Um desafio aos nossos leitores, “à laia do geocaching”.

Inaugurado parcialmente em 1812 (aproveitando posições da antiga linha para Almeida, inaugurada em 1810), este troço da linha de telegrafia óptica Lisboa/Porto, usando o telégrafo português de postigos de Ciera – já amplamente divulgado neste blogue (pode usar o Pesquisar, na barra do lado direito, ou então seleccionar nas Etiquetas/Tags) – foi, desde o início, operado pelo Corpo Telegráfico (a primeira Unidade de Tm do Exército, criada em 1810 e extinta em 1864). Utilizados desde 1804 (quer na linha da Barra, quer na linha de Mafra), os telégrafos de concepção portuguesa (mais simples e mais baratos que todos os existentes à época) podiam ser de três tipos – de postigos (ou “táboas”, ou janelas, ou persianas, ou ainda palhetas, como também ficou conhecido), de ponteiro, ou de 3 balões (ou bolas). O 1º para maiores distâncias, e com carácter mais permanente, os restantes para distâncias menores. Os três podiam usar a mesma tabela de códigos, uma vez que todos utilizavam 6 posições significativas (e duas para códigos de serviço).

Texto, pelo punho de Ciera, em que se refere aos 3 tipos de telégrafos ópticos existentes na sua época

O prolongamento da linha até ao Porto só ficou concluído em Novembro de 1828, durante as guerras liberais e ao serviço de D. Miguel, sob a supervisão do Maj Engº João Crisóstomo do Couto e Melo, Comandante e anteriormente Inspector do Corpo Telegráfico desde 1814, ano em que em Portugal existiam 31 telégrafos ópticos instalados (divididos organicamente em 9 secções), que, desde a zona da barra do Tejo (Oitavos, Cascais) seguiam para Lisboa e depois, para norte, até Abrantes e, para sul, desde o Pontal, chegavam até Elvas. E isto depois do abandono dos telégrafos de Mafra e Queluz, devido à ausência do príncipe real no Brasil! Os telégrafos estavam montados em locais altos e desimpedidos, distantes entre si entre 1 e 3 léguas, eram operados em permanência por uma guarnição de 3 homens (por vezes mais 1 ou 2, de reserva, ou para substituição de doentes) que tinham que estar de serviço do nascer ao pôr do sol, e que ficavam alojados em barracas de lona, à excepção de Santarém e Coimbra (em que eram de madeira) e de Lisboa, pois aqui o respectivo telégrafo ficava no quartel do Corpo, à Penha de França, onde hoje se situa o Comando Geral da PSP.
O troço depois de Coimbra, até ao Porto, já viria a ser dotado de barracas de pedra (excepto o da Aldeia Branca), uma vez que era frequente as de lona “irem pelos ares”, como aconteceu com a de Vila Franca na noite de 7 para 8 Nov 1828, e as de madeira serem na altura mais caras.

Com base nos elementos documentais que encontrei e na vista Mapa/Terreno do Google maps (altitudes e curvas de nível), procurei proceder à implantação no terreno, da forma mais rigorosa possível, ou pelo menos lógica, dos telégrafos deste primeiro troço Lisboa/Coimbra, tal como existentes em 1828. Sabemos por exemplo que, nas cidades principais, o de Lisboa se situava no quartel da Penha de França, que o de Coimbra se situava nos terrenos do Observatório Astronómico, tendo em 1828 sido mudado para Santo António dos Olivais (junto à futura Rua do Telégrafo, hoje Rua do Visconde de Monte-São – ver comentários abaixo), bem como sabemos que o de Gaia ficava localizado em Santo Ovídio, no alto da Bandeirinha, ou que o do Porto se situava do lado ocidental da igreja da Lapa (por trás do antigo “QG do Porto”). Por outro lado, pesquisas no mapa permitiram encontrar, por exemplo no caso da 5ª estação, Boa Vista, um revelador local com o nome de “Casais dos telégrafos”, ou, na Atalaia, uma “Encosta do Telégrafo”. Também em Tomar, onde pensei inicialmente que poderia ter estado localizado junto ao convento de Cristo e ao antigo hospital militar, acabei por descobrir nas Algarvias uma “Rua do telégrafo”. Outros casos destes haverá, é bem sabido que por esse País fora abundam locais com referências a cabeços ou picos do facho, atalaias, ou telégrafos.

O desafio que venho lançar aos nossos leitores, militares ou civis, é o de auxiliarem, pesquisando localmente, por conhecimento efectivo do terreno, ou em eventual viagem de fim de semana, a localização, tão exacta quanto possível, dos terrenos onde possam ter estado localizados os telégrafos deste primeiro troço. Se obtivermos resultados, num outro post será mostrada a localização o mais aproximada possível no troço Coimbra/Porto, com o mesmo objectivo. E o mesmo virá nesse caso a acontecer com a linha de Elvas na versão de 1828 (mas também na de 1810, em que, em vez de partir do Pontal, entroncava com a linha Lisboa/Porto em Santarém e, por Almeirim, Montargil, Aviz, Estremoz e Atalaya dos Sapatos seguia até Elvas).

Pode “navegar” no mapa seguinte, onde se encontram implantados os locais prováveis dos telégrafos, da mesma forma que o faz habitualmente no Google maps (mudar o zoom, a vista, etc):

[googlemaps https://maps.google.com/maps/ms?msa=0&msid=213535730916874503880.0004ca279c287808cdf3e&ie=UTF8&t=p&ll=39.504041,-8.723145&spn=1.695346,1.647949&z=9&output=embed&w=600&h=800]

Um dos elementos de que me procurei valer como auxiliar – o mapa dos telégrafos referido a 1OUT1828, mas em que não deposito total confiança no respeitante ao rigor das distâncias (visto que são dadas em léguas, meias léguas e, num caso apenas, em quartos de légua), merece contudo ser aqui reproduzido (a imagem apenas mostra o que se refere a este troço), bem como um croquis com a lista dos locais em causa, para melhor referência dos nossos leitores (clicar nas imagens para depois as aumentar e ver em maior detalhe) e um outro com as alterações efetuadas nas posições dos últimos telégrafos antes de Coimbra, que tinham sido posicionados nos locais da antiga linha para Almeida. Relembro também, por ultimo, como eram estes telégrafos, com a imagem do que esteve instalado em Peniche para comunicar com as Berlengas:

Mapa apenas com as estações Lisboa/Coimbra, referido a 01OUT1828, onde constam os lugares dos telégrafos, quais os responsáveis por distrito/zona, por onde recebiam o pré, ângulos de observação (a norte e a sul), distâncias relativas, e outras informações sobre o pessoal e sobre o material à carga.
Croquis da linha telegráfica de Lisboa a Coimbra (1812)
Alteração efetuada em 1828, em que a seguir a Ceiras foi eliminado o do Zambujal e alteradas as localizações dos 3 últimos antes de Coimbra.
Alteração efetuada em 1828, em que a seguir a Ceiras foi eliminado o telégrafo do Zambujal e mudadas para oeste as localizações dos 3 últimos telégrafos antes de Coimbra (Sto António dos Olivais).
Exemplo de um “telégrafo de postigos”, no caso o que esteve instalado em Peniche e que durou até à entrada do séc XX.

7 comentários em “Linha telegráfica Lisboa/Coimbra

  1. No seu post, o cor José Canavilhas apresenta a localização de algumas das estações da linha telegráfica Lisboa-Porto e desafia os leitores do Blogue a indicarem a localização de outros.

    Correspondendo a este apelo informo que, da consulta do livro “Da Estrada Romana ao Telégrafo Visual. Dois mil anos de viagens e comunicações por terras de Alvaiázere” (1) encontrei as seguintes indicações a respeito da localização de 3 estações:

    • Do telégrafo Porto numa foto (do Museu das Comunicações), mostrando o telégrafo junto ao Farol de N.ª Sr.ª da Luz (2).
    • Do telégrafo de Coimbra indicado (3), na antiga rua do Telégrafo que é hoje a rua do Visconde de Monte-São e que é o ponto mais alto da cidade.
    • Do telégrafo de Alvaiázere, no Outeiro do Talegre, que apresenta numa reprodução da carta militar 1/25 000, folha 287, edição 1984.(4).

    Julgo que se poderão encontrar descrições dos vestígios das estações da linha Lisboa-Porto no espólio de Reuber existente no AHM.

    No livro que referimos apresentam-se as seguintes considerações que me levam a considerar muito pouco provável que ainda se possam encontrar vestígios de estaçoes,isoladas instaladas no alto dos montes (5):

    Com a entrada em funcionamento do telégrafo elétrico, a partir de 1855, as instalações da rede do telégrafo visual deixaram de ter qualquer utilidade, pelo que vieram a ser vendidas em hasta pública., o que se verificou em 1858 com a estação telegráfica de Alvaiázere, que foi vendida em setembro desse ano por 1$800 réis, depois de não ter havido quem aarrematasse em janeiro por 3$000 réis e em março por 2$4000 réis.

    Na mesma página explica-se que “Além da sua má localização e do seu estado ruinoso, a qualidade das instalações era modesta, o que não estimulava o interesse dos compradores, mesmo que o preço das avaliações fosse relativamente baixo”.

    Pelo seu interesse transcreve-se aqui uma descrição de como funcionava o telégrafo ótico da cidade de Coimbra (6)

    “Recordamo-nos de ter, por algumas vezes, visto funcionar esse telégrafo, a cujo serviço estavam dois veteranos que se revezavam de seis em seis horas. Era muito curioso o seu serviço que demandava a maior atenção. O telegrafista estava sentado num banco alto, para melhor poder consultar alternadamente os dois óculos de alcance que se conservavam assestados, cada um em orifício próprio, aberto na parede. Do teto da pequena e estreita casita pendiam três cordas, cada uma das quais correspondia a uma das três grades de madeira, pintadas de branco e preto, para sinais. O veterano servia-se da mão esquerda para, com o auxílio das cordas imprimir movimento aos quadros e transmitir sinais; e com a direita ia escrevendo numa ardósia os sinais que recebia, designados por algarismos , os quais depois passava ao papel, enviando-o ao governador civil, onde eram decifrados.”

    È curioso verificar que Alvaiázere, depois de Mafra, deve ser das terras portuguesas que pelo trabalho de investigação e divulgação do Dr.. Mário Rui Simões Rodrigues , tem melhor estudado o telégafo visual que existiu na localidade e que, quanto a mim, deveria ser considerado um património cultural a recordar. Para minha surpresa no site da CM não consegui encontrar uma única referência ao telégrafo visual.

    (1) Da autoria de Mário Rui Simões Rodrigues. Editora Folheto, 2008
    (2) pág.86
    (3) pág. 88
    (4) pág. 90
    (5) pág. 91
    (6) pág.88 onde apresenta a transcrição do exposto o livro de FONSECA, Augusto de Oliveira Cardoso, “Outros Tempos ou Velharias de Coimbra, de 1850 a 1880”, Lisboa, Livraria Tabuense, 1911, pág. 88-89, nota 6.

    1. São exactamente contributos destes que se esperam, para uma definição o mais rigorosa possível dos locais. Contudo:
      1º – no que se refere ao do Porto, está a falar de outro telégrafo, o da foz, que era, digamos, apenas uma extensão local da linha Lisboa/Porto (como em Lisboa, em que existiam extensões para a barra), e não do local do “telégrafo do Porto”, que está claramente identificado junto à igreja da Lapa.
      2º – no que respeita ao de Coimbra, parece haver uma contradição documental, entre os terrenos do observatório, onde é descrito e eu o coloquei, e a ex rua do telégrafo, hoje do visconde monte são. A não ser que nesse tempo o observatório não fosse onde hoje é, mas sim ali. Ou então começou por ser nos terrenos do observatório e mais tarde foi mudado para a zona da rua que indica, do outro lado do rio, um local mais alto e mais dentro da cidade.
      3º – no de Alvaiázere, identificado no croquis como Vendas de Maria, que era a designação que ao tempo lhe era dada, coloquei-o na povoação, no local ainda hoje assim designado, mas talvez seja de corrigir para onde indica (Outeiro do Talegre), a noroeste, pois podia ser a designação corrente da zona na época e o outeiro o local efectivo da implantação.

    2. Procedi à correcção, mas depois voltei atrás. É que lembrei-me que, nos finais de 1828, ou pouco depois, houve um reajustamento posicional na zona, que levou à eliminação do telégrafo do Zambujal, por desnecessário. Ora acredito que é durante esse reajustamento que o telégrafo de Vendas de Maria (dentro da zona de Alvaiazere, Venda das Maçãs) foi puxado para norte, para o Outeiro do Talegre. A rede foi uma instalação viva e dinâmica, que foi mudando ao longo dos tempos, mas, no caso, o que se pretende é procurar localizar os telégrafos que fazem parte dos croquis apresentados no blogue, de 1828, e não todos os que, em diferentes épocas, existiram em Portugal. Assim, optei por deixar os 3 telégrafos a que se refere nos locais onde eu os posicionei, que julgo serem os correctos.

  2. Neste post do cor Canavilhas faz-se referência aos três modelos de telégrafos utilizados nas redes telegráficas óticas no tempo de Ciera, entre os quais o “telégrafo de 3 bolas”, o que prova, de forma irrefutável, com a apresentação de um manuscrito do próprio Ciera.

    A utilização do telégrafo de 3 bolas por Ciera constitui para mim uma novidade, e julgo que também para a própria CHT, pois quando se publicou , em 2010, o livro no bicentenário da criação do Corpo Telegráfico,apenas se conhecia a existência dos telégrafos de ponteiro e de palhetas, de que aliás se fizeram modelos, hoje na Coleção Visitável do RT:

    O funcionamento do telégrafo de 3 bolas não é difícil de imaginar pois permite precisamente as mesmas 8 combinações que o de ponteiro ou de persianas (em vez de ter 3 persianas tem 3 bolas) permitindo a aplicação aos três modelos das tábuas telegráficas de CIera.

    Contudo não se poderá dizer que tenhamos resposta para algumas interrogações tais como :
    • Em que situações teria sido aplicado este telégrafo de 3 bolas? Para distâncias menores que o de ponteiros?
    • Haverá alguma descrição da forma como se dispunham as 3 bolas? Na vertical ou uma acima e duas mais abaixo (como acontecia no telégrafo de persianas de Peniche) ?

    Claro que desde já agradecemos a alguém que possa trazer alguma luz sobre estas interrogações.

    1. Descrição sobre os telégrafos de bolas, ainda não encontrei, mas ainda não perdi a esperança. Mas, como comprovativo adicional de que foram largamente usados pelo Corpo Telegráfico, vou de seguida publicar um post com uma requisição que o comprova.

  3. Em Coimbra, na rua do Telégrafo (onde morei no nº 49) que em no início dos anos 70 já se chamava Visconde de Monte-São, em frente à minha casa havia uma grande quinta com uma casa junto à estrada e diversos anexos, que lá pelos anos 90 foi vendida para se construir um bloco de apartamentos. Nessas demolições foi lá descoberto o telégrafo que terá dado o nome à rua, muito provavelmente muito degradado. Não o vi, mas ouvi comentários a esse respeito de vizinhos de então que terão presenciado.

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