Podemos dizer que a Guerra de Informação (GI) é já um conceito antigo, mas simultaneamente é também um conceito novo. Neste artigo do Tenente-Coronel de Transmissões (Eng.º) Pedro Monteiro Fernandes, actualmente chefe da Repartição de Guerra de Informação da Direção de Comunicações e Informação do Exército, faz-se uma breve reflexão sobre este conceito, tentando clarificar a sua importância nos dias de hoje e as implicações que pode trazer para o Exército

Introdução ao Conceito de Guerra de Informação

Comecemos inicialmente pelas definições. Recorrendo à incontornável doutrina Americana, foi no final do século passado que começou a ser desenvolvida uma base doutrinária específica para a GI, vocacionada para sistematizar a utilização da informação no futuro campo de batalha. Concretamente, o Manual de Campanha FM 100-6 (“Information Operations”), publicado em 1996 pelo Exército dos EUA, aborda as alterações geoestratégicas e tecnológicas que a emergência da GI coloca ao ambiente operacional, definindo a GI como:

Conjunto de ações desenvolvidas para obter a superioridade de informação, afetando a informação, processos baseados em informação, sistemas de informação e redes baseadas em computadores de um adversário, enquanto se defende a nossa informação, processos baseados em informação, sistemas de informação e redes baseadas em computadores.” (Tradução constante dum Estudo de 2011 do EME intitulado “Superioridade de Informação: um objetivo estratégico para o Exército”)

Contudo, nesse mesmo manual, o Exército Americano, reconhecendo que a GI assim definida pelo Departamento de Defesa, se centra de forma mais restrita no impacto da informação durante um conflito real, optou por adotar uma abordagem um pouco mais ampla do impacto da informação nas operações terrestres, utilizando antes o termo Operações de Informação.

Ao longo dos anos seguintes, a expressão GI foi sendo utilizada em alguns contextos com maior ou menor relevo. Se olharmos ao FM 3-0 (Operations), a expressão GI não aparece nas versões de 2001 nem na de 2008, mas aparece por quatorze vezes na edição de 2017 e por quarenta vezes na versão atual do manual publicado em 2022, o que reflete um ganhar de importância deste conceito para o Exército Americano. Isto acontece no contexto da mudança da doutrina no sentido de operações multi-domínio, o que aumentará o papel da informação no combate.

Caracterização do Ambiente de Informação

Deste modo, importa compreender melhor o ambiente de informação, conforme preceituado na publicação doutrinária do Exército (PDE 6-0 Comunicações e Informação, de agosto de 2023), observando a Figura 1, onde é possível notar as três diferentes dimensões desse ambiente, alinhadas com a designada “pirâmide cognitiva”, construída a partir dos seus níveis de abstração (sinais, dados, informação, conhecimento e sabedoria).

Figura 1 – Ambiente de informação

É, pois, a capacidade de atingir e manter a superioridade de informação que permite moldar o ambiente de informação, potenciando a realização de outras ações com vista a alcançar os efeitos pretendidos sobre um determinado adversário e em última análise conduzir à superioridade da decisão. De notar também que a GI está hoje muito associada à utilização do ciberespaço, pelo relevo que este ocupa no ambiente de informação. Sublinhar ainda que, no âmbito da GI podem decorrer operações de ataque e defesa, destinadas a afetar os sistemas dos potenciais adversários e a proteger os nossos sistemas, principalmente os de comando e controlo.

A Guerra de Informação e a Estratégia

Quando pensamos em estratégia, pensamos nos fins, nas formas/métodos e nos meios. Nesse sentido podemos dizer que o conceito de GI é uma forma de efetivar e executar a estratégia. Para tentar sintetizar o conceito de GI, referir que este expressa, acima de tudo, a ideia de conflito e a posição que a informação ocupa neste contexto. Logo, poderá até dizer‑se que é um conceito tão antigo como a guerra, mas que acontece de uma forma muito mais visível e numa escala muito mais ampla nesta nova era da informação, que proporciona um ambiente de informação que é globalmente acessível e através do qual as mensagens são facilmente difundidas. Portanto, é também um conceito muito atual.

Mensagens como “Make Rome Great Again” podem-nos soar familiares nos tempos modernos. Contudo, já líderes e imperadores romanos ambiciosos usaram a narrativa, temas e mensagens-chave para ganhar poder, quando o declínio era criticado, a mensagem passava a ser: oferecer uma renovação do império. Marco Aurélio, por exemplo, utilizou este facto de forma positiva: falou do declínio e da crise para reforçar os laços que mantinham unidos os seus súbditos. Nos tempos mais recentes temos a narrativa ocidental da guerra global ao terrorismo, em que se oferece um futuro de democracia, esperança, liberdade de expressão, etc., sendo que, em oposição, os terroristas oferecem um futuro de repressão, medo e pobreza. (Parte deste artigo foi baseado nas notas de uma comunicação feita por James Farwell (2021) no comando ACT da NATO);

A comunicação estratégica e a GI tratam de moldar e mudar o comportamento, usando linguagem, ação, imagens ou símbolos para alcançar um efeito ou um estado final desejado. Porém, não nos devemos amarrar às definições de GI, a tecnologia mudou as formas e os meios utilizados na guerra, mas não mudou a natureza da guerra! A trindade de Clausewitz – violência irracional / ódio, acaso / oportunidade e a razão (em inglês Will, Change (uncertainty/ friction) e Reason) permanecem. E podemos observar fatores de GI em todas estas três características: sobre a vontade de lutar, sobre acontecimentos do acaso e imprevisíveis e no propósito político.

A comunicação estratégica e a GI tratam de moldar e mudar o comportamento, usando linguagem, ação, imagens ou símbolos para alcançar um efeito ou um estado final desejado. Porém, não nos devemos amarrar às definições de GI, a tecnologia mudou as formas e os meios utilizados na guerra, mas não mudou a natureza da guerra! A trindade de Clausewitz – violência irracional / ódio, acaso / oportunidade e a razão (em inglês Will, Change (uncertainty/ friction) e Reason) permanecem. E podemos observar fatores de GI em todas estas três características: sobre a vontade de lutar, sobre acontecimentos do acaso e imprevisíveis e no propósito político.

Figura 2 – Guerra de informação e termos relacionados

O poder do domínio da Informação

A informação sempre foi uma característica da guerra e das operações, apresentando hoje, uma relevância sem precedentes nos conflitos armados. Em alguns casos, as operações cinéticas requerem prioridade. Em outros, será a informação a ter essa prioridade. Antigamente os militares usavam a informação para justificar a ação cinética, mas, hoje em dia, a necessidade estratégica pode reverter isso, ou seja, a ação cinética pode servir de suporte da narrativa.

A informação define o contexto, sendo importante para compreender objetivos e estratégias e é o que determina o sucesso. Vivemos num mundo altamente conectado em que as nações competem pela influência global. A Internet transformou de forma inegável o uso da comunicação, confundindo assim as fronteiras entre a guerra e a política e elevando a importância que a comunicação desempenha no contexto atual. Por isso, todas as formas de comunicação e ações devem ser tidas em consideração.

Mas o que é diferente agora?

Ora, num mundo globalmente ligado e em rede, onde cada sala de estar pode ser um espaço de batalha, a informação pode desempenhar um papel igual ou superior à ação cinética. Poderemos ser levados a pensar que as redes sociais são uma novidade. Contudo, elas não são novas! Martinho Lutero, por exemplo, aproveitou-as para dar início à sua reforma. Napoleão capitalizou‑as no século XVIII para ganhar poder.

Ou seja, as redes e a conetividade definem a natureza da era atual, as ligações aumentam a nossa capacidade de comunicar e de criar novas ligações. Por isso, essa conetividade permite que pequenas peças se combinem e se transformem em coisa mais poderosas. Assim, ao se alcançar o domínio da informação, torna-se possível conduzir a mensagem que mais nos convém.

Em síntese, pode dizer-se que o ambiente de informação se torna mais central na guerra atual e futura. Deste modo, os Exércitos modernos irão necessitar cada vez mais de pessoal especializado na integração holística de todos os efeitos relacionados com a informação e que possam desenvolver estratégias e táticas para a Guerra de Informação.

Maio de 2024

Síntese biográfica do autor

Tenente_Coronel Monteiro Fernandes

Oficial Eng.º de Transmissões. Concluiu, em 2006, a licenciatura em Engenharia Eletrotécnica Militar. Desempenhou funções: na Companhia de Transmissões da Brigada de Reação Rápida, oficial de transmissões na Zona Militar da Madeira e Comando Operacional da Madeira,  na Direção de Comunicações e Sistemas de Informação do Exército no âmbito da Segurança da Informação e Ciberdefesa. Participou nas Missões NATO na Força de Reação Rápida da ISAF no Afeganistão em 2007/2008 e na Reserva Tática do Comando da KFOR no Kosovo em 2010. Atualmente exerce as funções de chefe da Repartição de Guerra de Informação da Direção de Comunicações e Informação do Exército

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