No âmbito da data da batalha de La Lys que amanhã se comemora, começo hoje a publicar, em dois postais sucessivos, a palestra que o membro da CHT e nosso coordenador cientifico, Coronel Aniceto Afonso, apresentou em Novembro de 2014 na Academia Militar sobre a Campanha em Moçambique durante a Grande Guerra:

ACADEMIA MILITAR,  19 de NOVEMBRO de 2014

A Campanha Portuguesa em Moçambique – A 1ª expedição

Aniceto Afonso

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Introdução:

Nesta comunicação farei breves apontamentos sobre os seguintes pontos, sendo que privilegiarei a 1ª expedição a Moçambique em alguns deles:

– Necessidade da campanha
– Política internacional
– Ameaças
– Estratégia do governo português
– Capacidades militares
– Organização das forças
– Logística
– Dispositivo e articulação das forças
– Forças aliadas na região
– Conclusões

  1. Da necessidade da campanha, em geral

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Existe um conjunto de condicionantes sobre as quais devemos refletir sempre que analisamos a campanha portuguesa em África durante a Grande Guerra.

Em primeiro lugar, a nossa análise deve recair especialmente sobre os seguintes pontos:

– Características que envolvem a herança colonial portuguesa;

– Grandes linhas das relações entre as potências coloniais;

– Estratégia das diversas potências perante a guerra em África;

– Disputa concreta dos respetivos territórios coloniais.

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Em segundo lugar, temos de considerar as ameaças que pendiam sobre os territórios coloniais e qual a estratégia do governo português e os seus fatores. Só assim poderemos compreender as circunstâncias que levaram às soluções encontradas para responder à situação. Este estudo nunca poderá esquecer a avaliação das reais capacidades militares de Portugal, na consideração dos vários teatros de operações que requeriam ou podiam requerer a presença de forças portuguesas. Para além dos territórios africanos, especialmente Angola e Moçambique, também o território nacional, o Oceano Atlântico e os arquipélagos dos Açores e da Madeira e a eventual ou efetiva participação na frente europeia.

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Seguir-se-á a consideração dos objetivos militares definidos para a campanha em geral e para cada uma das expedições e a capacidade de organização de forças e da sua projeção em teatros de operações distantes e com características adversas; virá depois a composição das forças, os sistemas logísticos e as relações a estabelecer com as forças amigas na região. Só então se poderão tornar compreensíveis, num quadro de análise geral, os dispositivos das forças no terreno e a sua articulação, bem assim como a crítica do comando e da conduta das operações.

  1. Da política internacional

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São conhecidas as negociações da Alemanha com a Grã-Bretanha e a disposição desta para ceder às pretensões alemãs, em contrapartida do alívio das perspectivas bélicas que se desenhavam na Europa. Boa parte desta cedência da Grã-Bretanha desenhava-se à custa dos territórios portugueses.

Por seu lado, a Grã-Bretanha definia limites para a expansão colonial da Alemanha, preservando as zonas que considerava estratégicas, mesmo que estivessem na posse de Portugal.

Não parece portanto desadequado pensar que poderia ocorrer, em especial antes do início da guerra, um entendimento, mesmo não formal, entre a Grã-Bretanha e a Alemanha para a partilha dos territórios coloniais portugueses, apesar da aliança entre Portugal e a Inglaterra.

  1. Das ameaças

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A diplomacia portuguesa sabia das ameaças que pendiam sobre o império colonial. Embora alguns acordos entre a Grã-Bretanha e a Alemanha permanecessem secretos, o governo republicano seguia com atenção as conversações anglo-alemãs. Os argumentos das grandes potências baseavam-se na incapacidade portuguesa, que era real, de aplicar os princípios saídos da Conferência de Berlim. Os territórios portugueses permaneciam pouco desenvolvidos, atrasados e inseguros para o comércio das potências. Qualquer intervenção do governo português para melhorar a situação exigia meios humanos e materiais que Portugal não possuía. Diminuir as ameaças de partilha das colónias portuguesas requeria um grande esforço financeiro e um grande equilíbrio diplomático, nem sempre ao dispor dos governos portugueses, fosse qual fosse a sua perspetiva em relação à política colonial.

O grande atraso no desenvolvimento de estruturas administrativas e de defesa dos territórios potenciou outra ameaça em torno das revoltas dos povos indígenas. A política colonial portuguesa tinha um longo historial de expedições militares “pacificadoras” e punitivas, mas extremamente dispendiosas. Mas, um pouco paradoxalmente, o exército colonial nunca foi encarado como uma solução, conservando-se, tanto durante a Monarquia como depois da implantação da República, como um corpo praticamente inexistente e esquecido. Na verdade, a República nunca chegou a implementar forças colonias, de acordo com as necessidades dos extensos territórios que administrava.

  1. Da estratégia do governo português

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Não se afigurava fácil o estabelecimento de uma estratégia eficaz que se opusesse às ameaças que pendiam sobre os territórios coloniais. Mas, uma vez desencadeada a guerra na Europa, as ameaças tendiam a concretizar-se, pelo que o governo português foi obrigado a equacionar o que fazer em relação ao império, em especial à defesa de Angola e de Moçambique.

Uma vez que a posição de Portugal ficou definida logo à partida, neutral sem declarar a neutralidade, com base na recomendação inglesa, o governo português veio a guiar-se, grosso modo, pelas seguintes orientações:

– Implicar a Grã-Bretanha, ao abrigo da secular aliança luso-inglesa, na definição das políticas portuguesas, tanto em relação à defesa das colónias, como à participação de Portugal na frente europeia;

– Obter garantias da negação da Grã-Bretanha a qualquer pretensão de Espanha em relação ao território português;

– Manter a integridade territorial das colónias, em colaboração com as forças aliadas presentes na região, contando com a Grã-Bretanha para a segurança das rotas marítimas e das zonas litorais;

– Manter em segurança o porto da cidade de Lisboa e, uma vez mais com o apoio da Grã-Bretanha, a rota Lisboa-Açores.

  1. Das capacidades militares

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O governo português procurava consolidar um relacionamento internacional favorável ao regime republicano e à importância de Portugal no contexto das potências coloniais. A defesa militar das colónias, colocadas sob ameaça alemã, não podia deixar de constituir uma prioridade para o governo. Para tal era necessário deitar contas às capacidades militares do país. E como o governo não desconhecia o fraco desenvolvimento das forças militares coloniais, não teve qualquer dúvida em mobilizar expedições para cada um dos territórios ameaçados – Angola e Moçambique.

Como dissemos, as expedições eram dispendiosas, mas a situação exigia essa solução. As duas primeiras expedições foram organizadas logo em Agosto de 1914 e partiram de Lisboa a 11 de Setembro. Os seus objetivos eram muito genéricos, centrando-se na preservação da integridade territorial, na submissão dos povos indígenas e, eventualmente, conforme a evolução dos acontecimentos, na ocupação de uma parte dos territórios alemães vizinhos. Este fim não foi assumido para as primeiras expedições, às quais o governo entendeu frisar que Portugal não se encontrava em conflito com a Alemanha e que deveriam evitar-se confrontos diretos com as suas forças militares.

Esta questão das capacidades militares de Portugal deve merecer um aprofundamento especial, sem o qual não poderemos compreender algumas das opções que foram feitas. Em primeiro lugar é necessário compreender as circunstâncias de reorganização do exército e da marinha, motivada pela mudança de regime. Nos quatro anos que medeiam entre a implantação da República e o começo da guerra europeia, o exército é especialmente atingido por uma série de transformações que enfraqueceram a sua capacidade militar, tanto ao nível da mudança do seu corpo profissional, como dos princípios de mobilização das tropas.

A ideia republicana de reorganização da força armada não se encontrava minimamente consolidada quando a guerra se iniciou – nem nos efetivos, nem na instrução, nem no armamento, nem na organização e disciplina das tropas. A prudência deveria ter sido a ideia chave do comportamento do governo português. Não foi, como sabemos.

Faço aqui este apontamento para deixar claro que nunca é simples a análise de qualquer momento histórico e muito menos se estamos num período de rotura e transição.

Retomemos então a campanha colonial, fazendo-o através da análise mais detalhada da primeira expedição a Moçambique, como exemplo. Ela foi comandada pelo tenente-coronel Massano de Amorim, com larga experiência colonial, sendo a mais recente das suas funções a de governador do distrito de Moçambique de 1907 a 1910.

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Embora os objetivos concretos da expedição não estivessem muito claros, Massano de Amorim vai estabelecer a sua missão com bastante rigor:

– Defesa contra a invasão de forças alemãs;

– Submissão dos povos indígenas;

– Cooperação com as forças aliadas na região;

– Prevenção de confrontos em território português.

O governo português, o comando da expedição e o governo-geral de Moçambique deveriam, de acordo com a missão atribuída, disponibilizar meios credíveis, por forma a garantir o essencial das tarefas a realizar pela expedição. Depreende-se da correspondência e do relatório da expedição que muitas foram as dificuldades em conciliar as tarefas a executar com as capacidades fornecidas ao comando da expedição.

continua…