Post do TCor ManTm António Maria Viegas de Carvalho, recebido por msg:

Se a II guerra mundial não chegou a ultrapassar o fundeadouro do porto de Sal-Rei da ilha da Boa Vista, onde um ou outro vaso de guerra alemão, italiano ou inglês terá fundeado ao largo da ilha em observações provocatórias, no que se refere à ilha de São Vicente a coisa atingiu volumes expressivos.

E nem é de estranhar que tenha sido assim. A posse da baía do Porto Grande devia ser uma tentação para qualquer chefe militar conhecedor do mundo.

Dizem que é tão profunda e limpa de recifes, que por diversas vezes, submarinos alemães e ingleses conseguiram iludir os canhões de Monte Branco e João Ribeiro, penetrando na enseada e emergindo dentro dela, sem que os defensores tivessem coragem para os atacar.

Mapa das ilhas de Cabo Verde

Estes episódios frequentes alertaram as autoridades portuguesas que sentiram a necessidade de defender não só a baía do Porto Grande, mas também o próprio arquipélago de Cabo Verde.

Apesar do governo das ilhas estar oficialmente instalado na cidade da Praia (ilha de Santiago), a cidade do Mindelo (ilha de São Vicente) é o centro nevrálgico do arquipélago que é preciso defender a todo o custo.

Face a este perigo as autoridades portuguesas fizeram instalar nas ilhas um vasto reforço militar constituído por um corpo de tropas expedicionárias.

A missão das tropas expedicionárias tinha por base a previsão de que a acção de um possível inimigo fosse inicialmente exercida por meios navais e aéreos, seguidos de uma ou mais tentativas de desembarque de forças terrestres. Competia às tropas estacionadas nas ilhas, defender a integridade do território contra essas forças estrangeiras, beligerantes ou não.

O conceito de defesa da ilha de São Vicente consistia essencialmente numa sólida ocupação e, em caso de emergência, manter a todo o custo a posse das regiões de Monte Branco, João Ribeiro, cidade do Mindelo e do ponto de amarração do cabo telegráfico submarino “Italcable”.

“Italcable” (servizi cablografici radiotelegrafia e radioelettrici SpA) era uma empresa inglesa/italiana que operava diversos cabos submarinos transatlânticos, que ligavam cidades da costa sul da Europa às Américas e que foram cortados ou quebrados durante a II Guerra Mundial, excepto no Mindelo”.

A defesa da ilha do Sal consistia na defesa do seu já importante aeródromo.

A defesa da ilha de Santo Antão consistia em defender as suas reservas de água potável que abasteciam a ilha de São Vicente ali em frente.

O corpo de tropas expedicionárias era inicialmente constituído por várias unidades de Infantaria, agrupadas sob o comando do Regimento de Infantaria 23, Artilharia de Costa e de Contra Aeronaves e da 2ª Companhia de Sapadores Mineiros do Regimento de Engenharia 2, de entre outras.

Três meses depois do reforço das tropas expedicionárias combatentes chegarem à ilha de São Vicente, concentraram-se no Batalhão de Telegrafistas em Lisboa (Sapadores), uma secção de transmissões constituída por dezasseis radiotelegrafistas recrutados por escolha em diversas unidades do país.

Formaram-se quatro equipas de radiotelegrafistas.

Cada uma das equipas era constituída por um 1º Cabo, um 2º Cabo e 2 Soldados. Chefiavam estas quatro equipas os 1º Cabos Armindo Carvalho, António Freitas, Oliveira David e Ferreira da Silva.

Dez dias depois, em 15Ago41, sob o comando do 2º Sargento Telegrafista António Maria da Silva, estes dezasseis radiotelegrafistas formaram na parada do Batalhão de Telegrafistas, onde ouviram palavras encorajadoras do comandante TCor (Eng.º) João dos Santos Calado.

Nesta cerimónia os Soldados foram promovidos a 2º Cabos.

15Ago1941 – Partida do cais de Alcantara do Vapor Colonial

Nesse mesmo dia embarcaram no vapor “Colonial” com destino à ilha de São Vicente com paragem na ilha da Madeira. A bordo seguia um conjunto de caixotes com material de transmissões que eles não chegaram a ver durante os dez dias de estadia no Batalhão de Telegrafistas.

No vapor “Colonial” seguiam também várias famílias de civis com destino a São Tomé, Angola e Moçambique dentro do programa que foi criado pelo governo de “povoamento das colónias”.

18Ago1941 - Radiotelegrafistas a bordo do Vapor Colonial
18Ago1941 – Radiotelegrafistas a bordo do Vapor Colonial

Chegaram ao seu destino em 21Ago41, depois de uma viagem difícil devido ao péssimo alojamento e deficiente alimentação a bordo.

Sendo os únicos militares a bordo tiveram a seu cargo o transporte diário do carvão do porão para alimentar as fornalhas do vapor.

Como não havia porto para atracar, o vapor “Colonial” ficou ao largo. O desembarque é feito em botes com remadores locais. Na recepção a estes telegrafistas está o Cap (Eng.º) Guardiola, comandante da 2ª companhia de sapadores mineiros do regimento de engenharia 2. É nesta unidade que ficam adidos e aquartelados, em péssimas condições, no chamado “Parque da Engenharia”.

Dias depois reuniram os caixotes com os materiais e ao abri-los aperceberam-se das grandes dificuldades que iam ter nesta missão.

02Dez1941 - Um dos tipos de receptores-transmissores de Trincheira instalados
02Dez1941 – Um dos tipos de receptores-transmissores de Trincheira instalados

O material de telegrafia sem fios (TSF) era de fraco rendimento, constituído em parte por estações receptoras/transmissoras de “Trincheira” de origem inglesa, excepto um equipamento construído nas Oficinas de Material de Engenharia (OGME), que se previa ser o equipamento para guarnecer o Quartel-General (QG) do comando militar como posto director.

02Dez1941- Aerodinamo de electro-imanes, 52 polos, 13V - 5Amp - 60 rpm
02Dez1941- Aerodinamo de electro-imanes, 52 polos, 13V – 5Amp – 60 rpm

Antenas, baterias e aerodinamos para o carregamento das baterias completavam o material de (TSF).

O 2º Sargento António Maria informou estes radiotelegrafistas que estava previsto na Primavera de 1942 a chegada de mais pessoal e com eles material novo de origem inglesa e portuguesa.

O material de telegrafia por fios (TPF) era constituído por telefones construídos nas Oficinas Gerais de Material de Engenharia (OGME) e os S33 de origem alemã, enquanto as centrais telefónicas eram do tipo Ericssom de origem sueca.

Foi por aqui que começou a actividade dos telegrafistas.

Nov1941 - Lançamento das linhas telefónicas
Nov1941 – Lançamento das linhas telefónicas

Lançamento de linhas telefónicas de campanha com cabo simples e duplo tipo D-8, entre as diversas unidades e comandos aquarteladas na cidade do Mindelo e instalação dos telefones e centrais telefónicas.

Foram necessários quase quatro meses para instalar as linhas, telefones e centrais telefónicas e ainda instruir os soldados cedidos pelas unidades e comandos para a sua operacionalidade.

Só em Dezembro de 1941 começaram a instalar e a operar o material de TSF.

Quatro estações receptoras/transmissoras foram instaladas na cidade do Mindelo, ficando de reserva duas estações, para serem instaladas nas ilhas do Sal e Santo Antão quando fosse possível o seu transporte.

02Jan1942 - Guarnição da estação directora do QG do comando militar. (em pé) 2º cabo Magro, 1º cabo Armindo Carvalho e 2º cabo Pereira, (sentado) 2º cabo Mourão
02Jan1942 – Guarnição da estação directora do QG do comando militar.
(em pé) 2º cabo Magro, 1º cabo Armindo Carvalho e 2º cabo Pereira,
(sentado) 2º cabo Mourão

A estação directora (P1) chefiada pelo 1º cabo Armindo Carvalho foi guarnecida por um receptor/transmissor de 10 Watts, operando no comprimento de onda dos 15 metros e instalada no quartel-general do comando militar.

As estações (P2) chefiada pelo 1º cabo António Freitas e a (P3) chefiada pelo 2º cabo Martins foram guarnecidas com receptores/transmissores de 1,5 Watts, operando no comprimento de onda dos 15 metros e instaladas em posições da artilharia em João Ribeiro e Monte Branco.

A estação (P4) chefiada pelo 2º cabo Silva foi guarnecida com um receptor/transmissor de 1,5 Watts e instalada numa viatura.

Como as distâncias entre as estações eram curtas as comunicações revelaram-se eficazes em todos os períodos do dia e da noite.

A grande decepção dos radiotelegrafistas era a falta de uma estação receptora/transmissora que permitisse fazer ligações com Lisboa (posto de rádio da Ajuda).

Em Janeiro de 1942 como estava previsto, deu-se o embarque de duas estações de 2,5 Watts operando no comprimento de onda dos 15 metros destinadas às ilhas de Santo Antão e do Sal.

Para a ilha de Santo Antão seguiu a estação (P5) chefiada pelo 1º cabo Oliveira David e para a ilha do Sal seguiu a estação (P6) chefiada pelo 1º cabo Ferreira da Silva.

Ficava assim concluída a primeira rede de seis estações radiotelegráficas com um número reduzido de operadores.

03Junho de 1942 - Posto rádio do QG do comando militar. Em pé, 1º cabo Armindo Carvalho
03Junho de 1942 – Posto rádio do QG do comando militar.
Em pé, 1º cabo Armindo Carvalho

As comunicações com as ilhas de Santo Antão e do Sal, apesar de algumas dificuldades, principalmente nos períodos da noite, onde era necessário ter os ouvidos muito apurados para receber o serviço, cumpriam a missão.

Em Janeiro de 1942, as estações a operarem no Mindelo, começaram a notar interferências na recepção dos sinais.

Como a situação se agravou principalmente no receptor da estação directora instalada no QG do comando militar, o chefe da estação 1º cabo Armindo Carvalho informou o 2º sargento António Maria da situação.

O 2º sargento António Maria, depois de ouvir durante três dias essas interferências, concluiu da possível existência de um emissor clandestino na ilha, informando de imediato o Cap (Eng.º) Guardiola.

O Cap (Eng.º) Guardiola deu conhecimento da situação a um inspector da Policia de Vigilância e Defesa do Estado (PVDE).

A (PVDE) iniciou de imediato a procura desse possível emissor, sem resultados imediatos.

Duas semanas depois destes acontecimentos o 1º cabo Armindo Carvalho e o 2º cabo Santos, radiotelegrafistas no posto director do QG do comando militar, num passeio pela ilha descobriram uma antena estendida no telhado de uma casa.

18Jan1942 - Porto e cidade do Mindelo com localização da casa do espião
18Jan1942 – Porto e cidade do Mindelo com localização da casa do espião

Enquanto o 1º cabo Armindo Carvalho ficou de vigia à casa o 2º cabo Santos procurou o Cap (Eng.º) Guardiola e o 2º Sargento Telegrafista António Maria.

Com a chegada destes militares acompanhados por um inspector da (PVDE) e um graduado da legião portuguesa (LP), a porta da casa foi arrombada no preciso momento em que um civil de auscultadores nos ouvidos e chave de morse na mesa iniciava uma transmissão, enquanto uma mulher segurava uns papéis.

Os civis, foram identificados como sendo o comerciante Mário Ribeiro e sua mulher Isaura, chegados ao Mindelo dois meses antes destes acontecimentos, vindos da cidade da Praia (ilha de Santiago).

Foram levados presos para o forte onde estavam instalados os três elementos da (PVDE) e meia dúzia de indivíduos da legião portuguesa (LP).

Um moderno receptor/transmissor instalado numa mala, outra mala com acessórios radioeléctricos, uma bateria e um aerodinamo foram recolhidos e levados para as instalações da (PVDE).

Os Cabos radiotelegrafistas presentes nesta apreensão verificaram de imediato da excelente qualidade do receptor/transmissor.

Dias depois, os radiotelegrafistas convenceram o 2º sargento Telegrafista António Maria para falar com o Cap (Eng.º) Guardiola para este tentar a cedência do receptor/transmissor para ser instalado no QG do comando militar.

Havia possibilidades técnicas do receptor/transmissor servir para as comunicações com Lisboa (Ajuda), que era um desejo de todo o pessoal radiotelegrafista.

O Cap (Eng.º) Guardiola não conseguiu demover os homens da (PVDE) e da (LP) para estes entregarem o receptor/transmissor aos militares.

Disseram-lhe que todo o material capturado teria de acompanhar os presos quando estes fossem enviado para Lisboa.

Perante esta informação, o Cap (Eng.º) Guardiola sabendo da presença no Mindelo em visita oficial do governador Dr. José Diogo Ferreira Martins, vindo da cidade da Praia, pediu-lhe uma audiência para expor a situação.

O governador ouviu o Cap (Eng.º) Guardiola e no fim disse-lhe:

Está com sorte senhor Capitão.

Tenho aqui nos meus documentos uma comunicação do senhor ministro das colónias datada de 3 de Junho de 1940 para todos os governadores-gerais que lhe vou ler:

“Proíbo terminantemente em todas as colónias o funcionamento de postos emissores particulares, devendo os aparelhos serem apreendidos e depositados em local do Estado que VExas entenderem”.

No final da leitura o governador limitou-se a dizer ao Capitão:

Hoje mesmo vou dar ordens para que esses aparelhos sejam depositados à guarda do QG do comando militar.

E assim sucedeu, apesar da resistência dos homens da (PVDE) e da (LP).

Com a mala receptora/transmissora em seu poder a guarnição do posto de rádio do QG do comando militar, pediu ao Cap (Eng.º) Guardiola para traduzir o pequeno manual em inglês que acompanhava o receptor/transmissor.

Lido o manual, verificaram da excelente qualidade deste material nomeadamente os 60 Watts do transmissor.

Em 18 de Fevereiro de 1942, o Cap (Eng.º) Guardiola enviou, via correios, um telegrama ao Major (Eng.º) Quaresma que no Batalhão de Telegrafistas (Sapadores) chefiava o Serviço Rádio Militar do Continente, indicando que no dia 22 de Fevereiro entre as 20H00 e as 21H30 hora de Lisboa, o posto de rádio militar da Ajuda devia estar em escuta em onda-curta no comprimento de onda dos 35 metros.

O resultado desta experiência era aguardado pelos radiotelegrafistas com grande ansiedade. Manter as comunicações radiotelegráficas com Lisboa, significava poderem receber informações regulares dos seus familiares, numa altura em que os “vapores” só traziam correspondência e encomendas de dois em dois meses e, provavelmente, mais apoio por parte do Batalhão de Telegrafistas.

Quando o 1º cabo Armindo Carvalho manipulou a chave de morse chamando o posto de rádio em Lisboa (Ajuda), este respondeu de imediato.

Durante cerca de cinco minutos trocaram sinais. No final, o 1º cabo Armindo Carvalho informou o Cap (Eng.º) Guardiola, o 2º Sargento António Maria e os outros dois operadores que os sinais chegavam a Lisboa em boas condições, o mesmo sucedendo com os sinais recebidos no posto de rádio do Mindelo.

Foi uma alegria entre todos aqueles homens. Esta ligação com Lisboa ia permitir avanços nos apoios aos militares expedicionários.

Nos dias seguintes em novos horários, voltaram a fazer experiências com o receptor/transmissor capturado ao espião cujos sinais continuavam a ser muito bem recebido em Lisboa (Ajuda) e no Mindelo.

Numa destas comunicações, o 1º cabo Armindo Carvalho recebeu uma boa notícia do operador do posto de rádio em Lisboa (Ajuda), o seu amigo 1º cabo Liberal. Tinha recebido uma comunicação do posto de rádio da Escola Prática de Artilharia (EPA) em Vendas Novas, informando que ele era pai de um rapaz nascido em Janeiro e que tudo estava bem.

O 2º sargento Telegrafista António Maria da Silva que comandava a secção dos radiotelegrafistas ofereceu-se de imediato para ser o padrinho.

Em Março de 1942 o espião Mário Ribeiro e a mulher Isaura embarcaram no navio “Guiné” com destino a Lisboa. Foram acompanhados por um homem da (PVDE) e outro da (LP).

Notas Finais:

– Em Abril de 1942 chegou a São Vicente um contingente de 12 cabos e 12 soldados radiotelegrafistas, comandados pelo furriel Cassio para reforço das redes de TPF e TSF.

11Mai1942 - (da esquerda para a direita) 2º Sarg António Maria, Capº (Engº) Guardiola, Cap (Engº) Costa Pereira, 1º cabo Armindo Carvalho, 1º cabo Ferreira da Silva e 2º cabo Silva, com população local
11Mai1942 – (da esquerda para a direita) 2º Sarg António Maria, Capº (Engº) Guardiola, Cap (Engº) Costa Pereira, 1º cabo Armindo Carvalho, 1º cabo Ferreira da Silva e 2º cabo Silva, com população local

– Em Maio de 1942 chegou a São Vicente mais um contingente de 12 furriéis, 8 cabos e 10 soldados radiotelegrafistas, comandados pelo Alferes Alvarez para reforço das redes de TPF e TSF.

11Mai1942 Cap (Engº) Costa Pereira e Ten (Engº) Abel Cardoso, primeiros comandantes das transmissões no Mindelo
11Mai1942 Cap (Engº) Costa Pereira e Ten (Engº) Abel Cardoso, primeiros comandantes das transmissões no Mindelo

– Em Maio de 1942 chegaram a São Vicente o Cap (Eng.º) Costa Pereira para comandar as transmissões e o Ten (Eng.º) Abel Cardoso como seu adjunto.

Estes dois oficiais organizaram, enquadraram o pessoal e criaram as condições para o sucesso desta missão nas ilhas de Cabo Verde.

03Junho de 1942 - Militares do comando das transmissões (em cima, Cap (Engº) Costa Pereira e Ten (Engº) Abel Cardoso ladeados pelo 1º cabo Armindo Carvalho e 2º sarg António Maria
03Junho de 1942 – Militares do comando das transmissões
em cima, Cap (Engº) Costa Pereira e Ten (Engº) Abel Cardoso, ladeados pelo 1º cabo Armindo Carvalho e 2º sarg António Maria

– Com estes dois oficiais chegaram receptores/transmissores ingleses e outros construídos nas (OGME) e no (BT) que reforçaram e aumentaram a qualidade técnica das redes radiotelegráficas nas ilhas de Cabo Verde.

– O fim da II guerra mundial fez regressar ao Continente os efectivos expedicionários. Ao mesmo tempo, foram sendo extintas as unidades, comandos e serviços ali criados. O regresso do comandante militar, Brigadeiro Nogueira Soares, em Janeiro de 1945, e sobretudo a extinção do comando militar em Novembro de 1946, marcaram o final do reforço militar às ilhas de Cabo Verde.

A verdadeira mala do espião identificada em 1963 através de revistas militares
A verdadeira mala do espião identificada em 1963 através de revistas militares

– A mala com o receptor/transmissor capturada ao espião Mário Ribeiro que nunca deixou de estar controlada pelos homens da (PVDE), foi recuperada por estes no final da expedição militar e trazida para Lisboa tendo sido depositada no quartel da Legião Portuguesa (LP) no edifício da Penha de França.

– Segundo informações de um sargento radiomontador do Batalhão de Telegrafistas que prestava assistência técnica na (LP) para ganhar mais alguns tostões, este receptor/transmissor esteve pelo menos até finais dos anos sessenta, depositado no armazém de material apreendido no edifício da (LP) na Penha de França.

– Depois do 25 de Abril de 1974, o Cor (Eng.º) Bastos Moreira que sabia deste acontecimento e já tinha na ideia a criação do Museu das Transmissões, pediu ao TCor ManTm Armindo Carvalho (ex: 1º cabo radiotelegrafista do posto de rádio do QG do comando militar do Mindelo) para identificar algumas malas de comunicações recuperadas do edifício da (LP).

– Analisadas essas malas contendo receptores/transmissores nenhuma delas foi identificada como a mala capturada ao espião Mário Ribeiro. A mala utilizada pelo espião foi identificada em 1963 através de revistas militares como sendo a “mala de rádio britânica MkII” muito utilizada pelos agentes britânicos do SOE (Special Operations Executive).

Mala receptora-transmissora existente no museu das trasmissões que simboliza a mala capturada ao espião
Mala receptora-transmissora existente no museu das trasmissões que simboliza a mala capturada ao espião

– Por iniciativa do Cor (Eng.º) Bastos Moreira, foi recuperada uma dessas malas do edifício da (LP) contendo um receptor/transmissor. Foi colocada no museu das transmissões para simbolizar e prestar homenagem a um conjunto de militares radiotelegrafistas que pela sua tenacidade, abnegação e dedicação, mantiveram as ligações entre a ilha de São Vicente (Mindelo) em Cabo Verde e Lisboa (Ajuda), através dos sinais de morse durante parte do período que durou o reforço militar.

– Quando os Britânicos declararam o bloqueio económico aos países ibéricos, o governo de Lisboa resiste tenazmente às imposições do cerco económico, gravemente lesivos dos fornecimentos essenciais à economia portuguesa e das relações comerciais com a Alemanha (que considera mesmo essenciais à manutenção da neutralidade de Portugal), mesmo quando se vê obrigado a aceitar formalmente, os princípios e instrumentos do bloqueio, unilateralmente definidos e impostos por Londres.

– Todas as mercadorias destinadas a Portugal ou delas originárias ficavam sob a fiscalização do consulado Britânico, que montou pela simpatia política, pela concessão de facilidades e pelo suborno, uma vasta rede de informadores, nas alfândegas, nos portos, na polícia marítima, no exército, na marinha, nas empresas de navegação e de transportes terrestres e em todos os portos das colónias.

– Mário Ribeiro o espião capturado na cidade do Mindelo que tinha sido quatro anos antes, furriel radiotelegrafista no Batalhão de Telegrafistas, não era mais do que uma “antena informativa” dessa vasta e complexa rede de espionagem implementada pelos Britânicos e treinada pelos (SOE) que operavam em todo o território português.

– Os radiotelegrafistas formados no exército eram detentores de qualidades técnicas invulgares. Durante a guerra, alguns foram recrutados para as redes de espionagem alemãs e britânicas. No final da guerra alguns ficaram no exército mas a grande maioria foi para a marinha mercante em Portugal, EUA, Canadá, França e Inglaterra.

– O autor desta narrativa é o filho do 1º cabo radiotelegrafista Armindo Carvalho, operador da estação directora do (QG) do comando militar do Mindelo, que teve a notícia do meu nascimento pelo 1º cabo radiotelegrafista Liberal, operador na estação em Lisboa (Ajuda) durante a experiência com o receptor/transmissor capturado ao espião.

Nota:

Parte desta descrição “os primeiros radiotelegrafistas na II guerra mundial em Cabo Verde” só foi possível através dos apontamentos deixados pelo meu pai, TCor ManTm Armindo Teixeira de Carvalho (1913 – 1982).

6 comentários em “Os primeiros Radiotelegrafistas em Cabo Verde durante a II G M

  1. Excelente e emocionante esta narrativa!
    Dou os meus parabéns ao seu autor!
    E presto a minha homenagem a esse punhado de radiotelegrafistas!

    João Ramiro C. Firmino
    Ex furriel miliciano de TRMS

  2. Em primeiro lugar as minhas felicitações ao TCor Viegas de Carvalho por mais um excelente post, desta vez sobre a atuação das transmissões na expedição a Cabo Verde, na 2ª guerra mundial, onde inclui a curiosa descrição da utilização da mala-espião para as comunicações com a metrópole.

    O tema é pouco tratado na historiografia militar sobre Transmissões militares(1). mas suficientemente estimulante para me suscitar alguns breves comentários e reflexões

    O texto refere que os equipamentos rádio que, em 1941, o pessoal de transmissões levou para Cabo Verde eram rádios de trincheira e mais um equipamento rádio de 100 W destinado às ligações com Lisboa (2). Os rádios de trincheira teriam funcionado bem (dadas as pequenas distâncias). A minha dúvida é se estes rádios de trincheira ainda eram os antiquíssimos equipamentos que vinham da I GM e usados na Flandres.
    Por outro lado parece não abonar muito a favor da qualidade dos equipamentos rádio de que o nosso pessoal dispunha o rádio de 100W ter sido superado pelo equipamento inglês da maleta-espião de 60 W.

    Relativamente à quantidade de equipamentos rádio utilizados parece-me que , nesta expedição, em 1941, se estava muito mais próximo da I GM do que da 2ª pois nesta houve um crescimento exponencial dos meios rádio utilizados, abrangendo todos os escalões de comando, ao contrário da IGM onde os rádios eram usados sobretudo nos escalões mais elevados.

    Outro ponto que gostaria de acrescentar resulta de ter lido na net uma referência à participação do RI 15 nesta expedição a Cabo Verde (3). Aí se diz que, na altura, Cabo Verde se encontrava em dificuldades grassando a fome no arquipélago, havendo caboverdeanos a morrer à fome, situação que era agravada por se atravessar um período de seca prolongada e por a expedição ter 6 700 militares a alimentar. Segundo o mesmo documento a disponibilização das sobras do rancho para a população foi uma prática que foi iniciada numa companhia do RI 15 e que depois se generalizou a todo o arquipélago.

    (1) O cor Bastos Moreira, no 2º volume das suas “Notas” refere este tema nas páginas 74 a 76 e 96 a 98. De acrescentar que, como tenente, tomou parte nesta expedição na qual desempenhou as funções de adjunto do Comandante da Engenharia.

    (2) As “Notas” confirmam.

    (3) Trata-se da História do RI 15, editada pela CM Tomar.

  3. A comunicação entre os seres vivos é fundamental à sua identificação como grupo. Os humanos fazem-no, fundamentalmente, pela da palavra; veículo excepcional através do qual podemos exprimir a complexidade do pensamento e dos sentimentos.
    Foi graças à palavra que nos identificamos uns com os outros e adquirimos, ao longo dos séculos, identidade própria, coesão cultural. A palavra tornou-nos nação, tornou-nos portugueses, com as virtudes e misérias que nos caracterizam. Espoliados de tudo, resta-nos esta trincheira. Por isso, mais do que nunca, em tempo de crise e caos como aquele que agora vivemos, apenas a língua nos permitirá resistir, expulsar os traidores e readquirir dignidade.
    O Tenente-Coronel António Viegas de Carvalho volta a brindar-nos com uma nova viagem pela História. Ao partilhar estas “suas” memórias connosco, contribui, decididamente, para o fortalecimento da nossa identidade de portugueses.
    Não quero fechar este comentário sem deixar de chamar a atenção para um pequeno pormenor. Não tão pequeno assim, porque revela como o poder político se relaciona com as instituições que o servem; exige delas o que não é capaz de pedir a si. Destacar para Cabo Verde militares de transmissões sem o equipamento adequado, a ponto de não ser possível comunicar com Lisboa, roça o ridículo. Mal sabia o espião Mário Ribeiro que o seu moderno equipamento serviria para anunciar o nascimento de António Viegas de Carvalho. Valha-nos isso.
    Bem haja, caro amigo, pelo seu trabalho. Ficamos a aguardar, aqui, novos encontros.
    António Oliveira e Castro
    escritor

  4. Interessantíssimo!
    Procurava informações sobre a Ponta de João Ribeiro e deparei-me com este excelente artigo.
    Especialmente interessante para mim, pois sou português a viver há alguns anos no Mindelo. Mais interessante ainda porque fui da penúltima fornada de radiotelegrafistas que existiu mo Exército Português.
    No meio das suas fontes de informação tem, por acaso, a data de construção ou instalação dos canhões em João Ribeiro?
    Obrigado
    João Coelho

  5. Uma parte da história do meu país. Não conhecia esta situação de ter havido um espião em Cabo Verde e nem da presença da PVDE nos anos quarenta.

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