Post do Cor Cruz Fernandes, recebido por msg:

Do Gulag ao Sputnik

Dos sobreviventes da purga de Stalin enviados para o Gulag um nome que a História haveria de registar era Sergei Korolev (Mister X – o mais guardado dos cientistas russos, durante os duros anos de Guerra Fria).

Sergei Korolev, nasceu Zhitomir, na Ucrânia, em 1906. Era engenheiro de renome quando foi vítima da depuração da era de Stalin e mandado para Sibéria.  Vivo e reabilitado, Korolev, depois de entrar em vários projetos aeroespaciais, foi enviado pelo Comité Central da URSS, para o cosmódromo de Baikonur, no Cazaquistão, como responsável pelo desenvolvimento do programa de mísseis intercontinentais.

A sua tarefa de construir o potente míssil R-7, tornou-se para ele uma janela para colocar um objecto no espaço sideral. Numa das visitas de Nikita Kruchev ao cosmódromo de Baikonur, Korolev aventou a hipótese de colocar em órbita um satélite artificial como transportador de equipamento de observação, como câmara fotográficas, auxiliar de espionagem, completamente fora do alcance do inimigo. Kruchev concedeu, mas apenas como objectivo secundário. Primeiro estavam os mísseis, e o Comité Central queria festejar os 40 anos da revolução com o lançamento de uma ogiva nuclear “sem carga”, por meio de um míssil R-7, que demonstrasse ao mundo a sua arma espetacular.

Entre Maio e Agosto todas as tentativas falharam. Mas no princípio de Agosto, o míssil partiu e voou, cumprindo o seu programo sem falhas. O trabalho de Korolev estava concluído. Mas ao analisar o local de impacto não havia vestígios da ogiva, o que significava que se havia pulverizado por o revestimento que lhe foi feito não ter resistido ao calor da reentrada na atmosfera. Entre Agosto e Outubro não havia tempo para desenvolver materiais capazes de fazer uma blindagem térmica eficaz para a próxima ogiva. Em vez de ver nisso um fracasso Korolev viu a oportunidade de, em vez da ogiva, destinada a ser destruída, enviar um satélite destinado a ser visível para todos. O único obstáculo a vencer era o tempo para produzir um satélite. Autorizada a alternativa, Korolev partiu para o improviso. De fins de Agosto até ao início de Outubro passou o tempo projetando e dirigindo as equipas, em turnos, na montagem do “seu satélite pessoal”, que viria a ser o Sputnik. Uma esfera de 58,5 cm de diâmetro, e 83 kg de peso, resplandecente de brilho, com um transmissor no seu interior e quatro antenas. O polimento foi feito tão perfeito que, para o fim, apenas se lhe podia tocar com luvas especiais para que o primeiro satélite fosse visto pela humanidade inteira.

Do Sputnik ao GPS

A cafetaria da Laboratório de Física Aplicada (LFA) da Universidade de Johns Hopkins em Laurel, no Maryland, era um local de conversa sobre assuntos de trabalho entre os físicos, técnicos e matemáticos. A conversa da hora do almoço daquele segunda-feira, 7 de Outubro de 1957, foi invulgarmente animada, graças aos títulos de imprensa do fim-de-semana, que assinalavam o lançamento pelos Soviéticos do Sputnik, primeiro satélite artificial de construção humana. Dois jovens físicos William Guier e George Weiffenbach entraram numa discussão viva sobre os sinais de rádio que provavelmente emanariam do Sputnik. Depois de interrogarem alguns dos seus colegas ficaram a saber que nenhum se tinha dado ao trabalho de ir ao LFA no fim-de-semana para ficar a saber se os sinais do Sputnik podiam ser captados pelo equipamento do Laboratório.

Mas Weiffenbach estava a fazer um doutoramento sobre espectroscopia das microondas e tinha em seu poder um receptor de HF. Guier e Weiffenbach passaram o resto do dia curvados sobre o receptor, a tentarem captar sinais do Sputnik, o que na realidade foi muito fácil, pois os Soviéticos, habituados a que tudo o que faziam fosse considerado pelo ocidente como produto de propaganda ou embuste, tinham preparado o Sputnik para transmitir um sinal que fosse invulgarmente acessível, um som na frequências dos 20 MHz ( bip…bip…bip…).

Parecia impossível! Dois cientistas sentados numa sala nos subúrbios de Maryland, a ouvir sinais feitos pelo Homem que vinham do espaço. A informação de que os jovens físicos haviam captado os sinais do Sputnik espalhou-se pelo LFA, e não tardou que se formasse uma coluna de visitantes à porta de Weiffenbach para escutarem a tagarelice do satélite.

Ao bom modo inglês, percebendo que estavam a lidar com a História, Guier e Weiffenbach, ligaram o receptor a um amplificador de som e começaram a gravar o sinal em fita magnética. Em cada gravação registavam o tempo e, enquanto ouviam e gravavam, os dois perceberam que podiam usar o efeito de Doppler para calcular a velocidade a que o satélite se movia através do espaço. O efeito de Doppler era conhecido há mais de cem anos e observa-se sempre que a origem do som ou o receptor estão em movimento. Se se aproximam um do outro, as ondas sonoras amontoam-se e torna-se mais breve o intervalo que existe entre elas, tornando o sinal mais agudo. No afastamento entre a fonte e o receptor dá-se o contrário, o sinal torna-se mais grave. O efeito de Doppler tem sido usado em muitos estudos como para detectar a expansão do Universo, monitorar tempestades, etc.

Foi pelo Sputnik estar a emitir numa frequência tão constante, encontrando-se estacionário o receptor, que Guier e Weiffenbach compreenderam que podiam calcular o movimento do satélite com base nas alterações breves, mas constantes registadas nas ondas de som que estavam a captar. Já noite, lembraram-se de um truque matemático complementar: ao analisarem a alteração das mudanças do efeito de Doppler, podiam determinar o ponto da órbita do Sputnik que mais perto estava do LFA. Quase por acaso tinham chegado a uma técnica que não servia só para calcular a velocidade do satélite, mas também para fazer o mapa da trajectória da sua órbita. Em poucas horas os dois cientistas haviam passado da audição do Sputnik para a possibilidade de seguirem o seu rumo. Nas semanas seguintes nasceu em torno de Guier e Weiffenbach, uma rede informal de cientistas do LFA, que começou a registar pormenores e a pesquisar nos textos teóricos sobre as órbitas dos corpos celestes e a propor melhorias ao aspecto tecnológico.

O director do LFA aprovou os fundos necessários ao estudo dos números obtidos no novo computador UNIVAC do laboratório. Poucos meses depois os cientistas já dispunham de uma descrição completa da órbita do Sputnik, achada na sua totalidade a a prtir do sinal dos 20 MHz.

Na Primavera de 1958, Frank T. McClure, vice-director do Laboratório de Física Aplicada, chamou Guier e Weiffenbach ao seu gabinete e fez-lhes uma pergunta confidencial: McClure queria saber se tal como puderam usar a localização já conhecida de um receptor no solo para calcular a localização de um satélite se poderiam inverter a situação, isto é, se poderiam calcular a situação de um receptor no solo se soubessem a órbita exacta de um satélite?

Guier e Weiffenbach, depois de reflectirem por momentos responderam que era possível. De facto deduzir a localização a partir de uma órbita já conhecida tornaria os resultados mais precisos. Sem explicar o verdadeiro interesse da sua curiosidade, McLure pediu aos homens par fazerem uma rápida análise da viabilidade. Depois de alguns dias de estudos intensos de números os dois homens relataram: O “Problema Inverso” é eminentemente resolúvel.

Guier a Weiffenbach não demoraram a perceber porque era tão importante para McLure o problema inverso: Os militares estavam a desenvolver mísseis nucleares Polaris, concebidos para serem lançados de submarinos. Calcular as trajectórias precisas de um ataque com mísseis exigia um conhecimento preciso da localização do ponto de lançamento. Em terra isso era fácil, mas fazê-lo de um submarino a flutuar algures no Oceano Pacífico era drasticamente mais difícil. A ideia de McLure de pegar na solução do Sputnik e invertê-la daria aos militares a possibilidade de determinarem a posição desconhecida dos seus submarinos pela fixação da localização já conhecida dos satélites que descreviam as suas órbitas à volta da Terra. Tal como os navegadores de todas as épocas fixavam as estrelas para navegar pelo mar, os militares guiariam os seus submarinos por meio das estrelas artificiais da tecnologia dos satélites.

O projecto foi designado por “sistema Transit”, e três anos depois de lançado o Sputnik, já havia cinco satélites norte-americanos em órbita a fornecerem dados de navegação aos militares.

Quando o voo 007 das Linhas Aéreas Coreanas foi abatido, em 1983, depois de entrar no espaço aéreo soviético, devido a erros de aviso de navegação que provinham do solo, Ronald Reagan declarou a navegação baseada em sinais de satélites aberta ao meio civil. Nessa altura o sistema ganhou um nome próprio: Global Positioning System (GPS).

Cinquenta anos depois já existem dezenas de satélites GPS que cobrem a Terra com sinais que orientam uma imensa variedade de dispositivos navegacionais, desde os telemóveis, às câmaras digitais, passando pelos Airbus A380.

Com 2 satélites já em órbita, o projeto europeu Galileo (30 satélites geo-estacionários em 3 órbitas distintas) espera lançar mais 2 dentro de poucos meses e estar operacional até 2015

A História faz-se sempre por caminhos muito estreitos. Qualquer “se” pode mudar tudo para outra história diferente.

3 comentários em “Do Gulag ao GPS

  1. Ao ler este, mais uma vez interessantíssimo, post do Cruz Fernandes sobre o Sputnic pôs-se-me um problema, que me pareceu importante esclarecer, que era o de perceber o que é que o Sputnic tinha a ver com o blogue das Transmissões Militares.
    Será que a chave do problema era o “bip.bip” do satélite que estava na parte final do grito da Arma – “alfa, bravo, radiações, bip…bip, transmissões”?
    Por outro lado, o Sputnic aparecera na altura em que foi criado o grito e o primeiro satélite lançado era um feito tecnologico de enorme amplitude, que conjugava bem com a ideia de uma Arma que proclamava que “Na vanguarda, avançamos…”.
    Na última reunião da CHT fiquei a saber que Cruz Fernandes tinha sido o criador do grito das Transmissões.Tudo parecia dar certo.
    De facto, a meu pedido, o autor confirmou que a minha suposição estava certa.
    Contou-me a história da forma como criou o grito, que achei saborosíssima. Julgo que, para benefício de todos os visitantes do Blogue, terá que ser objeto de um novo post do autor, o que desde já lhe agradeço.

  2. Muito interessante a dedução do meu General. Como comentei noutro local, a inteligência é algo de que quem a possui não consegue livrar-se. Quando dá por si, aí está a dita a pregar-lhe partidas e a fazer a emenda de pontas que parecia terem ficado soltas. Há de facto no Grito feitos e pessoas que mentalmente agrupei ao fazê-lo. Há ainda pequenas distorções a acrescentos que não fazem parte da pureza original. Quando contar essa história ficarão mais coisas esclarecidas.
    Por exemplo: Alfa e bravo não são radiações; alfa e beta, sim. E isso tínhamos nós aprendido com o “Maravilhas” nos primeiros anos de Academia. É por isso que no original está Alfa, beta, radiações (Ciência, portanto); bip.. bip… Transmissões (Referência a nós, num pretendido igualar ao que melhor se conhecia no momento). A distorção introduzida mais tarde, não por mim, vem da pronúncia do B no alfabeto fonético, o que é uma ideia bastante mais pobre, digamos, mais obreira, do que aquela que presidiu ao espírito da criação de algo que nos simbolizasse a todos.
    Cruz Fernandes

  3. An interesting discussion is worth comment. I think that you should write more on this topic, it might not be a taboo subject but generally people are not enough to speak on such topics. To the next. Cheers

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