A contaminação

Pelos anos 69/70, fui encarregado pelo Eng. Amaro Vieira, então chefe dos Serviços Radioeléctricos dos CTT, para determinar a natureza e a origem de um fenómeno radioeléctrico que perturbava diariamente, durante o período da manhã, a faixa de HF (3-30 MHz). O sinal audível começava de um modo apagado pela manhã e ia crescendo até um máximo, momento a partir do qual começava a diminuir, acabando por se extinguir pela tarde. A assinatura audível simulava um porco foçando, razão porque ficou conhecido como “o porco”, na gíria do pessoal do Centro de Recepção dos CTT, em Barcarena.

O meu trabalho consistia em ir tão longe quanto possível na investigação da natureza e da origem do fenómeno.

O primeiro passo foi determinar a assinatura visual do sinal perturbador, a qual se verificou consistir numa dupla série de 4 impulsos, desfasados de um pequeno intervalo de tempo. A primeira série de impulsos apresentava uma amplitude sensivelmente igual ao dobro da segunda.

Desse trabalho resultou a convicção de se tratar de uma actividade de sondagem da ionosfera, sendo a origem da mesma situada algures na parte sul dos Estados Unidos da América. As bases para esta determinação não eram então rigorosas, servindo de guia a assumpção de que o segundo naipe de impulsos resultava de um duplo salto na ionosfera, sendo a direcção assegurada por antenas direccionais disponíveis no Centro. Informado por mim, Amaro Vieira contactou então a embaixada da América, tendo recebido a confirmação de termos acertado. Amaro Vieira era chefe do Grupo V da UIT e reuniria na Suíça algum tempo depois, onde seria analisado o fenómeno do “porco”, que afectava todas as Administrações de Correios, Telégrafos e Telefones da Europa. A sua revelação, antes de qualquer outro, deixou Portugal em posição respeitável.

Só 16 anos depois o acaso quis que viesse a conhecer um dos autores da perturbação – Mr Larry Peden – ao tempo atrás reportado trabalhando como Research Assistent at the Stanford University Radiosciense Laboratory, onde colaborava no desenvolvimento do primeiro Chirpsounder, naquele época para aplicações em sistemas de mísseis balísticos, como se apresenta abaixo. 

Fig.1 – Mr. Larry Peden

A incubação

Durante os anos de serviço em Moçambique desenvolvi continuamente actividades na área das comunicações, guiando-me pelos ensinamentos da Universidade, onde testemunhei que a Ionosfera nem sempre era teórica. E quando o não era apresentava caprichos invulgares. Todos os operacionais recordam como, ao varrer do Sol, se desencadeava o estrondoso “coaxar de rãs”,  que anulava o sinal e produzia disrupções nas comunicações, gerando intervalos de aflição pela perda de contacto, por vezes em situações limite, como o de prestar socorro.

Neste período da minha actividade assaltava-me a ideia de que deveria haver um processo de tirar melhor partido da Ionosfera, em HF.

De regresso a Portugal tomei contacto com literatura técnica que me repunha no caminho deixado para trás, anos antes, de onde destaco um Relatório da BR Communications, onde se teciam considerações valorativas do comportamento das Comunicações em HF apoiadas em Chirpsounders, que tinham tomado parte na Operação CORPORATE da retoma das Ilhas Falkland à Argentina, pela Inglaterra, em 1981/2. (Nota 1)

A Retoma

O sucesso da operação Corporate em contraste com a constatação das modestas e deficientes comunicações entre Portugal Continental e as suas ilhas atlânticas aguçaram-me o desejo de encontrar uma solução técnica das mais avançadas para garantir estas ligações vitais. A Guerra-fria não tinha passado, os satélites estavam ainda na infância da arte, não ofereciam garantias de segurança, eram caros e de companhias privadas. Cabos submarinos existiam para a Madeira mas não para os Açores. O HF seria sempre o último recurso em comunicações, por ser o mais difícil de destruir e o mais fácil de repor em funcionamento.

O HF então conhecido era, segundo a voz corrente, muito dependente das condições ionosféricas, por não existirem no mercado técnicas que permitissem debelar essa deficiência. Porém, em 1983, já tinha nascido essa técnica e entroncava no fenómeno com que me havia deparado no Centro de Recepção dos CTT, já reportado. Essa técnica tinha primeiro progredido como investigação tecnológica no seio universitário e depois evoluído para um produto militar e comercial da BR Communications.

Fig.2 – Características de Propagação em HF

A Acção

Primeira experiência de Sondagem Oblíqua da Ionosfera em Portugal

Colocado na Repartição de Estudos Gerais da DAT, estabeleci contacto com a BR Communications para obter informação técnica sobre sistemas de HF com sondagem ionosférica, informação que me deixou convencido da eficiência do sistema, a ponto de propor que fosse feito um desafio à BR para fazer, a expensas suas, um site survey às instalações de Transmissões dos Açores e da Madeira, e a, posteriormente, fazer ensaios, orientados e assistidos por nós, entre Ponta Delgada e Lisboa (RTm), desafio que foi aceite. Para o Site Survey foi nomeado, em 1982, o Major Ferreira da Silva, que acompanhou aos dois arquipélagos o Eng. Larry Peden da BR Communications, o qual confirmou ser o provável autor dos distúrbios observados por nós nos anos de 1969/70.

Entretanto, dando-se a minha colocação no RTm, como 2.º Comandante, recebi aí a missão de conduzir os ensaios de sondagem ionosférica, os quais vieram a realizar-se na 3.ª semana de Janeiro de 1984. ABR aceitou ainda a sugestão de fazer no RTm uma demonstração teórica das técnicas de sondagem ionosférica em HF, o que veio a realizar-se na tarde de 26 de Janeiro, com a presença de Oficiais de Transmissões, do EMGFA, Armada, FAP, AM, DAT, IAEM, EME e 4 Engenheiros da BR Communications. A demonstração coincidiu com a data dos Estados-Maiores Peninsulares (EMP), o que levou ao RTm, entre outros, 3 oficiais espanhóis que tomavam parte naquele evento.

Princípio de Funcionamento:

Avaliação de canal

O princípio de avaliação de canal baseia-se na sondagem oblíqua da ionosfera, com recurso ao “spred spectrum”. A sondagem oblíqua da ionosfera conduz a que a energia emitida atravesse as camadas ionosféricas segundo ângulos oblíquos, regressando à superfície em pontos distintos do de emissão, como acontece na sondagem vertical. Para concretizar as experiências de sondagem oblíqua são necessários um local de emissão e, pelo menos, outro de recepção.

Spred spectrum

A técnica do Spred Spectrum consiste na emissão de ondas rádio, cuja largura da banda é intencionalmente dilatada, de modo a ocupar faixas de espectro, cuja largura é pelo menos 10 vezes a necessária para a transmissão do sinal, por razões de segurança, privacidade, esquiva ao empastelamento ou tráfego muito intenso.

O spredding pode tomar a forma de saltos de frequência, fintas no tempo ou fintas no tempo e na frequência, segundo algoritmos pré-estabelecidos ou pseudo-aleatório. Para que o equipamento receptor possa receber os sinais emitidos nestas condições, existe entre o emissor e receptor um protocolo que per­mite ao receptor seguir o emissor nas suas fintas e saltos. Esse protocolo é inscrito nos sinais transmitidos, de tal modo que cada sinal leva o código do salto seguinte. Deste modo, o receptor cumpre ordens do emissor, dizendo-se, quando se estabelecem tais relações, que o primeiro trabalha como “Master” e o se­gundo como “Slave”. Vários equipamentos tácticos da nova geração utilizam todas ou par­te das técnicas descritas, sendo o Chirpsounder um deles.

Varrimento

Na técnica de Avaliação de Canal com o emprego do Chirpsounder,a lei de varrimento é bastante simples: Todo o Varrimento tem uma duração de 4 minutos e 40 segundos, cobrindo neste intervalo de tempo a frequência entre 2 e 16 MHz para uma taxa de variação de 50KHz/segundo ou, entre 2 e 30 MHz, para uma taxa de variação de lOOKHz/seg. Findo um varrimento, o equipamento regressa ao ponto de partida e recomeça novo ciclo. O Sinal de teste do TCS (Chirpsounder Transmiter), é um varrimento linear de FM – CW que é imediatamente agarrado pelo RCS (Chirpsounder Receiver) sincronizado no tempo com aquele. A análise espectral da diferença de frequência entre o oscilador local do RCS e o sinal de recebido do TCS dá origem a ionogramas oblíquos, eixos o tempo de varrimento e a diferença de frequência.

Ensaios de sondagem

Os ensaios foram conduzidos, colocando o Chirpsounder Transmiter (TCS – 4B),em Ponta Delgada, emitindo uma potência de cerca de 100W, sobre uma antena rômbica achatada, de banda larga (2-30 MHz), com SWR <10:1.

Em Lisboa foram colocados o Chirpsounder Receiver (RCS – 4B), o Monitor de Espectro (RSS – 4) e o Frequency Management Terminal (FMT – 2) e, ainda, o multi-acoplador de ligação a uma antena idêntica à dos Açores.

Às 1200 horas do dia 24 de Janeiro de 1984, teve lugar a sincronização do RCS – 4B, do RTm, com TCS – 4B, dos Açores, seguindo-se a Primeira Sondagem Oblíqua da Ionosfera em Portugal. Pouco depois o RCS entrou em sintonia com TCS e no ecrã do monitor começou claramente a visualização das camadas ionosféricas encontradas pela onda recebida, das quantidades de energia que, atravessando o espaço, chegavam ao receptor. Completava a informação com a apresentação da densidade de espectro ao longo da banda HF. Enquanto isto acontecia, o RSS apresentava a visualização da ocupação do espectro electromagnético em toda a banda HF. Assistir a isto para quem, como eu, já estava teoricamente familiarizado com o que estava a ver e ansiava pela prova real, deixou-me a convicção interior de estar a assistir a um momento histórico.

Fig.3 – Primeira Sondagem Oblíqua da ionosfera em Portugal 

Lições tiradas dos ensaios e demonstrações

Os ensaios de transmissão entre os Açores e Lisboa e as demonstrações que tiveram lugar no RTm, convenceram-me definitivamente de que era do interesse da Exército dispor deste tipo de equipamento e dominar as tecnologias que lhe estão associadas.

Em função disso comecei a preparar uma possível realização dessa aquisição. Para tanto melhorei os conhecimentos de HF, debrucei-me sobre o funcionamento dos equipamentos de HF – Tempo Real explorando uma colecção de slides que me tinha sido oferecida pela BR e parti para a concepção de um projecto que melhor pudesse servir o Exército. É interessante acrescentar que me reporto a 1984, tempo em que o HF era um recurso valioso, em que os telemóveis eram desconhecidos e os satélites não asseguravam cobertura nem fiabilidade.

Projecto de HF – Tempo Real

Antes de descrever o Projecto de HF – Tempo Real, farei a descrição dos equipamentos que caracterizam a designação HF – Tempo Real. Um Projecto de HF – Tempo Real começa por ser um bom projecto de radiocomunicaçõesem HF. O HF depara-se com uma variação constante das condições de propagação e com um espectro densamente ocupado. Em virtude disso são muitas vezes atribuídas às más condições de propagação avarias de equipamentos e erros de operação. Por outro lado, as frequências obedecem a uma partilha que, em tempo de paz, só autoriza a cada um usar as suas.

O Tempo-Real

A gestão de frequências em Tempo-Real permite ler a intensidade de ionização das diferentes camadas da ionosfera, medir as condições de propagação, de ocupação de espectro, do número de frequências disponíveis e de bons procedimentos de operação. Os equipamentos que permitem esta mudança descrevem-se a seguir.

TCS – Chirpsounders Transmiter

Fig.4 – TCS Chirpsounder Transmiter

Este equipamento envia um sinal de baixa potência (2 – 10W), através do circuito de comunicações de HF que se pretende testar ou utilizar, ao qual é acoplado por meio de um diplexer. O sinal de teste é uma onda FM/CW, que faz o varrimento do espectro (2-30MHz), a cada 4 minutos e 59 segundos. Este varrimento é feito a 50KHz/s, entre 2-16MHz e a 100KHz/s, entre 16-30MHz. O varrimento do sinal emitido é comandado por um relógio interno sincronizado no tempo e seguido pelo Shirpsounder Receiver (RCS). Este sinal é batido com o do Oscilador Local (OL), do RCS. A análise espectral da diferença de frequência entre o OL e o sinal de chegada constrói duas linhas oblíquas sobre o ecrã (uma para 100KHz/s e outra para 50KHz/s), tendo como ordenadas o tempo de varrimento e como abcissas a banda de frequências varrida. É este sinal que permite desenhar no ecrã de RCS a caracterização do percurso de comunicações entre o emissor e o receptor. 

Fig.5 – Este é o diagrama resultante da análise espectral entre a frequência do OL do RCS quando o recebe o sinal de varrimento do TCS. É o diagrama que serve para testar o funcionamento acoplado TCS-RCS.

RCS – Chirpsounders Receiver

O RCS dispõe de um relógio interno sincronizado no tempo que agarra o sinal de TCS e o segue.  O varrimento automático arranca a qualquer das 12 fracções de 5 minutos da hora, para qualquer dos quatro TCS controlados. O momento de arranque para controlo de cada circuito TCS pode ser posicionado pelo operador dentro da cada fracção, num intervalo de 4 minutos e 59 segundos pelo relógio de tempo real interno do RCS.

Cada Chirpsounder Receiver pode controlar até quatro TCS, o que corresponde a quatro circuitos independentes de comunicaçõesem HF. Para cada um dos circuitos sondados fornece informação em tempo real das condições de propagação e habilita o gestor de frequências com os elementos essenciais para a sua selecção e atribuição. O tubo de raios catódicos do RCS permite visualizar toda a informação crítica, aí incluído desenho das várias camadas F (um salto F, dois saltos F…), onda de superfície, presença e potência da E esporádica (Es), tempo de atraso relativo dos saltos múltiplos e situações imprevisíveis de disturbâncias solares.

Além disso apresenta informação sobre a potência do sinal recebido ao longo de toda a banda HF, o que permite ao operador seleccionar rapidamente a frequência óptima de suporte da Comunicação HF em mais de 99% dos casos. Fig.

Como funciona o RCS – Chirpsounder Receiver

Fig.6 – RCS 5 Chirpsounder Receiver

Quando o RCS arranca procura, fixa e segue o sinal dos diferentes TCS. As ondas de teste recebidas fazem o varrimento de toda a banda 2-30MHz em cada intervalo de tempo de 4m e 59s, saindo do emissor com uma potência constante, independentemente de o circuito estar ocupado ou livre.

A potência correspondente a cada frequência chega ao RCS por um ou mais dos percursos possíveis de HF, entre o emissor e o receptor. Quando o sinal se divide por diferentes percursos, cada uma das partes atinge o RCS em tempos diferentes, dependendo da extensão do percurso, menor na onda de superfície, máxima na camada F de saltos múltiplos. O RCS permite visualizar as diferentes camadas da ionosfera encontradas pelo sinal, bem como os respectivos tempos de percurso. Para isso, o ecrã do RCS apresenta em abcissas a banda de frequências (2-30MHz) e em ordenadas os tempos de percurso do sinal e é recoberto por um material fluorescente. A potência do sinal emitido de cada frequência discreta divide-se no seu percurso de HF pelos vários caminhos possíveis. Quando uma parte dessa potência atinge o RCS, este inscreve um ponto branco no material fluorescente do ecrã, na vertical da frequência em análise, a uma distância do eixo dos XX, correspondente ao tempo de percurso. Neste momento, outras partes do sinal podem ainda andar a viajar a caminho do RCS. Quando mais uma parte do sinal chegar ao receptor, este inscreve outro ponto branco na vertical da mesma frequência, mais acima do anterior. Se parte do sinal está a percorrer ainda outra via mais longa, à sua chegada terá a mesma representação das anteriores, de modo que, ao fim de um varrimento completo (2-30MHz) o ecrã do RCS apresenta os sucessivos pontos que foram inscritos para todas as frequências, desenhando estes as camadas ionosféricas onde houve energia reflectida. A Imagem que se obtém pode comparar-se com um TAC feito ao plano da ionosfera que contém o circuito de HF em análise.

Fig.7 – RSS -5 Display, mostrando a forma de proceder para a selecção de canais livres. À esquerda uma banda de 500Khz, onde se marca a frequência central. À direita uma faixa de 100Khz, centrada na mesma frequência de 8.345Khz. A regulação faz-se pela percentagem de amostras do sinal recebido que excedem o limiar escolhido. Baixando o limiar aparece maior ocupação. Subindo a limiar dá-se o contrário, isto é, são menos os sinais que chegar ao receptor com aquela potência. Se o sinal que pretendemos receber excede um determinado limiar, só pode ser interferido por sinais de igual ou limiar superior.

 

Em resultado da visualização das camadas ionosféricas é fácil seleccionar as frequências que melhor servem a ligação naquele momento. Esta informação é completada com o diagrama de densidade de espectro que o RCS desenha ao longo da banda HF. Assim, para a mesma densidade de espectro, é preferível a frequência que chegou por apenas um percurso. Chegados aqui, falta apenas saber se as melhores frequências seleccionadas se situam em zonas livres de tráfego, isto é, se estão desocupadas ou se têm apenas ocupação esporádica, o que se consegue com o RSS – Spectrum Monitor. 

Fig.8 – RCS – 5 Display, do RCS, da combinação da onda de superfície com onda de propagação na camada F. A de densidade de potência do sinal recebido pelos vários tipos de onda é apresentada na parte superior do ecrã. Notar que o melhor banda de frequências não é aquela a que corresponde a maior densidade de sinal recebido, mas é melhor porque toda a energia recebida chega apenas por um percurso, a onde espaço.

 

O RSS – Spectrum Monitor

Fig. 9 – RSS-5 Monitor de Espectro

 

O RSS é um sistema de recepção, processamento e apresentação de informação de ocupação do espectro, de forma simples e compreensível. Varre até 14.000 canais de 3KHz de largura, do espectro de HF, ao ritmo de 710 canais por segundo. O arranque e a paragem do varrimento podem ser escolhidos em qualquer ponto da banda dos 2-30MHz. Pode também fazer o varrimento de listas de frequências de utilização. O RSS pode fornecer informação vital para localizar canais vazios dentro de bandas de frequências seleccionadas. A informação compilada poder ser exposta em tempo real, nos últimos cinco minutos ou na última meia hora, à escolha do operador. O ganho do RSS é continuamente ajustado, para cada MHz de largura, para um valor ligeiramente acima do ruído atmosférico local.

Fig. 10 – RSS – Display mostrando a recepção por várias camadas e a densidade de potência recebida ao longo da banda.

 

Os dados de amplitude são usados num algoritmo para determinar a taxa de ocupação de cada um dos canais de 3KHz. O RSS pode por isso usar esta taxa de ocupação para avaliação rápida de cada uma destas frequências. Podem ser seleccionadas a USB, a LSB e a AM como frequências de trabalho.

Projecto com integração de meios

O sistema foi projectado para garantir comunicações simultâneas de voz e de dados, integrar as redes militares do arquipélago e dar-lhe acesso a Lisboa, a partir de Ponta delgada, Terceira e Horta. Deveria integrar o QGZMA, o oitavo Nodo do SITEP, os meios do Exército, ser uma ligação de alternativa do Comando Chefe e dar acesso aos meios civis de comunicações.

Para proceder a este estudo da instalação do Terminal de HF Tempo Real Ponta Delgada -Lisboa, deslocou-se ao território uma delegação chefiada por mim, que incluía o Maj Edorindo Santos Ferreira e o Maj Moura Pequeno. O Chefe da Sec do STM local, Maj Nascimento, incorporou a delegação.

A integração incluía ainda mais três projectos. Um referia-se ao sistema de feixes de cobertura do Arquipélago, anteriormente projecto por mim e que veio a ser acompanhado pelo Cap Cruzinha Soares. Os outros dois eram as redes cabos de Ponta Delgada e de Angra, ambos acompanhados no terreno pelo Cap Porfírio. Preparadas as condições que permitiam tirar proveito do HF – Tempo Real passou-se à especificação técnica do projecto de HF, que incluísse as melhores tecnologias do estado da arte. Consultado o mercado para obtenção de uma proposta comunicações de HF que respondesse aos requisitos e especificações impostas e integrasse equipamentos de HF – Tempo Real, apenas a empresa Mattos Tavares respondeu a esta exigência, com materiais de telecomunicações da Rohde and Schwarz e de HF Tempo Real da BR Communications.

Infra-estruturas – Açores

A emissão em HF tem de estar separada da recepção, por necessidade de diversidade de espaço. Isso conseguiu-se colocando a emissão em São Gonçalo e a recepção no ELPD. A ambos os locais foram ligados às redes telefónicas e telegráficas locais, ampliando estas para incluir o Comando Chefe. No centro emissor foi instalado o Chirpsounder TCS-5, o emissor/receptor de banda larga (2-30MHz), ISB, XK859 de 1KW, o Diplexer BR, o grupo de energia de recurso, baterias, consola de equipamentos e bastidor de interligação. No exterior foi instalada a antena de emissão de banda larga de 5-30MHz, Rohde and Schwarz, AK 451. Separada da emissão, a recepção ficou colocada no ELPD, servida por uma antena de banda larga (2-30MHz), da mesma marca e modelo. O receptor RX EK851 (2-30MHz), ISB, R&S e restante material ficou na sala de recepção.

Fig.11 – Esquema de Ligações da Estação E/R do HF – Tempo Real dos Açores.

 

Infra-estruturas – Lisboa

Devido à necessidade de diversidade de espaço, um dos problemas a resolver em Lisboa foi o de dispor de propriedades militares seguras e com baixo ruído eléctrico local. Tendo isso em vista, foram testadas durante o período de ensaios a Encarnação e Alcochete e mais tarde também o rossio do convento da Graça, ao tempo ocupado pelo Exército. Porém nenhum destes locais satisfazia completamente os requisitos de segurança com pouco dispêndio. Por isso, convoquei, já como comandante, representantes da empresa Mattos Tavares e da Rohde and Schwarz, levando-os a encarar a solução, sem perda da diversidade de espaço, de colocar a emissão e a recepção nos terrenos do quartel do RTm, agora bastante aumentados com os que, sob o meu comando, tinham sido recuperados da ocupação selvagem a que tinham sofrido.

Feitos os cálculos, a questão ficou resolvida com instalação da totalidade do equipamento dentro do RTm, o que beneficiou em muito e eficiência do Projecto. Resolvida a questão da diversidade, a antena de recepção ficou junto ao Pombal e a de Emissão nos terrenos recentemente retomados.

Os equipamentos de HF e HF – Tempo Real foram instalados numa das salas do CTE, com acesso às redes comutadas de voz e de dados. Destacam-se nomeadamente os seguintes:

Multi-acoplador, NV 14T, que permite acoplar o equipamento de HF e o de HF – Tempo Real;

Emissor/Receptor, 1KW, XK 859, 5-30MHz, ISB, da R&S;

Receptor RXEK 851, 2-30MHz, ISB, da R&S;

Comandos remotos das antenas de emissão e de recepção.

Consolas e bastidores do equipamentos diversos.

Os equipamentos de HF – Tempo Real são os seguintes:

Chirpsounder Receiver, RCS -5B, BR Communications;

Spectrum Monitor RSS – 5, BR communications;

Frequency Management Terminal, FTM – 5B.

No projecto foram incluídos valas e cabos de acesso e comando das torres de emissão e recepção, a energia de recurso ficou instalada nas traseiras do R/C, a climatização e todas as interligações necessárias ao perfeito funcionamento integrado do sistema de HF – Tempo Real.

Fig.12 – Esquema de Ligações da Estação E/R de HF – Tempo Real do RTm Lisboa

Como tudo na vida é mudança, quando o sistema foi inaugurado eu tinha cessado funções cerca de um mês antes. Deste modo não desfrutei da apoteose do sucesso de um caminho longo, que foi a introdução a sondagem oblíqua da ionosfera em Portugal e da sua aplicação, logo de início, ao circuito mais emblemático do Portugal Moderno, constituindo como que um laço do mar, da terra e dos espaço da Zona Económica Exclusiva Portuguesa.

 

Fig.13 – Integração dos meios de Transmissões dos Açores e acesso por HF – Tempo Real a Lisboa.

Nota 1 – (Publicação como nota técnica da BR Communications, extraída do original, de Dezembro de 1982, do Signal Magazine, Official Journal, da Armed Forces Communications & Electronics Association (AFCEA). 

2 comentários em “Uma aventura no “HF – Tempo Real”

  1. Este primeiro trabalho do coronel Cruz Fernandes para o nossso Blogue tem, para mim, o elevado mérito de ser o trabalho tecnicamente mais importante e complexo que foi publicado até hoje no Blogue.

    Com a particularidade de usar una linguagem acessível que permite que o texto seja compreensível para um público alargado.

    Valeu a pena esperar. Não podia sewr de outra maneira para termos um texto desta qualidade era preciso muito trabalho e tempo.

    Também tive o prazer de saber que o autor está a prepara novos post sobre realizções da Arma de Transmissões que protaonizou que terão tanto ou maior interesse do que este.

    Atendendo a isso e para não atrasar esse programa de alimentação do Blogue guardarei para depois o pedido de esclarecimento de algumas questões sobre aspetos não ténicos ligados à introdução no Exército e em Portugal do HF em tempo real.

    1. Bem haja meu general pela sua apreciação. Desde já lhe digo que faz todo o sentido fazer o enquadramento da importância do projecto para o Exército, no contexto do tempo em que, como então digo, não havia outros meios de ligação e os satélites estavam na infância da arte. Cruz Fernandes

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