolver neste artigo. No entanto fico na dúvida se essa transmissão não seria, total ou parcialmente, baseada na propagação de ondas electromagnéticas pelo solo ou pelo ar junto ao solo. Essa dúvida baseia-se essencialmente:

  • Na convicção de que as correntes eléctricas geradas pelo emissor, à distância a que se encontrava o recetor (2-3 Km), eram residuais e dificilmente detectáveis.
  •  Na constatação de que um sistema moderno, semelhante, utilizado em espeleologia – o sistema  NICOLA –  se baseia na propagação pelo solo de ondas electromagnéticas, embora com uma frequência completamente diferente: o sistema da 1ª GM funcionava a 500 Hz e o NICOLA funciona a 87 KHz.

Esta dúvida só poderia ser desfeita com estudos técnicos que, creio, nunca foram feitos e não o serão porque o sistema entrou em desuso.

A explicação técnica dos equipamentos e seu funcionamento (incluindo as figuras)  baseia-se no  manual do Exército Americano “Power Buzzer Amplifier, Army War College, Washington, 1918” e no documento sobre TPS existente no Arquivo Histórico Militar (Cx 1/35/202/3).

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Fig 2   – Equipa de TPS com um “Power Buzzer Amplifier” modelo francês

Princípio de funcionamento

O princípio de funcionamento é o mesmo de um telégrafo acústico. O emissor é constituído por um vibrador de frequência  audível, comandado por uma chave de morse que gera os sinais a transmitir, e o recetor é um auscultador, onde esses sinais são recebidos. A diferença é que no telégrafo acústico, que utiliza fios condutores, a corrente gerada no emissor chega quase integralmente ao recetor, permitindo a audição no auscultador, enquanto na TPS a corrente que chega ao recetor é fraquíssima exigindo a sua amplificação. Esta foi seguramente uma das razões porque a TPS aparece  só depois da TPF e mesmo da TSF, após o aparecimento das válvulas eletrónicas que permitem a amplificação dos sinais.

Forma de transmissão

Se espetarmos 2 estacas condutoras no solo, a uma certa distância uma da outra, e aplicarmos nessas estacas um sinal elétrico, a corrente gerada por esse sinal entre as estacas espalhar-se-á no solo segundo linhas de condução conforme fig 3. Essas linhas não são descontínuas, como a figura esquemática pode sugerir, antes ocupam todo o volume de solo entre as duas estacas. O valor da corrente elétrica que passa em cada linha, num solo homogéneo, será inversamente proporcional ao comprimento dessa linha. Assim, teremos um máximo de corrente na linha reta que une os dois pontos das estacas, à superfície, diminuindo à medida que as linhas se afastam dessa.

Se, por outro lado, conseguirmos espetar duas estacas em pontos diferentes de uma dessas linhas imaginárias de condução (caso dos pontos  b e d na fig 3), obter-se-á , nessas estacas, um sinal  que é tanto maior quanto maior for a extensão da linha curto-circuitada por essas estacas.

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Fig 3 -Linhas de corrente numa emissão TPS

Algum cuidado tem de haver na posição relativa dos pares de estacas emissora e recetora. É fácil de ver que se as 2 estacas  recetoras  estiverem uma em cada linha de condução, poderão estar em pontos equipotenciais do sinal o que significa não receber qualquer sinal

Como para transmitir a uma certa distância as linhas de corrente úteis são as mais afastadas facilmente se percebe que o sinal recolhido entre duas estacas, na estação recetora, é muito fraco,  precisando, para ser ouvido, de ser amplificado.

Equipamentos utilizados

Os equipamentos utilizados foram o “Power Buzzer”, como  emissor,  o “Amplifier”, como recetor, e o “Power Buzze Amplifier”, que não é mais que a associação dos dois anteriores, que podia funcionar como emissor ou recetor, mas nunca em simultâneo. Os vários modelos construídos diferiam muito pouco entre si.

O “Power Buzzer”  (Fig  4) é basicamente um vibrador, relativamente potente, que gerava uma sinal audível, com uma frequência de cerca de 500 Hz. Era alimentado por uma bateria de 10 Volts, podendo ser de 20V para aumentar o alcance. Tinha associado um transformador que elevava a tensão dos sinais de saída para cerca de 200 V.

Fig 3
Fig 4 – Esquema do “Power Buzzer” (Emissor)

O “Amplifier” (fig  5 ) é, como diz o nome, um amplificador eletrónico de válvulas (2 ou 3) para elevar o nível do sinal captado nas estacas recetoras de forma a poder ser ouvido nos auscultadores.

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Fig 5 – Esquema do “Amplifier” (Recetor)
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Fig  6   – “Power Buzzer Amplifier” usado pelo exército do Canadá, com os acessórios essenciais: estacas de terra e seus cabos de ligação

Emprego operacional

A utilização deste sistema de comunicações chegou a ser vital em situações críticas da guerra de trincheiras. Na linha da frente, quando a artilharia inimiga “derretia” todas as linhas aéreas ou assentes no solo, destruía as antenas de TSF e impedia qualquer movimento de mensageiros, o único meio de comunicações que sobrevivia era a TPS com os equipamentos e as estacas de terra protegidos pelas trincheiras.

Era de fácil e rápida instalação mas pouco seguro por ser facilmente intercetado pelo inimigo.

Era muitas vezes utilizado de forma unidirecional, com o emissor na linha da frente e o recetor atrás, mas podia ser também  bidirecional, obviamente sem possibilidade de comunicação simultânea nos dois sentidos, na forma denominada comunicação “simplex”. Para as diferentes utilizações existiam configurações diferentes de equipamentos: o emissor (“Power Buzzer”), o recetor (“ Amplifier”) ou os dois acoplados (“Power Buzzer Amplifier”).

O alcance do sistema dependia:

  •  Do tipo de terreno, especialmente da sua condutibilidade;
  • Do comprimento das bases (denomina-se “base” a distância entre as duas estacas, tanto do lado emissor como do recetor);
  • Da posição relativa das bases emissora e recetora;
  • Da eficácia das tomadas de terra nos extremos das bases;
  • Da interferência, no ponto recetor de outras emissões.

Podia contar-se com um alcance médio de 2 Km que, em condições favoráveis, podia chegar aos 4 Km.

Utilização no CEP

Os equipamentos de TPS, embora destinados às ligações dos batalhões em 1ª linha, estavam atribuídos à Secção de Telegrafia Sem Fios, à semelhança dos equipamentos rádio, o que permitia um planeamento centralizado da sua utilização.

Nas relações de material devolvido a Portugal, no fim do conflito, não encontrei nenhuma referência a este equipamento. Admito que tenha sido, na sua totalidade, entregue ao Exército Inglês, a quem pertencia.

Houve um planeamento inicial de utilização da TPS que está graficado na figura já apresentada no “post” “A TSF no CEP” de 14 de Janeiro de 2016 do MajGen  Edorindo Ferreira e que se reproduz novamente na fig 5  . Esse planeamento previa a instalação de postos simples de Power Buzzer (emissor) nos batalhões da linha da frente e postos de Amplificador (recetor) na 2ª linha. Este sistema permitiria a comunicação unidirecional da frente para trás com o inconveniente e não poder confirmar a receção. No entanto não foi esse o sistema instalado, talvez porque se concluiu da sua  ineficiência.

Fig 5
Fig 5 – Planeamento inicial da instalação da TPS no CEP

Soares Branco, no seu relatório, refere as dificuldades que sentiu na instalação do sistema de TPS, comuns ao sistema TSF:

O facto de nunca ter sido possível conseguir que o Exército Bri­tânico fornecesse camion para carregamento de acumuladores, nem box-car para transporte de pessoal, prejudicou sempre notavelmente a regu­laridade deste serviço que somente durante o último período da estada na linha da 1ª. Divisão incorporada no XI Corpo, funcionou regularmente.

   A instalação dos diferentes postos em obediência ao prescrito no plano de defesa só se fez muito tarde.

   Foi na 1ª quinzena de março que o sistema ficou concluído, mas apesar disso muitos abrigos eram ainda de fraquíssima resistência.”

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   “Todos os abrigos dos postos duplos e dos power buzzers eram de muito fraca proteção.

   O sistema, embora somente satisfatório para os sectores de Fauquissar, Chapigny e Neuve Chapelle, carecia de ser devidamente experimentado no seu funcionamento pelos diferentes comandos.”

O sistema  consistia em  4 postos duplos (Power Buzzer e Amplificador) situados  junto de: PC de 4ª Brig em Laventie,  PC da 6ª Brig em Huit Maisons,  Batalhão de Winchester (BI2) e Batalhão de Landsdown (BI17); e  6 postos simples de Power Buzzer junto de: Bat de Temple Bar (BI20), Bat de Curzon Post (BI1), Companhias do Bat de Winchester (2)   e  Companhias do Bat  de Curzon Post  (2).

Estavam bem definidos quais os postos que comunicavam entre si, tanto entre os postos duplos como dos simples para os duplos.

Nas suas “conclusões e ensinamentos”, Soares Branco sugere que deve ser montada, em sobreposição à TPF, uma rede TSF/TPS, utilizando a TPS à frente desde as companhias, passando pelos batalhões até ao comando das brigadas e utilizando os “Trench sets” (rádios) dos comandos das brigadas até às divisões e corpo:

   “A TSF e a TPS estabelecidas em bons abrigos são de indispensável emprego para duplicar todas as principais linhas telefónicas devendo os power buzzer e amplificadores ser empregados desde a 1ª linha até aos comandos de Brigada. Os postos de TSF nestes últimos comandos ou centros importantes de comunicações situados a mais de 2 500 metros da linha da frente conjugados com postos duplos de amplificador e power buzzer da frente, deverão completar o sistema até às estações adstritas aos comandos das Divisões e Corpos.”

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   “Entre os diferentes aparelhos de TSF e TPS em uso dever-se-ia estabelecer nos postos de comando de Brigada Trench Sets e postos duplos de power buzzer e amplificador, nas centrais avançadas de Brigada postos duplos de amplificador e power buzzer, nos Batalhões e algumas companhias power buzzers.”

1 comentário em “EQUIPAMENTOS DE TRANSMISSÕES DA 1ªGM – A TELEGRAFIA PELO SOLO (TPS)

  1. Em relação a este cuidado post do MGen Carlos Aives que nos apresenta uma excelente explicação, sobre o funcionamento e aplicação da TPS pelo CEP na Flandres permito-me acrescentar algumas observações:
    A primeira é que há no nosso Blogue, além do post do MGen Edorindo de 16 jan de 2016, que foi citado no post, dois outros posts importantes sobre esta matéria: um do Cor Costa Dias de 26 janeiro de 2012 e outro do MGen Carlos Alves de 7 de dezembro de 2015.
    A segunda observação é sobre a dúvida posta de se há ou não propagação das ondas electromagnéticas pelo ar além das propagadas pelo solo. Sem ter uma resposta para a dúvida, penso que os sinais propagados pelo ar ainda chegavam mais fracos que os propagados pela terra. Julgo que no caso da TPS se apostou claramente apenas na propagação pelo solo. As ondas eram captadas pelas estacas cravadas. Se se pretendesse captar as ondas propagadas pelo ar, tinha que se montar um dispositivo adicional para a sua recepção e outro para a sua amplificação.
    A última é sobre algumas dúvidas que tenho sobre a atuação da TPS na Flandres.
    Eu julgo que a atuação da TPS não teve grande importância porque o sistema demorou a montar, embora reduzido em relação ao previsto, tendo só ficado a operar satisfatoriamente menos de um mês antes de 9 de abril, data em que o CE português foi dizimado pela ofensiva alemã.
    No post do MGen Edorindo citado afirma-se que o “O CEP deveria ser dotado de 18 postos de TPS (Postos Duplos) e 6 Postos de amplificador (Postos simples). Na realidade foram apontados no Relatório de Soares Branco, na parte transcrita no post, como efetivamente montados 4 postos duplos e 6 simples. Ou seja, metade do previsto.
    Por outro lado, o mesmo relatório aponta que os abrigos eram insuficientes, o que tornava a TPS vulnerável à artilharia e comprometia a sua função essencial de meio de recurso perante a falência dos meios filares, dada a vulnerabilidade das linhas. Aponta ainda a insuficiência da manutenção no que respeita à carga das baterias, por falta de viaturas para o transporte dos carregadores e do pessoal.
    Soares Branco afirma que só depois de meados de março de 1917 é que o sistema começou a funcionar com regularidade.
    Estes factos levam-me a pensar que em Junho e 1917, quando as companhias da 1ª Divisão começaram a render as tropas inglesas os ingleses ainda não tinham os Postos de power buzzer montados nas suas companhias. Se tivessem o sistema tinha prosseguido depois na rendição dos batalhões, da brigada. Estarei certo?
    Outra coisa que não consigo entender é porque não chegou até nós nenhum power buzzer (que eu tenha conhecimento) vindo da Flandres. Ora o material que os portugueses usaram na Flandres foi pago aos ingleses. Logo, como muito outro material de transmissões, deveria ter vindo para Portugal. Alguém sabe alguma coisa sobre o seu paradeiro?

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