Descreve a invenção da fibra óptica e a sua introdução no Sistema Integrado de Telecomunicações do Exército Português (SITEP)
1. História
Guiar a luz por reflexão, princípio que torna as fibras ópticas possíveis, foi pela primeira vez demonstrado por Daniel Colladon e Jacques Babinet em Paris, por volta de 1840. John Tyndall incluiu a demonstração desta possibilidade nas suas leituras públicas doze anos depois. Tyndall escreveu (1870) acerca da reflexão interna total: “Quando a luz passa do ar para a água, o raio reflectido aproxima-se da perpendicular. Quando o raio passa da água para o ar, o raio reflectido afasta-se da perpendicular. Se o ângulo que o raio dentro de água faz com a perpendicular à superfície for maior do que 48º, o raio reflectido não sai da água. Será totalmente reflectido à superfície”.
Cada material condutor óptico tem o seu ângulo de reflexão total. Para o vidro, o ângulo de reflexão total é de 38º 41´.
Fig. 1 – “Fonte de luz” ou ”tubo de luz” de Tyndall – Notar que a luz que incide no recipiente superior, desce através do tubo curvo – que se torna branco – até ao recipiente inferior, cuja superfície fica clara.
O primeiro sistema de transmissão por fibra óptica foi apresentado pelo físico germânico Manfred Borner, em Ulm, em 1965. Porém as perdas eram enormes e a fibra era ainda impraticável como suporte para a informação. Charles K. Kao e George Hockham promoveram a ideia de que a atenuação do sinal na fibra poderia descer abaixo de 20db/km e asseveraram que as atenuações eram devidas a impurezas do material, que podiam ser removidas, propondo como materiais de construção o vidro de sílica com elevada pureza.
Cientistas da Corning Incorporated, produziram, em 1970, uma fibra de vidro de sílica, dopada com titânio, que tinha uma atenuação de 17db/km. Alguns anos mais tarde reduziram a atenuação para 4db/km, usando dióxido de germânio como dopante do núcleo.
A atenuação em cabos ópticos é hoje de longe inferior á dos cabos eléctricos, estabelecendo-se as distâncias entre repetidores de 70 a150 km.
O amplificador de fibra óptica dopada com érbio reduz o custo dos sistemas de transmissão por fibra a longa distância pela redução ou eliminação dos repetidores óptico-electrico-ópticos e representa um aumento da eficácia das fibras ópticas.
As modernas e robustas fibras ópticas usam vidro tanto para o núcleo como para a bainha.
2. Fibra óptica
Uma fibra óptica é uma fibra flexível e transparente feita de vidro ou de plástico, ligeiramente mais fina do que um cabelo humano. Ela funciona como um guia de ondas ou tubo de luz para transmitir luz entre os dois extremos da fibra.
As fibras ópticas incluem um núcleo transparente envolvido por um material de revestimento, transparente também, mas com menor índice de refracção. A luz é assim conservada no núcleo pela reflexão total interna. É isto que faz que a fibra seja uma guia de onda
Fig. 2 – Fibra Óptica – 10 fibras passam folgadamente pelo fundo da agulha
3. Fibras multi-modo e fibras mono modo
As fibras que suportam muitos percursos de propagação ou modos transversos são chamadas fibras multi-modo (MMF). Aquelas que apenas suportam um único modo são chamadas fibras mono modo (MNF). Os Modos definem as maneiras como a onda viaja no interior da fibra. As ondas de luz podem ter o mesmo modo mas diferentes frequências. É isto que se verifica nas fibras mono modo, onde podem coexistir ondas com diferentes frequências mas com o mesmo modo, de que resulta um único raio de luz. As fibras multi-modo têm um núcleo com maior diâmetro do que as mono modo e são usadas para comunicações de curta distância e para aplicações onde seja de considerar a potência a transmitir. As fibras mono modo são usadas para distâncias superiores a 1050 metros.
Fig. 3 – Fibras Ópticas Multi-modo e Mono modo
4. Fibras mono modo
As fibras mono modo obtêm-se por redução do diâmetro do núcleo (1 a 5 mícrones) e da abertura numérica ou ainda pela redução de ambos. A abertura numérica mede-se pelo seno do ângulo de incidência da luz de entrada na fibra.
As fibras mono modo introduzem menor distorção, possibilitam maior largura de banda e têm maior alcance entre repetidores. O facto de o seu núcleo ser extremamente fino coloca problemas: Capta pouca luz da fonte luminosa por exigir um ângulo da entrada do sinal luminoso muito pequeno e exige grande precisão do alinhamento dos troços de fibra que se pretende ligar.
A fragilidade e o pequeno alongamento axial permitido pelas fibras ópticas influenciam a estrutura dos cabos. Ao contrário dos cabos tradicionais onde os condutores ajudam a suportar a carga, deve ser evitado qualquer tipo de tensão axial sobre fibras ópticas. Para atingir este resultado recorre-se à introdução na construção dos cabos de elementos de resistência que absorvam as tensões axiais, tais como: fio de aço, fibras de vidro, Kevlar, fibras de carvão e fios de plástico.
Nos cabos de fibras ópticas podem também ser incorporados condutores de cobre ou de alumínio para telealimentação dos repetidores. Cabos para fins imunes aos impulsos electromagnéticos não devem ter elementos metálicos.
Não desenvolvo considerações sobre fibras multi-modo dado que não foram por nós utilizadas nos projectos de SITEP.
5. Aplicações avançadas – multiplexagem por comprimento de onda
A fibra óptica tem múltiplas aplicações, mas a ênfase aqui é para redes de telecomunicações e de computadores. A fibra é especialmente vantajosa para comunicações a longa distância porque a pequena atenuação, permite o uso de um número reduzido de repetidores, cobrindo longas distâncias.
Cada fibra pode transportar vários canais independentes, usando, cada um deles, um comprimento de onda de luz diferente (WDM – Wavelength-division multiplexing). O recorde atingido até hoje pertence à Bell Labs de França, e consiste em 155 canais, cada um transportando 100Gbits num percurso de 700km de fibra.
Fig. 4 – Princípio do WDM. Feixes de luz de comprimentos de onda diferentes, têm ângulos de reflexão diferentes, o que permite a multiplexagem por divisão no comprimento de onda.
6. Importância da fibra óptica no SITEP
O emprego da fibra óptica no SITEP e no PTAP vem concretizar a introdução de uma nova tecnologia nas comunicações de Exército. Sem a fibra óptica o SITEP não seria possível. As características do SITEP de integrar voz e dados num sistema digital de comutação por pacotes, correio de voz, comando e controle remoto centralizados só seria possível com recurso à fibra óptica nas redes de guarnição, nas áreas nodais e na interligação entre centrais satélites e a central nodal nas redes de Guarnição.
A fibra óptica tem características que a elegem como preferencial porque é imbatível quando se pretende:
– Imunidade ao ruído electromagnético;
– Grande largura de banda;
– Baixa taxa de erros;
– Atenuações reduzidas;
– Custo sucessivamente mais baixo, ao contrário dos cabos convencionais;
– Baixo peso e pequeno diâmetro;
– Segurança nas comunicações (não há escutas);
– Isolamento total (não há fugas para a terra).
Assim, hoje as fibras ópticas são o meio mais económico e eficaz para comunicações quer de longa quer de curta distância.
Quando se instalou a primeira fibra para o Exército o custo do cabo óptico ainda não era competitivo com os cabos tradicionais, mas as restantes qualidades, nomeadamente a capacidade de transmissão digital tornou a escolha incontornável.
7. Planeamento e início dos trabalhos de campo
Com alguma antecedência (1985/1986) em relação às necessidades de emprego no SITEP, o STM mandou uma equipe chefiada pelo Cap. Porfírio tirar um curso de cabos ópticos. Ocorreu que, já depois do curso e antes da instalação do primeiro cabo óptico no Exército, entre o STM e o EME, o STM foi convidado a lançar um cabo de fibra óptica para a NATO, entre a EMEL e o CINCIBERLANT, iniciando a equipe acima a sua actividade de campo com esta obra. Trata-se de um cabo de 6 fibras, tensor central em Kevlar, sem qualquer elemento metálico e com uma extensão de 4.200m, fornecido em troços de 1.000m, 1.350m e 1.850m.
Deste modo, e quase por acaso, a equipe de STM ganhou experiência prévia numa obra que antecedeu, com fibra importada, a do lançamento dos cabos de fibra óptica do Projecto Tipo de Área Piloto (PTAP).
8. Escolha das fibras e trabalhos de instalação nos cabos de fibra óptica
Vimos que, à data da sua introdução no Exército, as fibras ópticas agrupavam-se, segundo o modo de propagação, em multi-modo (MMF) e mono modo (MNF) e que foram instaladas cabos de fibras mono modo. Já referimos também a sensibilidade das fibras quanto a esforços axiais e a torções. Agora veremos os cuidados a ter com a sua instalação, com destaque para as emendas.
8.a. Emendas em fibras ópticas
Fazer emendas em fibras ópticas é mais delicado do que fazê-las em cabos de cobre. As pontas das fibras têm de ser cuidadosamente cortados, alinhadas e unidas ou mecanicamente ou fundindo-as com calor
Os cabos são fornecidos em comprimentos típicos de 1 e 2 km, havendo de realizar juntas (emendas) em ligações que cubram maiores distâncias. As perdas, tanto nas juntas de fusão como nas juntas de conectores ou ligadores têm de ser rigorosamente controladas para reduzir a atenuação e optimizar a ligação entre repetidores ou equipamentos terminais. As emendas com conectores ou ligadores ópticos utilizam-se nos contactos entre fibra óptica e o respectivo terminal ou repetidor.
Existem dois processos básicos de realização de juntas: a fusão e os ligadores com adaptação do índice de refracção.
8.b. Fusão
A realização de juntas pelo processo de fusão é o mais vulgarmente praticado consistindo na aplicação de calor localizado na zona da junção entre duas fibras previamente cortadas e alinhadas, provocando a fusão por intermédio de raios laser.
Fig. 5 – Fibra Óptica emendada por fusão
A experiência com que ficámos com estes materiais leva-nos a concluir que o modo de preparar a fibra para a fusão é um dos parâmetros que mais influenciam a atenuação provocada pela soldadura. Os terminais das fibras devem ser cortados com todo o rigor, após removido o revestimento secundário (bainha). As fibras devem ser convenientemente limpas antes de as colocar na máquina de fusão. Nesta, o alinhamento tem de ser perfeito por intermédio de um microscópio ou automaticamente.
Primeiramente é feita a pré-fusão com as fibras ligeiramente afastadas, utilizando uma descarga com menos energia para arredondar as superfícies terminais das fibras e evitar a formação de bolhas na soldadura. Finalmente é realizada a fusão definitiva, sendo medida a atenuação resultante da emenda. Se esta se encontra dentro dos parâmetros exigidos é-lhe aplicada uma manga de protecção na zona da fusão (ver fig. 5), com o objectivo de aumentar a resistência mecânica. Se a emenda produz uma atenuação superior ao normal, a fibra é partida e são repetidos todos os passos para nova emenda.
O valor típico de perdas em juntas de fusão em fibras monomodo é de 0,2 dB.
8.c. Ligadores ou conectores
Outro processo de junção de fibras, que se aplica na preparação das terminações para as ligar a equipamentos terminais, é o uso de ligadores ou conectores. Referimos estes ligadores porque também os aplicámos nos nossos projectos. Existem ligadores para uma ou para várias fibras, sendo estes últimos normalmente utilizados para aplicações militares de campanha.
Fig. 6 – Ligadores e Conectores de Fibra Óptica
Os ligadores ópticos dividem-se em três partes:
– Terminações da Fibra (para proteger os seus terminais);
– Guia de alinhamento (que protegem a fibra para o alinhamento óptico);
– Revestimento do ligador que protege os contactos ópticos do meio exterior, mantém as guias alinhadas e as fibras no lugar.
O ar existente entre os terminais de duas fibras no interior dos ligadores pode ser substituído por geleia com um índice de refracção próximo da das fibras, o que diminui as perdas por reflexão. Em estações de redes locais é possível avaliar a qualidade da junção no ligador pela observação, a olho nu, da intensidade de luz perdida por radiação na junção.
Um operador experiente consegue juntas de fibra com ligadores cujo valor de perdas ronda os 0,3 dB.
9. Lançamento de cabos de fibra óptica – 1986
Do projecto PTAP fazia aparte a remodelação completa da rede interna do EME, a alteração das entradas, a abertura de valas e o lançamento do cabo entre a STM e o EME.
Fig. 7 – PTAP – Abertura de valas na Rua da Verónica (ao fundo, o Panteão Nacional)
As equipes de montadores de cabos do STM estiveram envolvidas no lançamento de cabos ópticos entre o Regimento de Transmissões (STM) e o EME (1986). Está incorporado neste projecto, entre Santa Clara e o EME, um troço de cerca de 1.000 m de cabo, que foi o primeiro cabo de fibras ópticas fabricado em Portugal, pela fábrica CEL CAT. A ligação por fibra óptica entre o EME e o STM marcou o início do emprego de fibras ópticas nas comunicações do Exército e consolidou a ideia da necessidade da implantação desta tecnologia para o futuro. Ainda sob o meu comando foram executados os projectos ARTEL (Área Telemática de Lisboa), e ARNOL (Área Nodal da Lisboa). O ARTEL, com cabos de fibra entre o STM e a DSIE (Encarnação) e entre esta e a EPSM (Sacavém). O ARNOL entre o STM e o QG/RML, ambos na área Nodal de Lisboa. A fibra óptica é também indiscutivelmente melhor do que os outros meios para ligar centrais satélites em redes locais e entre centrais telefónicas e estações terminais de feixes hertzianos, tirando partido da transmissão digital, da largura de banda e da imunidade às radiações electromagnéticas.
O cabo lançado ente o STM e o EME é um cabo de seis fibras com tensor central em aço e revestimento exterior de polietileno. Sai do RTm pela R. Nossa Senhora da Glória, que percorre até ao fim, onde flecte para a Feira da Ladra pela R. da Verónica, passando depois pela DAT, de onde desce para o EME. Tem emendas junto da Messe Militar e terminais no RTm e no EME.
Depois do PTAP, o STM passou definitivamente ao emprego de fibra óptica em todos os seus projectos. O Projecto ARTEL e o Projecto ARNOL, fundindo-se com o PTAP, formaram a Área Nodal de Lisboa. Com estes projectos, toda a área a Lisboa ficou a beneficiar das novas tecnologias proporcionadas pelas redes digitais. Ao mesmo tempo que se desenvolviam projectos com fibras ópticas em Lisboa, acompanhava-se esta inovação tecnológica também nas RM /ZM.
Fig. 8 – PTAP – Enfiamento do cabo de fibra óptica
Fig. 9 – PTAP – Emenda por fusão da fibra óptica (Rua da Verónica)
Fig. 10 – PTAP – Medida de atenuação da fibra óptica na sala de controlo do PTAP.
Lisboa, 24 de Setembro de 2012.
Manuel da Cruz Fernandes
Neste post afirma-se que a instalação da fibra ótica pelo STM representou a introdução de uma nova tecnologia nas Transmissões do Exército.
Ora sempre me habituei a considerar que a introdução da fibra ótica pelo STM constituiu uma inovação não só a nível do Exército como a nível nacional, pelo que, desde já lhe agradeço a clarificação deste ponto
Atrevo-me ainda para lhe pedir, se possível, que me esclareça com que atraso em relação aos outros países surgiu a fibra ótica em Portugal e ainda, se possível em que ano é que surgiu a fibra ótica nas telecomunicações civis.
Trata-se da introdução no Exército. Havia nessa data (que eu saiba) um troço de fibra de alguns km, dos CTT, em ensaios em Torres Novas. Assim, do ponto de vista da passagem decisiva de uma tecnologia à outra foi o Exército que a fez.
Depois do PTAP (Projecto Tipo de Área Piloto) o Exército abandonou o cabo de cobre para os seus grandes projectos. Os CTT/TLP ainda demoraram algum tempo.
A segunda questão é controversa. Historicamente, isto é, com rigor histórico não sei .